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“Os jovens vão-se revoltar contra o Governo”

Wilson Francisco Uanheque, coordenador da Associação de Jovens Apostados na Luta Contra os Males, baseada na província de Nampula, diz que os jovens moçambicanos têm sido muito fragilizados e estão abandonados à sua própria sorte pelo sistema governativo. Ele espera que a nova geração seja mais crítica e capaz de reivindicar os seus direitos. Por outro lado, afirma que a mendicidade a que se assiste nas principais artérias das cidades tem a ver com a pobreza, como resultado da ausência de políticas públicas eficazes.

@Verdade – O que é AJALCOM?

Wilson Uanheque (WU) – AJALCOM significa Associação de Jovens Apostados na Luta Contra os Males. É uma organização juvenil sem fins lucrativos que promove actividades de carácter voluntário e tem a sua sede na província de Nampula. Ela foi fundada a 19 de Fevereiro de 2002, por um grupo de jovens para dar resposta a alguns problemas que assolam a nossa sociedade, em particular os jovens, e é juridicamente reconhecida como pessoa colectiva de direito privado, com personalidade jurídica. O nosso símbolo é um logótipo de forma circular com quatro setas indicando o nosso movimento multilateral e dois jovens erguendo bem alto a chama do combate contra todos os males. Pode ser membro desta associação qualquer pessoa desde que manifeste o interesse de fazer parte desta. E ela surge por iniciativa de alguns jovens que pretendiam realizar alguma actividade em prol do bem-estar da sociedade, além de mudar o cenário da vida dos jovens.

@Verdade – Quais são as vossas visão e missão?

WU – Ser vista pela qualidade da sua actuação como órgão que presta e promove serviços de utilidade pública e para o bem da população mais carenciada, sobretudo a das comunidades mais distantes da zona urbana. A nossa missão é contribuir para a inserção e permanência igualitária de homens e mulheres no processo de desenvolvimento da sociedade a partir de actividades que contribuam para a redução dos males que afectam a sociedade, bem como a melhoria das condições de vida.

@Verdade – Qual é o vosso principal objectivo?

WU- A AJALCOM tem como objectivo fundamental a promoção da luta contra os males nos jovens e na sociedade, promovendo a participação dos jovens na realização de actividades que contribuem para a redução dos males que afectam esta camada, assim como a melhoria de condições de vida dos mesmos. Além disso, pretendemos apoiar os jovens com vista a uma boa educação e exaltação da igualdade do género, promovendo a formação e educação dos jovens que contribuam para a elevação do seu estatuto na sociedade; apoiando o desenvolvimento de actividades culturais, recreativos e artísticas no seio da juventude; realizando acções de protecção e valorização do meio ambiente, educando os jovens através de campanhas de combate às doenças que afectam aos mesmos em especial as ITS e HIV/SIDA e drogas; apoiando as pessoas vulneráveis na mitigação do seu sofrimento; e criando projectos com vista ao combate à pobreza absoluta nos membros, em particular, e na sociedade em geral.

@Verdade – Em quantos distritos da província de Nampula a AJALCOM trabalha?

WU – Trabalhamos na cidade de Nampula onde está implantada a nossa sede e no distrito de Nampula- Rapale, onde já criamos um centro técnico–profissional, e pretendemos estender as nossas actividades a vários distritos e municípios da província de Nampula sendo que, neste momento, temos 22 membros e centenas de jovens que têm seguido os nossos movimentos e actividades como de limpeza dos locais públicos e palestras de sensibilização sobre os males.

@Verdade – A vossa aposta é a camada juvenil?

WU– Sim. Nós trabalhamos com os jovens porque notamos que é a camada social neste país mais sacrificada e muito complicada. A população moçambicana é maioritariamente constituída por jovens emas, em contrapartida, são desempregados e desocupados e, como forma de não deixá-los perderem-se nos vícios, optamos por criar a associação com o intuito de juntos procurarmos mecanismos de combate à desocupação. No princípio, achávamos que os males estavam somente nos jovens, mas com o andar do tempo notamos que tínhamos que incorporar diversas componentes como o meio ambiente, a criminalidade, a área da saúde e a formação profissional.

@Verdade – Quais são as vossas actividades?

WU – Estamos apostados na capacitação de jovens na sua maioria alunos e estudantes, daí que já criámos alguns núcleos nas diversas escolas da cidade de Nampula, que designamos por Núcleos Escolares de Combate aos Males (NECOM’s). Estes núcleos vão-se encarregar da promoção de palestras de sensibilização nas áreas de saneamento do meio escolar e não só, com destaque para o HIV/SIDA, A tuberculose, os efeitos nefastos do consumo de drogas e bebidas alcoólicas, a prostituição, entre outros. Criámos estes núcleos tendo em conta que é nas escolas onde a maioria dos jovens vai buscar certos valores e queremos juntar o útil ao agradável não somente na busca de conhecimentos científicos, mas também a moral, como deve desenvolver certas actividades e como se deve posicionar perante a sociedade. Nós vamos promover debates e intercâmbios em que o ponto focal será o jovem. Além destas actividades, temos trabalhado na componente de sensibilização da comunidade para que aderira aos processos eleitorais que têm acontecido desde o ano em que a nossa associação foi criada. Nesta componente estamos preocupados com as abstenções e a falta de vontade da população.

@Verdade – A vossa preocupação em criar os NECOM’s tem a ver com o consumo de álcool e outras drogas nas escolas?

WU – De princípio estamos preocupados com a degradação moral da sociedade, principalmente nos jovens. Veja que não há um crime que acontece no nosso país em que não esteja envolvido um jovem. Na cidade de Nampula, com destaque para as escolas secundárias, os alunos no tempo de recreio passam a vida a consumir bebidas alcoólicas. Alguns alunos saem de casa com objectivo de assistir às aulas, mas são convencidos pelos colegas a abandonarem as aulas para se dedicarem a vícios como as bebidas alcoólicas, o tabaco e a prostituição. Nós queremos mudar este cenário. Queremos que muitos jovens deixem de ser influenciados por outros que vão à escola com dois ou três objectivos.

@Verdade – Os programas de apoio aos jovens têm atingido os das zonas rurais?

WU – Acredito que não, pois o que sei é que o Governo tem desenhado muitos programas com a intenção de promover os jovens, mas fala-se bastante no princípio e, posteriormente, não tem havido seguimento dos programas, acho que tem havido mais falácias do que concretização dos planos e isso acontece muitas vezes quando se está nas vésperas das eleições. Presentemente, o jovem é o centro das atenções, e é o garante de todas as actividades de desenvolvimento do país. Quando os jovens estiverem unidos e decidirem promover campanhas de protesto contra alguma situação negativa provocada pelo Governo, poderão fazê-lo, pois são o potencial mais forte e seguro deste país, por isso é que o próprio Governo optou por criar educação com menos qualidade para não abrir os horizontes dos jovens. O Governo inventou as passagens automáticas e cria projectos que só promovem a pobreza e a intriga entre os moçambicanos. Mas um dia, pese embora o próprio Governo tende a tapar o sol com a peneira, acredito que as coisas poderão ganhar novo rumo e trazer ao de cima vários confrontos étnicos, raciais e políticos que já começaram a dar sinais no caso de Muxúnguè, no centro do país. O que quero dizer é que o Governo moçambicano é aldrabão e não ajuda no crescimento da economia e no melhoramento do bem-estar de cada cidadão, sobretudo o da zona mais recôndita do país.

@Verdade – Será que os pais, encarregados de educação e os gestores das escolas perderam o controlo dos seus educandos?

WU– Acho que o grande problema tem a ver com a falta de acompanhamento por parte dos encarregados de educação. Eles matriculam os filhos e apenas se preocupam com os seus filhos nas duas últimas semanas do ano lectivo, quando pretendem saber o resultado final. No entanto, os pais e encarregados de educação são os principais culpados. A outra opinião é que os jovens estão a perder-se devido à nova conjuntura política, a globalização, a dita civilização que muitas vezes é muito mal interpretada. Este problema não é de hoje, os nossos antepassados não nos prepararam para o mundo em que vivemos nos últimos anos.

@Verdade – Qual é a sua opinião em relação aos jovens de hoje em dia?

WU – Olho com muita preocupação. Um dos grandes problemas dos jovens hoje em dia é a falta de ocupação, ou mesmo desemprego. Temos muitos jovens formados e que não conseguem arranjar um emprego, e é por isso que um dos objectivos é formar os jovens na área de empreendedorismo, consciencializar os jovens para que quando estudam não pensem em ter um patrão, mas sim em criar o seu próprio emprego para que eles sejam empregadores. Por isso, estamos a apostar na formação profissional para os jovens do distrito de Nampula-Rapale. @Verdade – O que motiva os jovens a enveredarem pelos caminhos do crime e dos vícios? WU – É uma forma de manifestação dos jovens. Se houvesse oportunidades iguais, não haveria registo de crimes, roubos, assaltos e até linchamentos. Na minha óptica essas situações acontecem porque os jovens andam por todo o lado à procura de algo e no final do dia não têm o que comer, e a solução é cometer crimes. O Governo deve reflectir com muita urgência e procurar pensadores que possam ajudar a resolver o problema, porque isso é o começo e lá para a frente a coisa pode ficar complicada.

@Verdade – O custo de vida em Moçambique tem fortes implicações nas famílias moçambicanas. Como os jovens devem encarar essa realidade?

WU – Falar de custo de vida é falar do que se tem, do que se ganha ou do que se come. Se olharmos para a realidade dos moçambicanos, notamos que é muito triste. É difícil imaginar como vive uma família de pelo menos quatro pessoas com apenas 2.500 meticais. Como é que esse agregado familiar vive durante 30 dias? É absurdo. Neste país há pessoas que morrem por não terem o que comer. Na minha óptica, em Moçambique o sistema capitalista vive-se apenas nas capitais provinciais porque o resto da população vive ainda o socialismo, quem tem um pão dá ao outro e quem tem arroz oferece aos outros. E, como resultado disso, a mendicidade está a ganhar terreno. Mas, mesmo assim, o Governo não está preocupado em lutar para pôr fim à mendicidade.

@Verdade – A AJALCOM tem um centro de formação profissional. Quais são as áreas prioritárias de formação?

WU – Através dos fundos da Fundec, criámos um centro de formação técnico-profissional no distrito de Nampula, onde pretendemos formar 360 jovens em matérias de construção civil e carpintaria no distrito de Nampula-Rapale, dentro de 12 meses. Ou seja, queremos formar 180 técnicos de construção civil e os outros na área de carpintaria. Pretendemos com a iniciativa reduzir em 30 porcento o número de jovens identificados sem formação técnico-profissional naquele distrito.

@Verdade – Depois da formação, qual será o passo seguinte?

WU – Queremos apoiar na criação de pelo menos cinco movimentos associativos juvenis para a geração de rendimento em Rapale, o que quer dizer que o fundo que recebemos engloba o financiamento em ferramentas aos nossos formandos, e através desta ideia vamos fazer o seguimento das actividades a serem desenvolvidas pelos movimentos a criar. A nossa visão com este trabalho é habilitar os formandos em conhecimentos técnico-práticos; aumentar o emprego e o auto-emprego; estimular o associativismo com a criação de projectos de geração de rendimento, com base na formação adquirida; e tornar disponível a mão-de-obra local qualificada. E nesta componente queremos promover a equidade de género,e a prevenção e combate ao HIV-SIDA. Os referidos cursos contemplam jovens de ambos os sexos, e prevêem promover debates e palestras ligadas a diferentes áreas de interesse da comunidade.

@Verdade – Qual é a sua opinião em relação à juventude moçambicana, particularmente a da província de Nampula?

WU – Quando olho para os jovens, vejo que temos jovens não preparados devido ao actual sistema de educação. Por exemplo, as passagens automáticas poderão trazer consequências nefastas futuramente, teremos jovens com uma visão não crítica, uns simples dependentes, os “yes man”, como os que hoje temos que, apesar de formados, dependem de alguns partidos para se afirmarem. As passagens automáticas não servem para esta sociedade que precisa de acabar com a pobreza e o analfabetismo que tanto enferma a sociedade moçambicana. Deveria haver mais rigidez no Sistema Nacional de Educação para que haja massa crítica capaz de, nos próximos tempos, transformar este país para o bem de todos. Se olhar para a província de Nampula, a situação é de lamentar pois os que vivem fora da cidade não têm direitos, estão entregues aos casamentos prematuros, pastorícia e consumo de bebidas alcoólicas.

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