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O rapper que ficciona a realidade

O rapper que ficciona a realidade

Não é uma imponente estrela do “Hip Hop” nacional, embora tenha sido eleito o “Melhor Rapper” de 2010 há poucos dias. Mas, com uma selecção invulgar de prémios e algumas participações musicais, Rage faz-nos mudar a nossa noção sobre os jovens rappers, pois a sua magia está em ficcionar a realidade. “Figura de Estilo”, uma espécie de autobiografia cantada, é o seu álbum de estreia.

Poucos conhecem-no mas para quem está acostumado a viagens sem precedentes para o universo do “Hip Hop” nacional já deve estar familiarizado com a sua pessoa e não só. Pudera, com a sua voz e o seu estilo irreverente quando está com o micro nas mãos. Até porque não se trata de um rapper qualquer, aliás, já deu um ar da sua graça em composições de diversos músicos renomados.

A sua história, diga-se, é igual a qualquer outra, porém, sem grandes sobressaltos. Desde pequeno que alimenta o amor pela música mas prefere dizer que “a paixão pela música é algo universal” e foi aos 10 anos de idade que começa a gostar desta arte. Em 1996, começa a deleitar-se com a música, particularmente o estilo rap. O extinto agrupamento musical Black Company era a sua única referência do mundo rap que tinha na época. “Ouvia apenas este grupo”, diz Rage.

O rapper moçambicano considera que a sua entrada no mundo rap se dá a partir do momento em que fez a primeira música intitulada “Amadeu”, corria o ano de 2002. Mas foi a composição “Só se for para vencer” que o tirou do anonimato. E, confessa, não levava a sério a música, até porque “não era uma das minhas prioridades” e, acrescenta, “entrei no mundo artístico acidentalmente”.

À medida que o tempo ia passando, foi despertando o amor pelo rap, embora não se desse conta de tal facto. “Quando dei por mim, já gostava do rap mais do que pensava”, conta. A música era a brincadeira preferida na infância depois de regressar da escola. A paixão pelo rap não fi cou apenas nas brincadeiras de rua, fazendo beat usados e a capella nos muros. Pelo contrário, mais tarde, Rage participou em diversos concursos de Freestyle organizados em vários bairros da capital do país.

Venceu quase todos os concursos de Freestyle na zona urbana e periférica de Maputo, facto que o deixou entusiasmado, tendo passado a levar a sério a arte de compor e cantar. Gravou mais músicas. Em 2004, compôs “Nova Era”, uma música que retrata a problemática do HIV/SIDA, o que lhe valeu o convite para fazer parte do grupo Cotonete Records.

Mas, mais tarde, quando participou num outra música ao lado dos jovens rappers moçambicanos Iveth e Azagaia, viu as portas da label Cotonete Records abrirem-se-lhe. “Gostaram da minha performance e convidaram-me a fazer parte da label”, comenta o rapper que, hoje, se orgulha de ter sido o terceiro artista a entrar para aquele grupo.

As suas participações especiais não fi caram por ali. Rage mostrou o seu virtuosismo no primeiro álbum de Azagaia, especialmente na música denominada “Cotonete militares”. Participou nos mixtapes da Gpro na composição “Um em um Milhão” e do DJ angolano Samurai, além do mixtape luso Hip Hop na música intitulada “Pronto”.

Com uma carreira sempre em ascensão – ainda que sem o escrutínio público –, Rage lançou duas músicas, “Competência” e “Isto de Rimar”, nas quais o artista se revela desenvolto e com a largueza própria de quem leva a sério a música rap.

As suas obras, prova cabal de quem ainda não desistiu do seu sonho, não são apenas meros clichés sobre o quotidiano, nem um retrato sociológico de uma sociedade decadente e tão-pouco prende-se nas fórmulas fáceis de fazer o rap.

Embora se perceba isso logo à partida, é puro engano, pois, um ouvido apurado reconhece um trabalho laborioso, a sua grandeza criativa e a musicalidade dos seus versos que não deixam ninguém indiferente.

Um legado de nomeações

Perto de celebrar o seu 26º aniversário, Rage, de seu nome verdadeiro Ismael Saíde, construiu um legado no universo de Hip Hop nacional – embora seja um artista anónimo para muitos. O jovem músico é uma espécie de papa-títulos. Além de mais de uma dúzia de concursos de Freestyle conquistados, colecciona ainda outras distinções.

Em 2009, viu o título de “Melhor Freestyle do ano” parar-lhe nas mãos numa competição organizada pelo programa radiofónico “Impulso” da Rádio Cidade. Tempos depois, foi considerado o segundo “MC com Melhor Sistema Rimático” a nível da lusofonia.

Recentemente foi eleito “Melhor Rapper”, uma atribuição que, segundo o músico, é o altear de um trabalho que já vem sendo preparado há anos, e também é o refl exo de uma trajectória musical feita de corpo e alma, e o resultado de uma carreira em constante crescimento.

Rage não se deixa embevecer com a nomeação, tão-pouco olha para ela como se fosse o culminar de um trabalho, até porque os seus sonhos não param por aqui. Cair na graça do país inteiro e além-fronteiras são alguns dos seus principais objectivos futuros.

“Não quero pouco, quero uma carreira internacional e consolidar-me no cenário musical fazendo o Hip Hop”, afirma. “Este prémio é um desafio para os próximos anos. É uma responsabilidade, apesar de pouca gente conhecer-me. Mas acredito que, quando o meu primeiro trabalho discográfi – co sair, as pessoas poderão saber quem sou e daí decidirão se merecia de facto o prémio de Melhor Rapper”, diz com a modéstia devida.

“Figura de Estilo” brevemente

Com uma carreira emergente, Rage está aproximadamente há 9 anos num mundo do Hip Hop, tem um conjunto de músicas gravadas e inúmeras distinções e ainda não dispõe de um disco no mercado. “O mercado é difícil. É preciso muita cautela, pois lançar um álbum não é o mesmo que lançar uma música. É necessário criar-se bases”, justifi ca-se.

Sem avançar data, o artista garante que o seu primeiro trabalho discográfi co estará nas prateleiras brevemente, uma vez que já tem quase 90 porcento das músicas gravadas.

O álbum chamar-se-ia “Figura de Estilo”, uma espécie de autobiografi a onde a realidade se confunde com a fi cção. Retrata, socorrendo-se da metáfora, diversos momentos da história pessoal do autor, desde as difi culdades que atravessa, passando pelas lições de vida que aprendeu até os seus anseios.

“Desejo compartilhar a minha vida que não difere de muitos jovens moçambicanos. Retrato os meus sonhos e os meus objectivos ficcionando a realidade”, diz. Mas poucos serão capazes de distinguir a realidade da fi cção nas suas músicas. “Acima de tudo, será um mistério para as pessoas”.

O “Figura de Estilo” não será apenas uma soma das obras passadas, o artista vai adicionar algumas composições inéditas e contará com a participação de jovens músicos nacionais, tais como Ace Nells, Jutty, Tery, Isabel Novela, Iveth, Azagaia, entre outros. E também um músico português e outro angolano, Dino e SK, respectivamente.

O disco está a ser produzido desde Junho do ano passado (2010), depois de ter perdido o material em 2008. Espera-se uma obra mainstream – algo a que tem laços comerciais – com uma mensagem ágil e directa capaz de entusiasmar os não amantes de rap. “Figura de Estilo é um produto comercializável, que não agride os ouvidos”, comenta rapper.

Antecedendo o álbum, o artista vai lançar um single para habituar o público às suas músicas. Ainda neste mês em curso, vai gravar um videoclipe de uma música que conta com a participação de Ace Nells.

Rap nacional não tem identidade própria

Natural da cidade de Maputo, Ismael Saíde, ou simplesmente Rage, diz que ter como referência a nível internacional Gabriel Pensador, Boss AC, e Gutto do extinto grupo Black Company. “Até hoje, os Black Company são a minha maior referência”, revela. No circuito nacional, Rage admira a cantora Iveth, pela sua excelência, gosta de K-9 e também aprecia Hernâni, Kaus e Duas Caras.

Quando questionado sobre o estágio do rap nacional, ele diz que “está num bom caminho”, mas afirma: “falta identidade própria na maioria dos rappers. Não se conhecem a si próprios. Copiam o estilo, a indumentária, os vídeos e as letras da música”. Em termos de conteúdo das músicas, o artista comenta que “já estivemos mais pobres”, mas hoje “há a preocupação de trazer coisas não só para quem está embriagado mas também para os lúcidos”.

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