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Noel Langa, “Qual é a importância dessa ignorância?”

Noel Langa

Para além das Artes Plásticas, conversámos com Noel Langa – um dos craques da pintura que o país possui – sobre dinheiro. No entanto, não conseguimos sair da sua esfera de acção e representação. A boa notícia é que, ao que tudo indica, para Noel, o défice de conhecimento que se tem sobre a importância económica das artes possui vantagens: “Ninguém rouba obras de arte em Moçambique. E é bom que assim continue”. Para muitos leitores – o título desta matéria pode(rá) ser estranho. A verdade, porém, é que é como se no final da conversa com o mestre Noel Langa a nossa preocupação fosse encontrar uma resposta para uma pergunta: “quando o assunto é o consumo das obras de arte no país, Noel, qual é a importância da ignorância que se tem em relação à relevância dessa produção, sobretudo no campo das artes plásticas?” Com quase toda a sua vida dedica às artes visuais, uma carreira reconhecida no mundo, Noel Langa dispensa qualquer apresentação. Por isso, desta vez, coloquemos o dinheiro no centro e vamos à conversa.

@Verdade: Sei que, como pessoas, no dia-a-dia, somos influenciados pelo dinheiro. Qual é o seu conceito sobre o dinheiro?

NI: O dinheiro é um veículo que nos ajuda a viver, mas não nos conduz à felicidade. Quando se tem muito dinheiro não se dorme. Não há descanso. Como se tem dinheiro, quando chega o fim-de-semana, no lugar de se conviver em casa com a família, engendram-se mecanismos de consumi-lo realizando-se passeios e viagens. Mas também se podia ficar em casa e confraternizar com a família e a vizinhança.

@Verdade: Numa economia monetária, o dinheiro é a condição básica para a obtenção de bens e serviços. Para si, entre os bens e o dinheiro o que tem mais valor?

NL: Eu valorizo mais os bens adquiridos porque eles pressupõem riqueza acumulada noutro formato. Ou seja, se eu tiver os bens não precisarei do dinheiro.

@Verdade: Em que circunstâncias o mestre Noel valoriza o dinheiro?

NL: Sempre que preciso de adquirir os bens de que necessito. Por exemplo, eu não tenho a obra do Mankew em casa. Visito uma galeria de arte onde as criações estão expostas. Uma das obras custa 50 mil dólares. Se eu tiver dinheiro, prefiro comprar a referida obra. Para mim, é muito mais importante que o dinheiro esteja fora do meu bolso, mas que se configure num bem que me irá estimular, transmitindo-me mensagens – a obra de arte. Eu senti a terapia das obras de arte quando fiz uma exposição na Alemanha Democrática. Sucedeu que todas as minhas criações artísticas, incluindo as que pertencem à minha família, foram enviadas para a Europa. A minha casa ficou nua, desprovida de telas de arte. A pessoa que me havia convidado fazia questão que eu levasse algumas obras da colecção familiar. Ele apreciava muito disso. Quando retornei ao país, fiquei um mês a aguardar que se me enviassem os objectos. As crianças começaram a sentir a sua falta. O mais novo dizia “pai, onde está a minha ‘pinta?’” Porque é que não a trouxe contigo? Expliquei-lhe que vim de avião e as obras seriam enviadas por navio. O miúdo ficou preocupado, reclamando o facto de que elas se iriam molhar. Ou seja, o aspecto importante nisso é que as crianças cresceram com o sentido de valorização das nossas coisas.

@Verdade: A vida em sociedade, sobretudo na cidade, condiciona a nossa maneira de ser e estar. Olhando mesmo para a questão do dinheiro, somos impelidos a criar contas bancárias. Quando é que Noel tem a ideia clara sobre o dinheiro que possui no banco?

NL: A tecnologia ensina-nos isso. Há vezes que eu preciso de comprar material para a minha produção artística e percebo que, de facto, não tenho saldo suficiente. A partir daí começa o jogo do dinheiro. As preocupações inundam a minha cabeça. Já tenho muitas limitações – há uma série de coisas que não posso fazer. Penso que o dinheiro não é para ser controlado. É um meio que nos apoia a fazer as coisas funcionarem. Nunca tive um momento de solidão

@Verdade: Quando o homem “abandona” a casa dos seus pais para criar o seu próprio lar, as complicações financeiras são mais evidentes. Como é que foi no seu caso?

NL: Não foi muito complicado para mim, porque quando me separei dos meus pais vim para a cidade de Lourenço Marques a fim de trabalhar. Eu tinha a certeza de que, no local de destino, iria desenvolver uma actividade concreta. Nunca tive um momento de solidão. Acordava de manhã, ia ao trabalho e no fim do mês tinha o meu salário. O meu irmão dava-me orientações sobre como aplicar ou utilizar o dinheiro partindo da necessidade de fazer o rancho.

@Verdade: Na sua opinião, porque é que algumas pessoas – ainda que não tenham problemas financeiros – vigiam a variação do seu saldo nas contas bancárias?

NL: Não sabem investir o dinheiro. Por exemplo, no meu caso, o dinheiro que consegui acumular do meu trabalho nas Europas investi na reestruturação deste edifício. Esta obra já está feita. A minha ambição não é saber que tenho tantos milhões de dólares, mas é gerar obras. Por exemplo, diferentemente de algumas pessoas, eu, Noel Langa, faço colecção de obras de arte (algo que não apodrece) e não de bebidas alcoólicas. Quando estou aflito vou a um banco pedir um empréstimo. Naturalmente que a primeira pergunta que os banqueiros me colocam está relacionada com as garantias que possuo. A partir daí explico que tenho obras de arte deste e daquele artista. Eles vêm ver, avaliam-nas e cedem-me o dinheiro. Em parte, esta ignorância é vantajosa

@Verdade: Estará a dizer que os moçambicanos ainda não despertaram em relação ao facto de que as obras de arte constituem uma fortuna?

NL: De facto! Ainda não sabemos que as obras de arte valem dinheiro – e é bom que assim seja porque no dia em que algumas pessoas descobrirem passaremos mal com o problema de roubo. Já se ouviu dizer que em Maputo se roubaram obras de arte? Para se vender a quem? Devíamos ter a cultura de coleccionar obras de arte. Mesmo eu que sou fazedor de arte tenho criações de outros artistas. No meu acervo, há criações que têm a ver comigo, como homem, e outras que são fruto da minha relação com a sociedade e o com o mundo. Se eu for a uma exposição de arte de um colega meu e aprecio uma obra, arranjo mecanismos para adquiri-la. Se a obra não tiver sido vendida, nós trocamos. Mas quando sinto que há muitos concorrentes eu compro a criação – o que se discute é o preço.

@Verdade: Nos dias actuais, há sublimação do conceito de empreendedorismo – olhando-se mais para a questão da geração de dinheiro. Será que existe um perigo latente em relação ao facto de se caminhar para a edificação de uma sociedade cujas relações humanas são baseadas, essencialmente, nesse meio?

NL: Depende do tipo de investimentos que se fazem. Por exemplo, agora, está-se a descobrir as nossas riquezas. Mas nós não sabemos como ir buscá-las. Se vem uma companhia estrangeira com a tecnologia, nós podemos associar isso à nossa terra para gerar esta riqueza. Nisso não há nenhum perigo. Será perigoso quando, depois de tudo, faltar dinheiro aos moçambicanos. Se os detentores do dinheiro migrarem com os meios de investimento para outros lugares, porque – ainda que do mesmo país – o espaço inicial ficará afectado de forma negativa gerando-se a falência de complexos económicos. Isso é um problema. Ou seja, muitas vezes, é muito melhor desenvolvermos actividades por iniciativa própria para que possamos saber como geri-las em tempos de crise. Temos de educar as nossas crianças a dominar as tecnologias.

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