Hélio tombou quando regressava da escola. Vítima de uma bala “perdida” que escolheu o seu corpo para se alojar. Num dia em que a polícia, com a força de um dogma, afirmou reiteradamente que disparou apenas balas de borracha o corpo do Hélio, já sem vida, foi um desmentido público que devia corar de vergonha todo o sistema repressivo nacional.
A criança que, acidentalmente, virou símbolo das manifestações contra o custo de vida sonhava com um emprego honesto com o qual, no futuro pudesse, com o suor do seu trabalho, mitigar o sofrimento da sua mãe. Uma empregada doméstica que perdeu o emprego por ter ido enterrar um filho que o Estado lhe roubou.
O enterro de Hélio foi simples e as despesas foram totalmente cobertas pelos parcos recursos da família, com o apoio de vizinhos e amigos. Sem nenhum representante do Estado que lhe impediu de continuar a crescer.
Hoje, volvido um ano e meio, Rute ganhou a sua batalha contra o Estado, o qual foi condenado a pagar uma indemnização no valor de 500 mil meticais. Uma vitória que, na verdade, representa uma perda. Ou seja, a vida de um filho não tem valor para uma mãe. Rute irá receber o dinheiro, mas viverá, para sempre, amputada. Perder um filho é o mesmo que perder um membro do corpo.
O caso da Rute eventualmente teve desfecho pelo mediatismo que encerrou. Há, diga-se, outras injustiças perpetradas pelo Estado contra cidadãos que, no silêncio cúmplice e anónimo de quem de direito, continuam por resolver. Há quem tenha perdido a vida depois de ficar 20 anos à espera que o Ministério da Defesa cumprisse uma ordem do Tribunal Administrativo.
Temos, também, o caso de Hélio Diamantino, um jovem que viu o seu futuro amputado pela negligência do exército. Foi à tropa e viu a sua saúde deteriorar-se como nunca. Hoje, praticamente inválido, clama por justiça.
Efectivamente, a situação do Hélio Diamantino é anterior ao caso do rapaz que tombou na Avenida Acordos de Lusaka. Mas o tratamento de um e outro caso é bem diferente. Num a Justiça foi célere e no outro anda a passo da camaleão.
Tememos, portanto, que um caso tenha sido resolvido pelo seu mediatismo e, por outro lado, para mostrar um justiça que morde a mão de quem lhe alimenta. Que resolvam os casos dos outros Hélios e que o Estado seja devidamente condenado.
O cidadão quer acreditar na justiça, assim como na polícia, mas para tal é necessário que balas de borracha deixem de tirar a vida das pessoas e que seja feita justiça por todos Hélios que viram o seu futuro hipotecado pelo Estado. Não pode prevalecer, de forma nenhuma, uma sentença para transformar o extraordinário no ordinário.