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Nomeia o Teu Herói

Nomeia o teu Herói” foi o desafio que, em devido tempo, este jornal lançou aos seus leitores para que estes tornassem públicos os nomes daqueles que, ao longo da vida, ou não, lhes serviram de exemplo, ou por quem, ainda nos dias de hoje, nutrem profunda admiração e respeito.

O convite feito pel’@ VERDADE poderá não ter encontrado, na sua totalidade, o eco a que nos propusemos mas, pelos testemunhos e opiniões recebidas, ficounos a certeza de que é no próprio seio familiar que os moçambicanos vão encontrando hoje, tal como no passado, os seus exemplos de vida.

Meu avô “Desapareceu na guerra fratricida a lutar pelo país”

Cresceu a ouvir o pai falar do avô, Faustino Chissico, um homem bom, dedicado à família e sempre interessado em ver os seus oito filhos estudar “para serem alguém na vida”. Por isso, do avô tem a imagem de um homem que queria o bem de todos, e por causa disso avançou como soldado, em 1987, para a guerra fratricida que colocou frente-a-frente a Frelimo e a Renamo.Viviam lá nas terras de Gaza, em Zandamela, e foi aí que o avô, então com 45 anos, entrou no conflito, engrossando as fileiras dos combatentes. Não pertencia nem à Frelimo, nem à Renamo, mas quis ir à guerra e nela morreu combatendo, ou desapareceu em combate. “Procurámo- lo por todos os cantos.

Nunca conseguimos saber nada dele, mas hoje já temos a certeza de que morreu mesmo. Eu é que não sei onde se encontra enterrado. Se fosse vivo, teria agora 67 anos.” Cremildo Chissico tinha apenas um ano de idade na altura da guerra, e foi desde então que nos momentos em que a família se reunia em casa, o pai recordava sempre a figura do avô, exortando os filhos a serem como ele. Passou, então, a cultivar a sua imagem e a procurar saber se ainda estaria vivo. Para Cremildo, um herói é todo aquele que coloca de lado toda uma vida para se dedicar à causa da nação, para que se tenha uma vida melhor. Para ele, isso é o que o avô tinha feito.

À minha filha “Coragem mãe, eu vou ficar boa!”

“É muito difícil conviver com uma situação destas, mas é ela que nos tem dado forças, quando por vezes me deixo cair em lágrimas”. É com estas palavras que Catarina Júlia Mavila começa a falar da sua filha Carmen, hoje com seis anos, que vive com um tumor na cabeça desde os três anos de idade, e que garante ser ela a sua “heroína”, pelas muitas razões que nos relatou. Para aquela família, Junho de 2006 foi o mês fatídico por causa da notícia de que Carmen sofria de cancro, que desde logo passou a deixar marcas bem visíveis, que lhe tolheram a fala e o andar, para além de a deixar praticamente cega. Para Catarina e seu marido, foi aí que começou a longa batalha que ainda hoje travam contra o terrível mal. Os tratamentos iniciados foram dando resultados positivos, e no centro desta luta árdua esteve sempre a força e a vontade indomável daquela criança, que nos momentos mais tristes e de desânimo de seus pais dizia:

“Coragem, mãe, eu vou ficar boa!” A vontade de viver desta garota, só por si ajudou a vencer momentos em que se chegou a admitir que tudo estava acabado. “Ela continua doente, com o tumor, mas sempre cheia de força. Uma força que nos transmite e que nos anima”, diz Catarina, olhando-nos nos olhos como que a garantir que hoje, mais que nunca, essa é a sua convicção. Ao contar a sua história, as palavras fluem. “Ela é a minha heroína, sim! Nunca vi doente igual.

Deu-nos forças para acreditar e para continuarmos a lutar, fazendo tudo. Aprendendo a viver com semelhante situação, aprendi a ser feliz, porque devemos cuidar e amar os doentes, e nunca abandoná-los!”, sustenta esta mãe, confiante de que o futuro será diferente e melhor. Hoje, a pequena Carmen está na África do Sul para uma Radioterapia, tratamento que quando este relato for publicado já deverá ter sido iniciado. E Catarina revela: “Se fosse ela a responder a este apelo do Jornal @ Verdade, de certeza que diria que o seu Herói era o pai que a ama muito. Com vontade e com amor, nada é difícil!”. Por isso, Catarina termina dizendo: “Para mim, Herói é todo aquele que luta por uma determinada causa… e vence!”

A minha mãe “Salvou-me a vida várias vezes!”

Foi na noite seguinte à do casamento de meus pais, em 1987. Apesar da guerra ainda havia festa na povoação, quando surgiu um grupo de bandidos armados (Matsanguaissas) que mandou parar a música e quis saber para quem era a festa. O meu tio lutou com um deles, enquanto o irmão da minha mãe ia buscar a arma que tinha escondido. Deu um tiro! Assustados, os bandidos fugiram, mas levaram com eles a minha mãe, o meu irmão mais velho, e eu. Percorremos, a pé, cerca de 200 quilómetros no meio do mato, enquanto íamos dando pistas erradas aos bandidos, sobre os caminhos a seguir. Não havia água, e a comida era xima com ovos. Já bem longe, os bandidos abriram um buraco onde pudessem encontrar água para bebermos. Em seguida, naquele mesmo buraco, enterraram vivo o homem que o abriu.

Durante a caminhada fui separado da minha mãe e meu irmão, e assim andámos mais quatro dias, sem parar ou descansar. Depois, consegui chegar junto da minha mãe, mas o meu irmão estava mais à frente, com os bandidos. A minha mãe transportava à cabeça um saco com 50 quilos de arroz. Quando nos apercebemos de que estávamos isolados, entre os bandidos da frente e os que vinham atrás, a minha mãe, para me salvar, jogou tudo fora e escondemo-nos. Passado o perigo, voltou a salvar-me a vida quando quase pisava uma mina! Entretanto, a sede apertava. Quase sem forças, pedi água à mamã. Foi da água de um poço com cadáver lá dentro que ela me deu de beber, para que não morresse de sede. Mais tarde, chegámos ao Bairro de Inpinalwini, onde encontrámos pessoas que nos orientaram para chegarmos a casa.

Quanto ao meu irmão, foi aprisionado durante um mês, mas mais tarde conseguiu fugir, regressando também a casa. Viemos para Maputo, e foi já em 1988 que a mamã conseguiu concluir o casamento com meu pai. A minha mãe foi e será sempre “a minha Heroína”, porque salvou- me dos bandidos, daquela mina e da sede que me matariam. A minha mãe, Adelina, hoje com 52 anos, sempre se comportou como uma verdadeira mãe. Agora, mais do que nunca, eu sinto que mãe é mesmo mãe. (Elídio M. Canda fala de sua mãe Adelina Felizberto Nhanombe)

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