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O poder das flores contra a mudança climática

O escritório de Gazalla Amin, nos arredores da capital do Estado indiano de Jammu e Cachemira, cheira a lavanda, aroma que emana de um monte de flores secas colocadas num recipiente no canto da sala.

A fragrância nada tem de extravagante nem de feminino. Aos quarenta e tantos anos, esta médica de profissão irrompeu no setor agrícola, que neste lugar é dominado pelos homens. Amin colocou-se à frente de agricultores endividados, pobres e derrotados pelas incertezas climáticas e pela perda de cultivos, e actua com o exemplo de alternativas agrícolas viáveis.

Os produtores tradicionais de milho dos distritos de Baramulla, Bandipora e Pulwama ganham apenas 110 dólares por ano, por hectare. Devido à irregularidade das chuvas, neve, humidade e variação da temperatura, os pequenos produtores, endividados por repetidas colheitas más, vendem as suas terras a ávidos promotores imobiliários e abandonam a sua profissão ancestral. “Contudo, não devem fazê-lo”, disse Amin. Podem plantar arbustos de lavanda no que se conhece como “kandi”, terras cultiváveis secas e semiáridas.

“Um hectare de lavanda pode gerar o equivalente a 4 mil dólares por ano, e o cultivo tem vida de 20 anos, exigindo um mínimo de insumos. Além disso, quase não precisa de pesticidas e não atrai o gado”, explicou Amin. Os agricultores podem comprar árvores jovens, a 0,10 dólar cada, a Amin ou em viveiros estatais ou particulares. “Mais de 90% das plantas medicinais e aromáticas do mercado conseguem-se silvestres e dois terços delas são colhidas com meios destrutivos”, segundo um documento do governo federal.

“As partes mais altas das montanhas da Cachemira são um precioso refúgio de valiosas plantas medicinais. As comunidades de pastores pahari e gujjar identificam-nas facilmente”, explicou Amin. “Os comerciantes costumam usar os serviços dos pastores para obter as plantas de forma ilegal e destrutiva. O cultivo ajudará a evitar a pirataria e preservar a biodiversidade”, acrescentou.

A incursão de Amin na agricultura medicinal é um caso típico de iniciativa empresarial. “Mesmo sendo médica, procurei estar atenta às oportunidades de me manter perto da natureza”, contou. Uma resenha sobre plantas medicinais e lavanda levou-a, há oito anos, ao Instituto de Medicina Integral e ela acabou por comprar uma árvore jovem de lavanda para as terras familiares no distrito de Bandipora. “A lavanda não é autóctone da Cachemira, mas ama o seu solo e clima”, afirmou a médica.

Nos primeiros dois anos, o meio hectare cultivado expandiu-se para nove e depois para outras três propriedades nos distritos de Bandipora, Baramulla e Pulwama. Amin deixou o seu consultório e mudou-se para o campo, o que incentivou outros agricultores a aventurarem-se nos cultivos medicinais e aromáticos de baixo risco e grande rendimento, como estratégia para minimizar as consequências da mudança climática. O sucesso da sua experiência pessoal serviu para que convidasse outros agricultores a conhecerem as suas terras.

Em 2009, criou a Cooperativa de Produtores de Plantas Medicinais e Aromáticas de Jammu e Cachemira, com 30 agricultores, que agora tem 300 membros. Todos recebem material e treinamento sobre técnicas de cultivo e também uma ajuda estatal. “O melhor é que os pequenos produtores podem comercializar e até exportar a sua produção por intermédio do nosso comércio centralizado e a preço justo”, destacou Amin.

Abdul Rahman, de 50 anos, da aldeia Doodh Pathri, a 42 quilómetros de Srinagar, cultivou em 2010 um hectare de lavanda e este ano aumentou para 2,5. Ghulam Shah, de 60 anos, trocou as roças, que consumiam muita água e exigiam pesticidas, por lavanda nos seus três hectares. As colheitas aumentam desde 2009. Este ano, Amin criou uma unidade de destilação de óleos aromáticos de 500 mil dólares, com empréstimo do governo federal. As instalações recebem flores suficientes para funcionar durante a temporada de Maio a Dezembro.

Consciente das possibilidades de incentivar o sector agrícola, o Estado lançou nesse mesmo ano uma missão nacional sobre plantas medicinais com um fundo federal de 1,3 milhão de dólares, que foi seguido de um plano de acção no valor de 1,5 milhão de dólares, em 2010. A missão está a cargo de organizações de autogestão e de agricultores como a de Amin. Além disso, ela criou vínculos dentro do país e com a Grã-Bretanha, e a sua empresa, Fasiam Agro Farms, vende óleos essenciais de lavanda, rosa e gerânio sob a marca Pure Aroma.

No começo deste ano, o governo estatal reconheceu a contribuição de Amin ao desenvolvimento empresarial no sector agrícola com o prémio “agricultores progressistas”. Não “havia antecedentes sobre esse modelo empresarial, aprendi rapidamente pelo erro e pelo acerto”, respondeu ao ser consultada sobre as dificuldades que enfrentou para criar o seu negócio. Ser mulher num ambiente agrícola masculino “foi um pouco difícil no começo”, reconheceu.

“Produzimos cinco toneladas de óleo de lavanda em 2010, mas podemos exportar mais de mil por ano”, disse A. S. Shawl, presidente nesta cidade da empresa IIIM, pioneira nesse cultivo no Vale de Srinagar há duas décadas. Amin, que agora produz um quinto do óleo de lavanda de Srinagar, procura outros cultivos para os agricultores da Cachemira.

Para isso, analisa o informe “Situação Mundial da Medicina 2011”, da Organização Mundial da Saúde (OMS), que mostra que o comércio internacional de medicamentos tradicionais representou 83 biliões de dólares em 2008. A OMS prevê que, com o crescimento anual entre 15% e 25%, o comércio de plantas medicinais e aromáticas chegará a 5 triliões de dólares em 2050.

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