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A ntyiso wa wansati – Tudo com muita calma

Uma relação não pode ser uma descida de uma rampa a pique numa bicicleta em travões, tens que ter calma, darling. No meu país, tudo se faz com calma, muita calma e tranquilidade, não é esta loucura latina de ver querer, amar e largar por dá cá aquela palha, não é como vocês dizem?

Como vês, já domino bem o português, pelo menos de regras e sintaxe percebo eu, embora quando vos oiça conversar entre nativos, esquecidos da presença de um inglês, tenha a sensação de estar mergulhado num aquário rodeado de peixes russos, ou fechado num guarda-vestidos – preferes guarda-vestidos ou roupeiro? Não sei o que é mais moderno dizer – afogado em vestidos de baile antigos que fazem fr-fr-fr-fr quando se roçam distorcendo os sons, comendo as vogais e amplificando as consoantes, sem critério aparente e então não tenho outro remédio senão desligar os ouvidos e regressar à minha língua que é a língua do mundo e nunca o mundo esteve tão longe da minha língua como agora, mas isso é outra história que mete a guerra dos cruzados ao contrário e não é para aqui chamada.

Gostei logo de ti porque parecias inglesa e nós somos mesmo assim, imperialistas em tudo, até nos gostos amorosos, nunca nos misturámos com os povos locais, ao contrário de vocês, que acabaram por dar ao mundo mais matizes e variantes de raças do que alguma vez qualquer Deus, protestante ou católico, terá imaginado. Vi em ti uma beleza perdida, algo de estranhamente familiar no olhar ou talvez na cor de cabelo.

Lembras-me a minha irmã Fiona que fugiu de casa aos 18 anos e esteve cinco anos sem dar notícias. Quando voltou a casa, trazia dois filhos, o cabelo cortado e os olhos baços, um casamento falhado com um traficante de armas e o medo para sempre no sangue, por isso a minha irmã da infância com quem brincava às escondidas e às vezes a outras coisas perdera-se para sempre e eu percebi que o amor pode dar cabo da vida de uma pessoa, por isso te digo para teres calma, não vá o diabo tece-las, como vocês dizem por cá.

Claro que quero casar um dia contigo my dear, és bela e meiga e inteligente, mas és ainda demasiado nova para saberes o que queres e, se um dia destes afinal descobrires que está apaixonada por outro rapaz, eu até vou entender, porque sou inglês e nós somos assim, temos no sangue a capacidade para aceitar tudo, desde que não nos falte um tecto e um trabalho. Às vezes queixas-te do meu feitio de inglês, dizes que sou como um lord sem coração, mas acredita que o tempo vai fazer por mim o que as palavras não podem fazer e, se tudo correr bem, um dia destes sentamo-nos à mesa e fazemos planos para o futuro; uma casa com jardim, dois filhos, férias no sul e uma conta poupança reforma para o nosso sossego.

Sei que me achas cerebral, boring e até um bocado desinteressante, que embirras com a claridade das minhas peúgas e com as minhas sandálias de verão, mas vais ver que daqui a uns anos já nem reparas nisso, porque vamos ser felizes, tu a brincar com as crianças e eu a reler os sonetos de Shelley e a recordar com saudade – que linda palavra esta, é uma pena não haver tradução na minha língua e nas outras – a minha irmã Fiona antes dela pensar que uma relação era como uma descida de uma rampa a pique numa bicicleta sem travões.

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