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Os dramas da lixeira do Infulene

Os dramas da lixeira do Infulene

O perigo que a lixeira de Hulene na cidade de Maputo representa para o ambiente é notícia constante nos meios de comunicação social. Mas para quem reside no bairro Infulene A, lá para as bandas da Matola, onde existe uma lixeira a céu aberto, sem vedação e situada entre residências, os riscos fazem parte do dia-a-dia há décadas. O drama que se vive por ali faz parecer normal o que acontece no Hulene.

A quantidade de problemas parece infindável. A descarga massiva do fumo resultante da incineração descontrolada dos resíduos sólidos, o contacto directo com o cheiro nauseabundo, o convívio com moscas, mosquitos e ratazanas afectam directamente as populações ao redor. Quando não é removido a tempo, o lixo chega a bloquear as estradas durante dois meses, atingindo os portões das casas.

Segundo os moradores, as consequências mais comuns são tosses e diarreias, sobretudo nas crianças. “Ficamos também preocupados com a destruição do nosso habitat. Como pode notar, as casas já perderam a pintura original. Tudo, as plantas, incluindo as grades que são de ferro, estão a cair, devido à acção do fumo que sai todos dias sem parar. O Concelho Municipal deve tomar uma decisão séria, antes que seja tarde”, alerta agastado um morador em palavras que foram repetidas por vários outros.

Cassimo Assane, moçambicano, aparentando cinquenta anos de idade, que trabalha num estabelecimento comercial situado paredes-meias com a lixeira, entende que além dos problemas ambientais, a que diz ter-se habituado, devia-se prestar mais atenção à onda criminal que se faz sentir no local. “Já se disse o suficiente sobre os perigos ambientais que corremos. Infelizmente, notamos com tristeza que há uma relutância em resolver a situação, por isso estamos conformados e se for para morrer, que assim seja! Pedimos encarecidamente que ao menos controlem os bandidos que, diariamente, nos agridem e nos tiram os bens à força”, disse.

Calcula-se que em média acontecem quatro assaltos por semana. Apesar de a polícia não andar longe dali, a tendência é de aumentar. “Os autores dos crimes são jovens que vivem na lixeira e começam a agir ao cair da noite”, afirmam os moradores.

Houve tempo em que ninguém comia ao ar livre

Situado no interior da Matola, há tempos o local servia para a extracção de areia usada na construção de estradas. Depois ficou uma cova enorme. Para tapar o buraco, o governo local decidiu transformá-lo num depósito de lixo. Só que a decisão parece não ter acautelado as questões ambientais. As populações acreditam que os planos foram mal traçados e definidos sem pensar na saúde humana.

Na luta contra os riscos de saúde que dali surgem, os residentes têm regularmente enviado abaixo-assinados ao secretário do bairro, para que interceda diante do município, mas não há respostas satisfatórias.

Questionam, por exemplo, porque não se construiu uma vedação para minimizar os danos ambientais. “Igualmente devia-se seleccionar o tipo de resíduos sólidos que vêm para aqui. Isto é uma zona residencial, pelo que todo o cuidado é necessário ”, afirma Joaquim Mestre, residente no local desde 1995.

Outrora uma paisagem verde e com uma atmosfera saudável, a zona do Infulene A começou a perder as suas qualidades desde que a lixeira entrou em funcionamento há mais de duas décadas recebendo o lixo industrial, caseiro, institucional e medicinal das cidades de Maputo e Matola. Um dos momentos mais dolorosos – referem as populações – deu-se há 11 anos, quando, logo após as cheias de 2000, certa empresa atirou para a lixeira quase três toneladas de açúcar.

Porque uma parte da lixeira é composta por água, dois meses depois, o açúcar começou a fermentar e a exalar um cheiro fétido. “Foram momentos dramáticos, que duraram quase todo o semestre. Ninguém comia ao ar livre. Mesmo com o calor tínhamos de manter as portas e janelas fechadas. Só não mudámos porque não havia alternativas. Acredito que directa ou indirectamente a lixeira tem algo a ver com as perdas humanas por doenças respiratórias que acontecem por aqui”, contou um residente.

O município tem a palavra

Durante o período das eleições, o então candidato a presidente do município da Matola prometeu fazer reformas na lixeira para reduzir o impacto dos riscos ambientais. A construção da vedação foi uma das soluções apresentadas por Arão Nhancale, mas, passada a febre eleitoral, tudo ficou na mesma.

No entanto, através da vereação para a área de salubridade, ambiente, parques e jardins, a edilidade fez saber que o município está a lutar para o encerramento da lixeira. Lázaro Mbambamba, titular do pelouro, anunciou um plano de construção de um aterro sanitário com uma área de 36 hectares no bairro de Matlemele.

Reconhecendo os dramas que se vivem por ali, aquele responsável prometeu que, a breve trecho, vai-se fazer a vedação e para o efeito já foi lançado um concurso público. Por enquanto, estão a ser analisadas as candidaturas que foram remetidas ao município. Depois de Malhampsene, Infulene tem a segunda maior lixeira da Matola. A construção de um novo aterro sanitário custará entre 12 a 17 milhões de dólares americanos aos cofres do município.

O que dizem os ambientalistas

Segundo especialistas, além de ser degradante em termos visuais, a existência de uma lixeira a céu aberto constitui um perigo para a saúde pública, uma vez que as queimadas do lixo são uma grande fonte de libertação de dioxinas. A dioxina é um grupo de compostos orgânicos, sendo a molécula mais tóxica e um dos cancerígenos mais poderosos conhecidos pelo homem.

Esses perigos preocupam não só em termos de saúde pública e deterioração da paisagem, mas também no que respeita ao ambiente, uma vez que, numa lixeira, os resíduos sólidos entram em autocombustão, contaminando com gases e fumos tóxicos perigosos toda a área circundante.

Os líquidos que escorrem do lixo infiltram-se na terra e contaminam os lençóis de água subterrâneos, pondo em risco a água dos poços. Como nas lixeiras é frequente aparecerem ratazanas, que provocam infestações e consequente propagação de doenças, podem existir também complicações a nível respiratório. É possível também que o ar que se respira por aquelas bandas esteja deveras contaminado.

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