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Oblino: Eternamente cooperante nas artes

Oblino: Eternamente cooperante nas artes

Se na capital moçambicana o bairro da Mafalala é carinhosamente visto e chamado de “berço das artes”, Matalana – uma zona pouco povoada (até agora), localizada no distrito de Marracuene – não pode ser excepção. Lá nasceram, cresceram e desenvolveram diversas actividades artístico-culturais vários artistas nacionais, tais como, Alfredo Muchine, Dilon Ndjindji, Filipe e o seu irmão Fernando Machiana, Malangatana Valente Ngwenya, Titos Magaia, Belmiro Magule, Champlino Ngwenya, Tinguana Muhluine, Mankeu Mahumana e Mundau Oblino Magaia, a quem endereçamos a singela homenagem.

Falecido no dia 15 de Julho passado, Oblino é, sem dúvidas, um homem que nasceu e existiu pela arte. Para além de se dedicar à escultura, diga-se, o seu expoente máximo, Mundau era poeta e músico, actividade que o juntou durante anos às aplausíveis figuras da Marrabenta, como, por exemplo, o cantor Dilon Ndjindji.

A sua paixão pelos instrumentos surgiu ainda em tenra idade, quando procurou construir violas a partir de latas de azeite de cinco litros, com recurso à madeira e a cordas de sisal, imitando os já conceituados mestres. Naquela época, segundo comentários, podia-se prever a sua vocação para a música.

Neste artigo, o @Verdade pretende trazer a biografia do recém-falecido artista, Mundau Oblino Magaia, cedida por ele ao músico português Ciro Pereira. Trata-se de uma entrevista na qual o autor fala de si, da sua arte e das peripécias sucedidas enquanto criador e interessa-nos que comece a partir da citação que se segue:

“Comecei a esculpir em 1969, aqui no bairro do Aeroporto. Quem me convidou a aprender essa técnica foi Malangatana, em casa do, também, falecido Alberto Chissano”. Desde essa apresentação Oblino desenvolveu, sem sobressaltos notáveis, o seu ofício.

Há várias interrogações em volta das suas obras, cujas respostas se encontram na esperança de um amanhã melhor para as crianças, em particular e para a sociedade moçambicana, no geral. Nas suas criações podem-se visualizar cenários que envolvem o apreciador da escultura numa espécie de tristeza que resulta da fome e da miséria.

Essa realidade, embora comum entre os escultores da mesma geração, não deixava de apoquentar os artistas. Era o sofrimento do povo, abordado de várias maneiras. De certa forma, acredita-se que à medida que gravava os troncos, Mundau restituía uma nova forma de vida à madeira – matéria morta – que outrora fora árvore. Uma vida humana. Uma vida que reclama um bem-estar social.

São, na verdade, lembranças da vida do campo quando os ventos secos trazem fracas colheitas. Uma alma que não se contenta com a miséria e todas as formas de opressão. E, em resultado disso, o artista acabou por obter uma bolsa para aperfeiçoar a arte na Bulgária, onde aprendeu a entalhar no mármore.

O seu trabalho é particularmente conhecido pela capacidade peculiar que possuía de associar a escultura à cerâmica, incluindo a música tradicional e a poesia a fim de revelar os seus sentimentos e os do povo moçambicano.

“Tenho duas esculturas grandes de mais de um metro, na Escola Portuguesa. Há ainda uma outra na qual vêm os então Presidentes de Moçambique, Joaquim Chissano, e de Portugal, Jorge Sampaio”, disse.

A música

“ (…) Não deixei a música até agora. Só para explicar, quando Malangatana perdeu a vida em Portugal, estávamos a preparar-nos para, aquando da sua volta, gravarmos um trabalho discográfico. Não parei. Por exemplo, hoje tenho viola, xiquitsi….”. É com essas palavras reveladoras que Oblino garantiu, aquando da entrevista a Ciro, que nunca tinha pensado em distanciar-se dos ritmos.

Na verdade a convivência com a música começa na Missão Suíça, uma Igreja Católica instalada no distrito de Marracuene. Muito antes disso, em 1946, Oblino conhece Filipe Machiana, que posteriormente foi seu professor. Nessa relação de mestre-educador, para além de aprender o A, B, C, segundo os seus depoimentos, estudou a música.

“Ele não só nos ensinava na sala de aulas, mas também instruía-nos a cantar no coro, porque sempre íamos a Ricatla, na Igreja da Missão Suíça. No entanto, para além de apresentações na igreja, o grupo, na altura dirigido por Machiana, ensaiava a fim de participar em concursos de cânticos.

“ (…) E nós de Matalana ganhávamos sempre. Isso era infalível. Havia outras igrejas que participavam, mas éramos os melhores. Os primeiros. Quem nos viu sabe”, disse nos depoimentos.

Depois desses eventos que, de uma ou de outra forma, contribuíram positivamente para a afirmação de Oblino na música, as ambições foram-se revelando cada vez mais até que “começava já a ser matulão. Copiávamos os que os consagrados tocavam em Matalana. Quando lhes víamos a actuar voltávamos para casa a fim de procurarmos aquelas latas de azeite de oliveira de cinco litros. Sim, fazíamos assim: púnhamos quatro cordas de sisal e imitávamos o que diziam. Era eu, Perfino Chambala, Alfredo Muchuine, Dilon Ndjindji, entre outros”.

Volvido algum tempo a tocar latas, Oblino forma m conjunto de música, designado “Xicuacua de Matalana”. Nesse grupo, onde aprender a tocar os instrumentos musicais era a causa da união, faziam parte Malangatana, Persina Matcheve, e Angelina Magaia, dentre outros.

“Tocámos por várias vezes. Aqui na cidade, por exemplo, onde existe um palco, actuávamos com o actor de teatro Lindo Nlhongo, incluindo os grupos Jambo 70, Raul Baza, Mathombe, e outros”.

A fundação do Centro Cultural de Matalana

“Eu posso dizer que sou o fundador do Centro de Matalana. Aliás, sou um dos fundadores. Um artista”, esclareceu Oblino a propósito da fundação do Centro Cultural de Matalana, um abrigo para crianças, jovens e idosos que tencionam, com eles, desenvolver as actividades artístico-culturais.

Trata-se de um núcleo que contém uma filosofia, uma maneira de estar, de se pensar, de crescer, que fez dele um projecto exemplar. Toda a actividade artística de Matalana está naturalmente ligada ao seu grémio. A criação desse centro torna-se importante pois, visa, no âmbito da democracia, criar uma cultura de paz e tolerância.

Criada por volta da década de 1960, a associação serviu de ‘borracha’ para limpar as falhas provocadas pelo encerramento da escola primária, a que existia em Matalana, mas que pertencia às estruturas coloniais. Nesse contexto, a população nativa, e não só, mobilizou-se até conseguir a edificação de uma nova academia.

Contudo, é enganoso pensar que o correcto seria procurar transmitir os saberes e técnicas ignorando identidades culturais. É exactamente isso a que aspira o clube de Matalana: enraizar as pessoas na cultura originária, respeitar o seu humano e, por via disso, potenciar o processo de aprendizagem e desenvolvimento.

O Centro Cultural de Matalana foi co-fundado por Filipe Machiana, Malangatana Ngwenya, Celeste Machiana, Palmira Magule, Lindo Nhlongo, Fernando Machiana, Oblino Magaia, Champlino Ngwenya, e Manuel Chava, entre outros.

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