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Os transportes da esquina

Os transportes da esquina

No Estrela Vermelha, um dos muitos mercados de Maputo, o frio castiga como há décadas não fazia. Os dentes rangem e as pessoas tentam esconder-se dele como podem. Porém, numa esquina, há rostos que teimam em suar. Sãos os homens dos “tchovas”. Para eles a vida é dura como o sol do Verão…

Semelhante a muitas das esquinas da capital do país, o cruzamento entre as avenidas Emília Dausse e Romão Fernandes Farinha distingue- se apenas pelo número invulgar de “tchovas”, posicionados ao longo do passeio, prontos para carregar qualquer coisa.

À saída do Mercado do Estrela das duas dezenas de homens, que ali trabalham todos os dias, uma senhora (com duas panelas a fumegarem, é a única presença feminina) lava os pratos onde os ‘transportadores’ almoçaram, apagando os vestígios do feijão. Porém, nem todos almoçaram. Uma refeição é um luxo que só é possível nos dias em que o movimento ajuda.

O dia-a-dia

Uns dias antes, sob o mesmo frio de rachar, um vulto saía do mercado do Estrela. À medida que se ia aproximando, era possível distinguir um homem empurrando um carrinho de mão.

Os homens perfilados ao fundo, transportadores de carga de profissão, desde os primórdios da Independência, constroem as suas casas e criam os seus filhos com o dinheiro que recebem por carregar o que os outros compram ou já não querem, perscrutam os transeuntes, potenciais clientes sempre naquele negócio. Tentam medir-lhes as intenções, se é que terão alguma.

De braços em riste e prontos para o trabalho braçal. Não são parcos em palavras. E, quando não as usam, não é porque não precisem de trabalho, mas seguramente porque não viram possibilidade de negócio.

Na sua maioria, são jovens com idade compreendida entre os 17 e 35 anos e movidos pelo mesmo objectivo: ganhar o sustento diário.

Beto Comé, de 33 anos de idade, sétima classe interrompida, pertence a este grupo de pessoas. Há mais de 14 anos que se dedica a esta actividade braçal. “Esta é a solução que encontrei para sobreviver”, diz, atento a potenciais clientes.

Nasceu numa família humilde e desde pequeno aprendeu a ganhar a vida. Muito cedo abandonou o país com destino à vizinha África de Sul à procura de melhores oportunidades, mas sem sucesso regressou à terra natal.

As condições de vida definhavam, até porque não tinha uma ocupação que lhe garantisse o “pão de cada dia”. Desempregado, vivendo maritalmente e com um agregado familiar composto por seis pessoas por sustentar, o “tchova” foi a bóia de salvação de Beto.

Presentemente, Beto Comé orgulha-se da escolha que fez, pois, graças à actividade, está a construir um tecto para a família e os seus filhos frequentam a escola, além de garantir a alimentação.

Os dias de Beto começam bastante cedo. Acorda às 4h30 para chegar ao local de trabalho antes das 7h00 da manhã.E despende 25 a 30 meticais para o transporte diário. Quando sai de casa, deixa com a sua esposa70 meticais para as despesas. Mas a sua grande tristeza é ser acusado de roubo pelos donos das mercadorias que transporta.

Moisés Mazoio, natural de Chibuto, chegou a Maputo – já não se lembra a data – à procura de melhores condições de vida. Mas na capital do país a vida não era como imaginava. Trabalhou como vendedor ambulante de biscoitos, depois de pão e “badjias” e, mais tarde, decidiu mudar para algo mais rentável. Em 2004, começou a carreira de “transportador”, actividade que lhe permitiu constituir família.

Sebastião Bila, de 33 anos de idade, reside no bairro de Ka Machakene, teve o seu primeiro contacto com os “tchovas” aos 16 anos. “Tinha de ajudar na renda de casa e esta foi a única saída”, afirma.

O trabalho tem-lhe sido duro. Mas nem por isso deixa de ser um homem feliz, até porque consegue sustentar a mulher e os três filhos que vivem na cidade de Xai-Xai. “Sempre que posso envio dinheiro assim como alguns bens para a família. Visito-os duas vezes por ano”, diz.

Tico Mandlate, de 31 anos de idade, depois de uma aventura infrutífera nas terras do Rand, regressa em 1997 a Moçambique depois de nove anos vivendo ilegalmente naquele país vizinho. Sem emprego, só lhe restava uma única opção: trabalhar com o “tchova”, embora na África do Sul se tenha dedicado à produção de obras de artesanato, fogões e à construção de piscinas.

Nas primeiras horas do dia há mais trabalho. Eles não escolhem o que transportar. A luta pela sobrevivência não deixa lugar para escolhas. Carregam todo o tipo de mercadoria, essencialmente bebidas alcoólicas, dos armazéns para o interior do mercado.

Alguns dispõem de clientes fixos e outros têm de contar com a sorte, pois há dias em que o sol se põe sem terem conseguido efectuar um único carregamento.

Por dia, em média, amealham entre 150 e 250 meticais. Os preços cobrados pelos transportadores dependem do peso da mercadoria e da distância percorrida. A título de exemplo, num percurso de 500 metros e com a carrinha cheiao valor a cobrar não é inferior a 50 meticais. Enquanto aguardam pelos clientes, entretêm-se jogando “n’tchuva”, num tabuleiro feito de cimento e areia no passeio da rua.

Fabricador de “tchovas”

No bairro de Bazuca, arredores da cidade de Maputo, existe um local onde se fabricam carrinhas de mão, mais conhecidas por “tchovas”. O proprietário da pequena ofi cina de serralharia é Ricardo Massitela, um cidadão moçambicano que iniciou a actividade há 20 anos.

Massitela é motorista na empresa Transportes Públicos de Maputo (TPM), sendo que nos tempos livres se dedica à actividade de serralharia, que se tornou um negócio rentável, e emprega dois fi lhos e dois primos, mas nem sempre foi assim.

A história de sucesso deste motorista começa quando decide fabricar uma pequena carrinha de mão para transportar alguns equipamentos.

Ao sair à rua com o pequeno “tchova”, chama a atenção de algumas pessoas. Daí, sugiram-lhe as primeiras encomendas. Hoje dispõe de uma pequena empresa que, além de carrinhas de mão, fabrica fogões a carvão, carroças, portões, entre outros utensílios.

A matéria-prima para a produção é adquirida no mercado nacional. Trata-se de ferros e chapas de zinco, muitas vezes disponíveis em ferragens. Também recorre à compra de sucatas de automóveis, das quais aproveita cubos que servem para montar os pneus dos carrinhos.

A produção de um “tchova” custa perto de 4 mil meticais e o produto final é vendido a um preço que varia dos 5.500 a 6 mil. A demanda por este meio de transporte é grande. “Quase todas as carrinhas que estão em circulação no mercado do Estrela Vermelha foram adquiridas aqui”, diz Ricardo Massitela.

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