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O Poder da rua

O Urbi et Orbi de Obama
Por estes dias o povo do Irão, há muito sob feroz ditadura, primeiro do Xá Reza Palevi depois dos ayatolahs, exerce um dos seus mais elementares direitos – o direito de se manifestar, de protestar – na rua, apesar de o regime proibir qualquer tipo de manifestação. 
As imagens desta vontade popular, desta força popular, fizeram-me recuar no tempo, particularmente à Manila de 1986 quando milhões de pessoas derrubaram o ditador filipino Ferdinando Marcos; à Europa dos últimos dias de 1989, quando o povo varreu autenticamente do poder senhores como Henrich Honneker na RDA, Jaruszelksy na Polónia, Husak na Checoslováquia ou Ceausescu na Roménia; à Jacarta de 1998 quando Suharto foi obrigado a retirar-se após mais de 30 anos de tirania; e, já em tempos mais recentes, às revoluções Rosa na Geórgia e Laranja na Ucrânia. 
Em todas elas o poder do povo falou mais alto e os objectivos da maioria foram atendidos. Outras houve que não resultaram, como em Tianamen ou na Birmânia. Todavia, a maioria delas acaba por ser bem sucedida. 

O que está posto em causa hoje no Irão são os resultados eleitorais do escrutínio presidencial disputado entre o actual chefe de Estado Mahmoud Ahmadinejad e o seu opositor Mir Hossein Mousavi. Os partidários deste último têm enchido as principais artérias do Teerão bramando por liberdade e por uma recontagem dos votos com vigilância internacional. Esta gente é bem diferente daquela mancha negra que enchia as ruas desta cidade em 1979.
 
Este gente é muito mais sofisticada e por isso bem mais perigosa para o retrógrado poder religioso. É o prémio Nobel Shirin Ebadi, são movimentos estudantis, são licenciados que pretendem a laicização do Estado, são mulheres maquilhadas, bem aprumadas que há muito não querem nada com o negro do tchador. É gente que possui algum conforto material mas que não vê esse conforto correspondido em liberdades civis e políticas e é por isso mesmo que se manifesta. É também gente com acesso à informação estrangeira e à internet que quer ser como o que vê lá fora. 
 
Mas, nesta sociedade da informação, correm-se riscos. Mojtaba Saminejad sabe-o melhor do que ninguém. Passou, nos últimos tempos, várias vezes pela prisão por supostos insultos ao ayatolah Ali Kamenei, o líder supremo do país. Mojtaba foi encarcerado, colocado em regime de isolamento e torturado porque denunciou no seu blogue a prisão de outros três bloguers. Todavia, Mojtaba continua com o seu blogue e agora mais actualizado do que nunca. A sua página de internet tornou-se o principal ponto de consulta para se acompanharem os acontecimentos nas ruas de Teerão. Nela vêm-se vídeos extraídos aos media digitais ocidentais, no Twitter estão publicadas fotografias dos protestos nas ruas e no Facebook perguntou-se a todos os iranianos: Onde estão os nossos votos?  
 
Paradoxalmente, o Irão dos dias de hoje encerra em si uma surpreendente contradição: representa um dos maiores perigos à estabilidade mundial e é, simultaneamente, uma das maiores esperanças para os povos oprimidos por ditaduras.   
 
E em África, o nosso continente? Aqui as manifestações de rua são praticamente inexistentes e quando ocorrem são rapidamente dispersadas. Não é que os africanos não tenham razões de queixa dos seus governos. Desde o início das independências, no final dos anos ‘50, que não faltam argumentos para as populações saírem à rua.
 
Por muito menos, europeus, americanos e asiáticos vão para a rua gritar. Nós não. Num misto de ignorância dos nossos direitos, de medo da autoridade e da repressão, de ausência de espírito de associativo e por desconhecimento absoluto do que é a cidadania, sofremos em silêncio. Um silêncio que já nos ensurdeceu.
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