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O drama de Alberto e mais 10 mil homens

O drama de Alberto e mais 10 mil homens

Cortes substanciais no salário, impasses, negociações e uma greve mataram duas pessoas, feriram 24 e detiveram outras 18. Mas, mais do que isso, atingiram milhares de famílias e despertaram a sociedade para o excesso de zelo da Polícia da República de Moçambique.

Alberto João*, de 38 anos de idade, vive nos confins de um subúrbio de um país do terceiro mundo e trabalha numa embaixada. É funcionário de uma empresa de segurança há sensivelmente cincos anos. Sempre ao final do mês espera levar o equivalente a 2300 meticais para casa, dos quais subtrai 500 para o transporte.

Mas qual não foi o seu espanto quando, num mês qualquer, o seu pedido de saldo bancário, numa das caixas automáticas algures no bairro luxuoso onde trabalha, apresentou-lhe 33 meticais. Naquele dia Alberto sentiu na pele o que a estatística refere quando apresenta países em que os cidadãos vivem com menos de um dólar por dia.

Na verdade, Alberto seria feliz, nos últimos meses, se pudesse viver dentro daquele limite numérico. Com 33 meticais, numa família com cinco membros, a realidade era mais fria do que mera estatística: 22 centavos por pessoa/dia. Com tal quantia não se podia comprar literalmente nada.

Aliás, o somatório, diga-se, do valor que cabia ao agregado, diariamente, 1.1 metical, só dava para adquirir uma pastilha elástica ou uma tampinha com nove grãos de amendoim torrado. Impensável? Não. Alberto não era uma ilha. A empresa, na qual trabalhava, conta com um efectivo de cerca de 10 mil homens que passam pela mesma situação ou vivem igualmente em condições subhumanas.

Depois do abismo…o abismo

Porém, engana-se quem pensa que a vida de Alberto não podia ser pior. No passado dia 13 de Abril, quarta-feira, o juiz de instrução formalizou a sua prisão e de mais 23 colegas. Os 24 são foram acusados de crime contra a propriedade. Alberto faz parte de um grupo de funcionários da G4S que, para além de cortes substanciais no salário, ficaram pelo menos dois meses sem recebê-lo. Foram detidos no seio de mais de 100 funcionários que reivindicavam o mesmo. Mas só 24 é que foram detidos.

A empresa até retirou a queixa, mas, como se trata de um crime público, Alberto já tem a sua sorte: Cadeia Civil. Os problemas na coluna cervical e as dores no abdómen, essas, terão de passar no coração daquela penitenciária, para onde foi transferido. Uma fonte anónima, da 18a esquadra, contou-nos que os agentes da G4S passaram o pior nas mãos dos homens da FIR.

A ordem, diz, “era cortar pela raiz qualquer intenção de manifestação”. Reparem, continua, que nos outros dias, em que a FIR não esteve no local, embora a polícia tenha disparado, ninguém foi agredido ou detido. Os homens da FIR sabiam para o que iam. Receberam ordens e apenas alguns agentes irão pagar por isso. “É sempre assim neste país”, desabafa.

Violência policial é recorrente

Um olhar ao passado mostra que as forças de segurança moçambicanas continuam a abusar do seu poder. Aliás, a violência policial contra cidadãos indefesos parece ser recorrente.

Se, por um lado, há informações segundo as quais os agentes da FIR foram detidos em virtude do uso excessivo da força contra os trabalhadores grevistas da G4S, por outro, é difícil provar que foram, efectivamente, presos.

O Jornal Notícias informou que foi criada uma comissão de inquérito para apurar quem terá dado a ordem para os agentes da FIR saírem à rua e as razões do nível de força usada no teatro das operações.

Segundo o jornal, cabe à comissão investigar o envolvimento de cada um dos agentes e apurar a sua responsabilidade. Contudo, ainda não foi tornado público o número de agentes e nem o local onde foram detidos.

Outros casos de violência policial

No dia 5 de Fevereiro de 2008, a polícia moçambicana atirou contra pessoas que se manifestavam contra aumentos nos preços dos transportes na cidade de Maputo, matando pelo menos três pessoas e ferindo 30. Ao longo do ano registaram-se mais três vítimas mortais. Foto do 5 de Fevereiro.

No dia 29 de Abril de 2009, na sequência da greve dos trabalhadores afectos à construção do Estádio Nacional, um agente da Polícia da República de Moçambique alvejou a tiro dois grevistas. Um foi atingido na perna e o outro nos órgão genitais. Na ocasião, de acordo com os grevistas, o agente recuou, traçou uma linha no chão e disse que se alguém a atravessasse ele atiraria a matar. Algo que aconteceu porque a polícia pretendia levar um dos grevistas e o resto do grupo protestou e ultrapassou a linha de fogo.

A Amnistia Internacional denunciou, em Fevereiro de 2009, o alvejamento de Nelson José Ronda no mercado Nsango, na província de Tete. A vítima estava a conversar com um grupo de amigos quando um agente da PRM o chamou para privar com ele. Nelson foi ter com o agente e foi recebido com três disparos na perna.

O agente afirmou que Nelson era um criminoso perigoso e que tinha sido preso por diversos crimes. Porém, testemunhas oculares declararam que a reacção da Polícia foi excessiva, pois Nelson não tinha tentado fugir e tinha-se dirigido ao agente quando este o chamou. No final, Nelson foi detido por suspeita de roubo.

No dia 31 de Dezembro de 2009, por volta das 20 horas, um cidadão de nome Archel Ernesto Benhane foi baleado na perna por um grupo de agentes da PRM, no distrito de Inhassoro, província de Inhambane, tendo inclusivamente sofrido golpes na cabeça, fruto de coronhadas de armas.

O balanço oficial das manifestações de 1 e 2 de Setembro é de 13 mortos, mais de 500 feridos e cerca de 300 detenções em todo o país. No primeiro dia das manifestações, assim que foram anunciadas as primeiras mortes, o porta-voz da Polícia de Moçambique afirmou que os agentes não utilizaram balas reais.

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