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O fim dos recursos faunísticos em Mecubúri

O fim dos recursos faunísticos em Mecubúri

Na Reserva de Mecubúri, considerada a maior do país e a segunda em extensão do continente africano, que ocupa uma área de 230 mil hectares, localizada a cerca de 50 quilómetros da vila sede distrital, na província de Nampula, já não se fala de recursos faunísticos, pois estes se esgotaram. A caça furtiva perpetrada por cidadãos nacionais e estrangeiros contribuiu para a extinção de alguns animais de grande porte, nomeadamente gazelas, javalis, elefantes, leões e rinocerontes. Para as comunidades locais, ficaram apenas recordações.

Nos meados da década 70 e 80, a Reserva de Mecubúri já foi referência a nível da província de Nampula e do país no geral. Havia abundância de espécies de animais com destaque para elefantes, rinocerontes, gazelas, javalis, entre outros. Neste momento, tudo ficou para a história.

Movidos por interesses comerciais, os caçadores furtivos invadiram a reserva, tendo iniciado a recolha de tudo o que era importante para o seu enriquecimento ilícito. Na altura, a incapacidade de fiscalização, aliada à falta de consciencialização por parte das autoridades para a protecção dos recursos faunísticos, permitiu o desenvolvimento da exploração ilegal de recursos naquela região.

Diante da situação, as lideranças comunitárias a nível dos povoados localizados nas cercanias da reserva limitavam-se a cruzar os braços, assistindo a um número crescente de caçadores furtivos a invadirem a área.

As autoridades político-administrativas locais deram a conhecer que a maior parte dos caçadores furtivos é oriunda da vizinha Tanzânia e outros da província de Cabo Delgado. Os mesmos, segundo as nossas fontes, dedicavam-se ao contrabando dos recursos faunísticos.

Ricardo de Sousa Wanerya, líder comunitário do regulado de Munhumua, confirmou ao @Verdade que, devido à acção dos caçadores furtivos, muitas espécies foram, com o tempo, escasseando e, presentemente, não existem animais de grande porte, com destaque para os elefantes.

A cobiça pelo marfim foi a principal razão da movimentação daqueles indivíduos. Os países asiáticos e europeus eram os principais mercados. A segunda espécie mais procurada era o rinoceronte, cujos cornos foram contrabandeados ilegalmente também para aqueles mercados.

Os clientes usavam-no como um produto medicinal, devido ao alegado poder de cura de determinadas doenças, destacando-se o cancro. Informações disponíveis indicam que no mercado negro os cornos dos rinocerontes ultrapassam os 70 mil euros por cada quilograma.

As fronteiras usadas para a entrada dos caçadores furtivos para as zonas de operações não ofereciam nenhuma segurança para se travar a invasão. Não havia sensibilidade para a protecção das espécies.

Não houve, de facto, a sensatez de travar uma actividade que, presentemente, coloca as comunidades circunvizinhas em prejuízo. Os recursos escassearam, definitivamente, e as comunidades ficaram, efectivamente, empobrecidas. Do mais antigo centro de protecção dos recursos naturais de diferentes espécies a nível da província de Nampula só restam recordações.

O problema não é novo

O ano de 2009 é tido como o período de maior avalanche dos caçadores furtivos, embora seja uma situação que se vinha registando desde o ano de 1950 na reserva florestal e faunística de Mecubúri devido, em grande parte, à fragilidade do respectivo processo de fiscalização.

Em 2010, o Fórum Terra, uma organização não-governamental que faz a administração dos recursos naturais daquela reserva, despertou, embora muito tarde, para a necessidade de se salvaguardar o local, tendo na altura sido criados comités comunitários para a gestão dos recursos florestais e faunísticos.

Contudo, a iniciativa fracassou devido à falta de equipamentos específicos para travar qualquer tipo de invasão dos furtivos que se apresentavam devidamente armados.

As autoridades administrativas referiram que nesse período constatavam, frequentemente, (de braços cruzados) a entrada ilegal de caçadores furtivos provenientes, na sua maioria, da província de Cabo Delgado e da República da Tanzânia, os quais procuravam marfim e cornos de rinocerontes.

Era iminente, segundo os nossos interlocutores, a extinção de algumas espécies, sobretudo os macacos, as gazelas, os javalis e os elefantes. Mas não havia (e ainda não existem) recursos humanos e materiais necessários para uma fiscalização eficiente e abrangente, tendo em conta a vastidão da referida reserva.

Aos fiscais comunitários é-lhes reservada a responsabilidade de denunciar apenas eventuais casos de invasões de caçadores furtivos, pois não possuem meios para combatê-los. O esforço dos referidos fiscais recrutados a partir das comunidades resultou na neutralização, em 2010, de pelo menos 40 redes de caçadores furtivos.

A falta de vedação da vasta Reserva de Mecubúri, que também afecta uma parte da área dos distritos de Muecate e Eráti, é tida como o principal entrave.

Conflito homem e animal

Em consequência da invasão dos populares para a instalação de residências e aberturas de campos de cultivo de produtos alimentares, houve registo de casos de conflitos entre o homem e os animais. Há relatos de pelo menos 10 pessoas mortas e um número não especificado de feridos, provocados, além da destruição de culturas.

Os povoados de Milhane e Momane são tidos como os principais focos críticos daquelas situações. Por ironia do destino, a Polícia da República de Moçambique (PRM) decidiu alocar armamento para o combate à situação, ao invés de mobilizar recursos para travar a acção dos caçadores furtivos.

Queimadas descontroladas A Reserva de Mecubúri corre o risco de desaparecer por completo. Neste momento, existem apenas os recursos madeireiros. Entretanto, os factores de natureza demográfica que resultam na procura de mais assentamentos populacionais e as queimadas descontroladas concorrem para o desmatamento do local.

As autoridades do distrito de Mecuburi não têm nenhuma estratégia para evitarem as queimadas descontroladas, sendo que se desdobram apenas em actividades que se circunscrevem à sensibilização das comunidades, desencorajando a referida prática.

Hilário Anapakala, administrador daquele distrito, reconheceu o fracasso das campanhas, visando a mudança de mentalidade. O administrador advertiu, entretanto, que, caso a situação prevaleça, da reserva poderá ficar apenas o nome.

Dentre as espécies que escaparam à acção dos caçadores furtivos destacam-se os macacos. As gazelas que restaram, embora em quantidade insignificante, são alvo de caça por parte dos moradores nativos visando o seu consumo.

Anapakala disse que essas duas espécies que ainda são vistas na reserva refugiam-se noutras regiões, nomeadamente nos distritos de Eráti e Muecate, devido às queimadas descontroladas.

A (des)mobilização dos fiscais

Quando em 1950 foi criada a Reserva de Mecubúri não havia nenhum fiscal para impedir a entrada ilegal dos caçadores furtivos que andavam à procura das pontas de marfim e de cornos de rinocerontes. Com o andar do tempo, houve necessidade de se começar pelo processo de preservação do local, porque as entidades responsáveis tinham sido alertadas sobre o risco da extinção de algumas espécies.

Na altura, a então Direcção Provincial de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DPADR) empregou um fiscal para o efeito. Mas o funcionário tinha dificuldades em garantir uma cobertura abrangente. Há uns anos para cá, as comunidades foram mobilizadas para colaborarem na vigilância da reserva.

Actualmente, existe 10 fiscais, dos quais três contratados pelos Serviços Distritais das Actividades Económicas e os restantes foram recrutados nas comunidades locais.

Tarsan, fiscal comunitário de Natala que também assume as funções de régulo, disse que se a reserva possuísse animais protegidos pela lei, eles (os fiscais) não teriam mecanismos para travar qualquer acção dos caçadores furtivos, porque lhes falta equipamento necessário, além de uma formação técnica.

Presentemente, a maior atenção dos fiscais está virada para a exploração dos recursos florestais que, também, estão em (vias) de extinção.

Os recursos da desgraça

A população das seis comunidades que se localizam no interior da Reserva de Mecubúri vive os seus dias mais difíceis. Os recursos faunísticos que outrora se tornaram o orgulho dos nativos levaram os residentes a uma pobreza sem precedentes. Nas aldeias falta quase tudo, desde as vias de acesso precárias, passando pelo acesso deficitário à água potável, infra-estruturas escolares e sanitárias, até à inexistência de energia eléctrica da rede nacional, entre outras necessidades.

A estrada que liga o posto administrativo de Muite à sede distrital é uma das principais vias que dá acesso à reserva. Por ser uma rodovia classificada, segundo as autoridades governamentais locais, anualmente beneficia de obras de reabilitação, sobretudo as pequenas pontes que atravessam os riachos.

Mesmo assim, as condições que o troço apresenta deixam muito a desejar. Para se percorrer os cerca de 90 quilómetros tem sido um autêntico martírio. A situação é mais crítica no período chuvoso. A terra fica, efectivamente, alagada e o trânsito torna-se complicado. Aproveitando-se do cenário, os transportadores de passageiros agravam as tarifas alegadamente para substituírem as peças que, ao longo do percurso, se desgastam por causa da força do atrito.

A energia eléctrica é uma miragem. As únicas infra-estruturas que, neste momento, beneficiam os residentes de quase todas as comunidades do interior da reserva são as que permitem a comunicação através da rede de telefonia móvel pertencente à empresa Movitel.

André Mutipo, régulo da comunidade de Muahiu, disse que a sua área jurisdicional enfrenta sérios problemas de falta de unidades sanitárias e fontenários públicos para o abastecimento de água.

Os partos institucionais continuam uma miragem. Na sede da localidade de Popué, há um posto de saúde, onde também foi instalada uma maternidade comunitária. As mulheres grávidas são supostamente assistidas por um agente polivalente voluntário.

O @Verdade apurou que o referido agente está sempre na cidade de Nampula, onde frequenta uma escola de condução. “Ele vem trabalhar quando assim o entender, porque alega não estar a beneficiar de nenhum incentivo por parte do governo”, acrescentou.

Em consequência disso, as mulheres é que passam mal. Desde o momento da gravidez, as senhoras não são assistidas por um profissional da Saúde. Durante o parto, o auxílio vem da parte das parteiras tradicionais.

Na comunidade de Muahiu existe uma escola de nível primário. Um professor está para mais de 400 alunos, ou seja, um pedagogo assume, de forma acumulada, as funções de instrutor, director da escola, entre outras. O estabelecimento de ensino é de construção precária, uma iniciativa da comunidade.

Os alunos, que para além de percorrerem longas distâncias para chegarem à escola e assistirem às aulas sentados no chão, são obrigados a prestar o seu contributo na reabilitação da infra-estrutura, cortando capim para a cobertura do tecto em (vias) de desabamento.

Numa altura em que os recursos faunísticos se esgotaram, devido à acção dos caçadores furtivos, na memória dos populares só ficaram amargas recordações. Até porque, segundo o régulo Tarsan, da comunidade de Natala, as futuras gerações apenas irão herdar um mar de desgraças.

Ao longo da mata apenas ouve-se o barrulho dos passarinhos que voam de árvore em árvore. Não há sinais de animais de grande porte. É uma página virada. A população que olha para a agricultura como uma fonte de sustento está, aos poucos, a invadir a reserva, abrindo campos de cultivo de culturas de rendimento e alimentares.

Surgem, também, empreendedores comunitários que, através de recursos locais, vão criando outras oportunidades de sobrevivência. Por exemplo, em Munhumua, alguns cidadãos implementaram iniciativas para a produção de mel, cujas colmeias se encontram em abundância ao longo da floresta.

A “vergonha” do governo

As lideranças de algumas comunidades visitadas pelo @Verdade confirmaram que a Reserva de Mecubúri já foi rica em termos de recursos faunísticos e que os mesmos escassearam devido à acção dos caçadores furtivos.

Em contrapartida, as autoridades governamentais assumem, categoricamente, que isso não passa de falsidade, pois a reserva nunca foi faunística, sendo apenas florestal, e o desaparecimento de animais de grande porte como elefantes, rinocerontes, entre outros, devido à presença dos caçadores furtivos não constitui verdade, pois essas espécies nunca existiram naquele local.

“Os animais como elefantes que são vistos na Reserva de Mecubúri não são alojados naquela floresta, pois são refugiados da Reserva de Niassa, de onde sofrem a pressão dos caçadores furtivos. Na tentativa de procurarem escapar dessas acções deslocam-se às florestas vizinhas”, disse Paulo Feniasse, chefe dos Serviços Provinciais de Floresta e Fauna Bravia na Direcção Provincial de Agricultura de Nampula.

Contudo, os pronunciamentos daquele responsável revelam falta de políticas de preservação das reservas florestais e faunísticas no sentido de se evitar acções de invasão por parte dos caçadores furtivos que, no caso particular da Reserva de Mecubúri, resultou no contrabando dos recursos faunísticos.

Importância do marfim e dos cornos de rinoceronte

Segundo alguns estudos, o marfim tem importância cultural, económica e política. Portanto, a obtenção e a comercialização das pontas de marfim fazem parte das redes do crime organizado, cujos compradores são originários, na sua maioria, de países asiáticos, sobretudo a China. Os cornos de rinoceronte possuem propriedades afrodisíacas, cujos poderes curativos podem eliminar o cancro.

Elefantes passam a ser domesticados em Malema

Manadas de elefantes e outras espécies faunísticas sob protecção nacional passam a ser domesticadas no distrito de Malema, em Nampula, ao abrigo de um protocolo a ser firmado, brevemente, entre o Governo moçambicano e um cidadão de nacionalidade alemã, radicado há sensivelmente dois anos na chamada capital do norte.

A viabilização do projecto, que deverá contar com um investimento europeu (Alemanha e Portugal), carece ainda do aval do governo provincial, mas tudo indica que a partir do próximo ano (2015) os animais poderão chegar à fazenda de Malema, onde serão domesticados.

Em declarações ao @Verdade, Christof Mogle, patrono da iniciativa, não especificou as quantidades de elefantes e de outros animais na primeira fase do projecto, bem como o número de trabalhadores que farão parte da firma, alegadamente porque tudo depende dos termos de referência das entidades de tutela. “Não posso adiantar nada, porque ainda estamos a assinar os documentos”, frisou.

O distrito de Malema, situado no interior da província de Nampula, é considerado um dos “corredores abertos”, sobretudo de manadas de elefantes, provenientes da vizinha província do Niassa, onde se localiza uma das principais reservas faunísticas, a nível da zona norte.

À luz do referido projecto, Christof Mogle agendou para o próximo mês de Novembro uma deslocação ao distrito de Malema, não apenas para realizar a indispensável consulta comunitária, mas também para mais um estudo de viabilidade do seu projecto.

“Todos nós estamos interessados na protecção dos recursos faunísticos e, por isso, pretendo dar o meu contributo, acomodando os animais que deambulam por todo o corredor de Malema em direcção à província de Cabo-Delgado e vice-versa”, disse M?gle.

De acordo com o nosso interlocutor, para além da fauna existente localmente, o seu sonho é trazer para Malema os animais de outros parques, dentro e fora do país, uma acção que visa, igualmente, impulsionar o turismo cinegético.

Médico de profissão, Christof chegou a Moçambique pela primeira vez em 1996 tendo, na altura, identificado as potencialidades existentes no país, sobretudo na área da agricultura e florestas, o que o motivou a conceber um projecto de criação de animais bravios, a maior parte dos quais protegidos pela lei vigente em Moçambique.

Polícia reforça fiscalização

Cerca de 50 agentes da Policia da República de Moçambique (PRM) estão a trabalhar em parceria com o sector da Agricultura, no quadro do reforço das actividades de controlo do processo de exploração desenfreada a que estão sujeitas as reservas florestais e faunísticas na província de Nampula.

Segundo fontes do Governo, alguns dos envolvidos neste processo encontram-se em estágio nos Serviços Provinciais de Floresta e Fauna Bravia, tendo o primeiro grupo sido distribuído por diferentes focos de movimentação de exploradores furtivos. Os agentes da Lei e Ordem terão como principal tarefa velar pela disciplina na protecção de todos os recursos naturais, com enfoque para a madeira e os minerais, relegando, claramente, para segundo plano o interesse de proteger os animais bravios.

Em Nampula, a acção desenfreada e violenta de furtivos é considerada uma dor de cabeça para o governo de Nampula. Por exemplo, em menos de dois meses, dois fiscais foram, violentamente, espancados em pleno exercício da sua actividade nos distritos de Eráti e Nacarôa, ao longo da estrada que liga a província de Nampula à de Cabo-Delgado.

Trata-se de Agostinho Treze, do distrito de Eráti, que escapou da morte, depois de violentos golpes na cabeça, quando o mesmo pretendia interpelar um camião que carregava quantidade considerável de madeira diversa.

Almeida José de Carvalho, do vizinho distrito de Nacarôa, viu a sua residência incendiada, depois de sofrer espancamentos com recurso a instrumentos contundentes, estando neste momento impossibilitado de desenvolver qualquer actividade. Em princípios deste ano, um outro fiscal foi intencionalmente atropelado no mesmo distrito, tendo perdido a vida no local.

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