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O ‘offshore’ da liberdade de imprensa

A crise financeira islandesa criou condições para ser debatida uma lei pioneira em matéria de liberdade de expressão, eliminando entraves à divulgação de informações sensíveis ou reservadas. Para o juiz espanhol Ricardo Rodriguez, a publicação de informação reservada num sítio da internet não carece de protecção constitucional por ‘não se tratar de um meio de comunicação social’. Com base nesta interpretação, condenou Daniel Anido e Rodolfo Irago, jornalistas da rádio Cadena SER, a 21 meses de prisão. O seu delito: revelação de segredos na internet.

Poderia este juiz ter decretado a mesma pena em Reiquejavique? Depende.

Com a legislação ainda em vigor na Islândia poderia. Mas dentro de pouco tempo a conversa será outra. O parlamento islandês, com o apoio do actual governo, deu luz verde à proposta legislativa que transformará o país num reduto da liberdade de expressão. Na origem desta legislação estão o défice de informação e a falta de transparência que contribuíram para avolumar a crise financeira. Os islandeses desconheciam a real situação dos bancos e do próprio Estado.

O país que, no ano passado, entrou em falência e está sujeito a um drástico plano de concentração procura, assim, seguir a sua vida e escolheu ser paladino da liberdade de informar (a constituição portuguesa consagra, desde 1976, o princípio da liberdade de expressão e informação referindo o seu artigo 37º que ‘todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra., pela imagem ou por qualquer outro meio’).

‘A nova Islândia tem de garantir o acesso, tanto dos jornalistas como do público em geral, à informação’, explica Birgitta Jónsdóttir, escritora e deputada islandesa. Esta activista da utilização da internet como meio de informar é membro da Iniciativa Islandesa para Meios Modernos (IMMI, sigla inglesa), que conta com a colaboração do sítio Wikileaks, o qual divulga informações sensíveis que tenham escapado ao controlo das autoridades.

A ideia desta nova legislação nasceu em Agosto de 2009, quando uma ordem judicial obrigou ao corte do canal televisivo RÚV que iria exibir um documentário sobre os riscos de falência do banco Kaupthing, cerne do escândalo financeiro islandês. O documento chegou à Wikileaks e o seu conteúdo foi divulgado online. A RÚV entrou na picardia, difundindo aquele endereço electrónico.

Este sobressalto da liberdade de imprensa numa situação de desinformação dos islandeses e de crise financeira gerou um efeito de bola de neve, que os fundadores da Wikileaks, Julian Assange e Daniel Schimitt, conseguiram manter até à reunião de Dezembro da sociedade islandesa para a liberdade digital. Nesta reunião, deputados como Jónsdóttir – no cargo desde Abril de 2009 –, escritores, jornalistas e activistas criaram a IMMI, de forma a iniciar o processo legislativo conducente a uma nova lei que garantisse a liberdade de informar.

‘Há muitas leis nacionais que salvaguardam cada um dos direitos que propomos, mas nenhuma os protege em conjunto’, explica a deputada Jónsdótir. É aqui que a iniciativa islandesa se torna pioneira. Vai buscar o melhor da lei sueca para proteger a confidencialidade das fontes. Agarra-se à lei belga para que as comunicações entre as fontes e os jornalistas sejam invioláveis. Das legislações da Noruega e da Estónia aproveita o dever de tornar públicos os documentos oficiais. Inspira-se nas leis dos Estados Unidos da América para proteger e premiar denúncias, contestar acções judiciais por difamação interpostas por países terceiros (Reino Unido, por exemplo) e garantir um acesso equitativo à justiça independentemente da situação económica dos cidadãos. Da própria legislação islandesa mantém as disposições limitativas dos entraves judiciais à livre publicação.

Jornalismo à distância

‘A transparência e o acesso à informação ajudarão a devolver confiança aos islandeses’, defende Jónsdóttir. E não serão eles os únicos beneficiados. Se um jornalista ou meio de comunicação estiver na posse de uma informação sensível que não possa divulgar no seu país, ‘não precisa de se mudar para Islândia. Basta depositar esse material num servidor (de internet) islandês’. A deputada islandesa, de 43 anos, acrescenta: ‘A futura lei protegerá o jornalismo de investigação, as ONG´s de defesa dos direitos humanos, e todos aqueles que, doutra forma, arriscariam a vida para publicar os seus trabalhos, como sucede na Rússia ou na China, por exemplo’. Salvaguardando o conteúdo, salvaguarda-se, também, o jornalista.

Daniel Schimitt, adjunto de Julian Assange na Wikileaks – na mira de Washington por causa da revelação de centenas de documentos militares – lembra as possibilidades que se abrem com a proposta islandesa no que respeita a protecção perante acções judiciais por difamação interpostas em países terceiros. ‘Um jornalista de Nova Iorque que seja alvo de um processo em Londres por algo que publicou pode recorrer, ao abrigo da Primeira Emenda à Constituição Americana, pelo facto de a sua liberdade de expressão ter sido posta em causa.’

Há, porém, leituras menos optimistas da futura legislação islandesa. Arthur Bright, do Citizen Media Law Project, refere: ‘faça a Islândia o que fizer, é impossível alterar o mastodonte de 200 quilos que é a lei internacional. E esta estabelece que a publicação ocorre no sítio de origem (download) e não onde é divulgada (upload). A IMMI quer aproveitar as vantagens deste país pequeno, com um domínio natural do inglês, um acesso total à net, tecnologia de informação de ponta e um custo energético baixo (graças aos recursos hidroeléctricos e geotérmicos) para conseguir, nas palavras da deputada Jónsdóttir, ‘uma transformação, não só financeira como das mentalidades’.

No processo de elaboração da nova legislação estão envolvidos quatro departamentos ministeriais que estão a reflectir sobre a doutrina de 13 leis estrangeiras relativas à liberdade de informação. O projecto de diploma deverá ser discutido a partir de Setembro, para ser aprovado e entrar em vigor dentro de um ano

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