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No dia em que os mendigos sorriram!

Mendicidade tira o sono às autoridades

Há cada vez mais mendigos e gente a dar esmola na cidade de Maputo, apesar do Ministério da Acção Social dizer que trabalha para controlar a situação.

Na sexta-feira, 28, os pedintes voltaram para casa a sorrir porque ganharam mais. Litos de 11 anos amealhou 220 meticais, o valor mais alto desde que há dois anos percorre as artérias da capital em busca de esmola.

Já são dez horas. É sexta-feira 28 de Janeiro, o ambiente nos estabelecimentos comerciais da capital faz lembrar os últimos dias de Dezembro, quando as pessoas se desdobram em compras para as festas do Natal e de final de ano. Entre o vaivém das viaturas e peões, sobressaem os transportes de passageiros públicos e privados que não param de chegar superlotados.

Sacos na mão, carrinhas de rodas, bengalas de apoio e um acompanhante a orientar são os cenários mais visíveis entre os que descem das viaturas. “É o dia da mendicidade. Diferente do habitual, hoje vai haver mais gente a pedir esmola”, comentou um transeunte. “É sempre assim”, dizem os que presenciam esta realidade toda a santa sexta-feira.

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Sempre que se assinala o dia da mendicidade, a baixa de Maputo torna-se pequena para acolher o exército de mendigos, nos últimos tempos calculado em milhares de indivíduos com peregrinações que mobilizam quase todos membros de um agregado familiar, incluindo idosos que vêm de distritos como Boane e Manhiça, actualmente ligados à capital por transportes públicos, nos quais as pessoas de terceira idade viajam gratuitamente.

“Trata-se de um fenómeno social complexo e cujas razões são diversas, mas que parecem ter origem num problema familiar”, refere um popular que caminha no sentido contrário em direcção à zona alta da cidade. De facto, as crianças, por exemplo, alegam ser maltratadas pelos parentes. Os idosos dizemse desamparados ou expulsos da convivência familiar sob suspeita de serem feiticeiros. Para os deficientes, o recurso à esmola deve-se ao estigma e discriminação de que são alvos, a partir da própria família.

Os peregrinos

Decorridos 30 minutos, Hermeliano Sarmento, de aparentemente 60 anos de idade, está sentado num passeio. O tráfego prossegue intenso na Av. Guerra Popular. “Sobrevivo assim há mais de 20 anos desde que perdi o emprego”, conta cabisbaixo. Olhar penetrante, corpo debilitado e consumido pelo tempo, diariamente transpõe as avenidas do grande Maputo, para obter sustento numa luta geralmente desigual, pois sobrevivem os mais astutos. “Além de alguns produtos alimentares, até às 14h00 quando volto para casa, consigo 100 meticais. Agora devem ser dez horas, já tenho esse valor e ainda vou ganhar mais ”, acredita.

Foi casado e trabalhou nos Caminhos- de-Ferro de Moçambique, (CFM). “Fui afastado da empresa sem motivos claros”. Viúvo e com dois filhos adultos, de 30 e 33 anos cada um, vive sozinho em Boane. “Os filhos só precisam dos pais até aprenderem a sobreviver”, diz.

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Sorte diferente de Sarmento tem Isac Monjane. Cego, de 58 anos, conhece de cor as crises por que um mendigo passa para obter ajuda. “Temos que aguentar tudo. Há vezes que encontramos gente que nos insulta e manda trabalhar”. Ao lado do filho mais velho, do qual se socorre para percorrer as artérias da capital, geralmente, Monjane leva para casa 200 meticais, mas hoje tudo lhe parece correr de feição. “Há muito que não sentia algo assim. Até um transeunte me deu uma moeda. Não sei se é pela data, mas hoje Deus se lembrou de nós”.

Veio de Gaza há mais de trinta anos e vive na zona da Polana Caniço com a esposa e três filhos. No grande Maputo tem como ponto de peditório, na Av. 25 de Setembro, a porta de um banco comercial onde chega às 8 horas da manhã e larga às 16. Quem também está nessa busca incessante pela sobrevivência é Janete António. Ao contrário dos dois primeiros, esta mulher sai mais cedo de casa, às 5h00. A partir do bairro T3, sempre com destino traçado: a baixa da cidade. Janete trouxe os seus três filhos.

Uma vez nas ruas da cidade, a família espalha-se pelos principais pontos estratégicos e no final da batalha, às 13h00 os resultados são positivos. Um dos filhos, o mais novo, anda com a mãe. Litos e o seu irmão já se sabem safar no mundo da mendicidade e circulam sozinhos. Hoje, os dois irmãos conseguiram 400 meticais. O mais velho 220 e o mais novo 180.

Têm 11 e nove anos, respectivamente. “Como são rápidos e espertos, os dois alcançam muitas lojas”, explica a mãe orgulhosa. António diz que os leva à mendicidade, apenas em tempos de férias. Este ano Litos vai frequentar a quinta classe, ao passo que o irmão estará na quarta.

Às 14h00 o movimento baixou. Contrariamente ao que acontece nas primeiras horas, todos os caminham em direcção à cidade alta. Vasco Rungo é um deles. Fisicamente abatido, na mão esquerda leva uma sacola com bens alimentares, na direita uma bengala que lhe serve de apoio ao tronco curvado. Faz algum esforço para acompanhar o passo apressado dos “colegas”, mas não aguenta. Parece que o seu corpo não resiste a grandes marchas. Tal como aconteceu com muitos deles, hoje será um dia inesquecível para Rungo.

Em Maputo perdeu-se o controlo

Apesar dos esforços do Governo de reduzir o problema, tudo indica que a mendicidade está a aumentar nas principais cidades do país, devido às facilidades para ganhar dinheiro que muitos mendigos vêem na actividade e não só. Em Maputo, por exemplo, os índices são tão dramáticos, a ponto de o Governo reconhecer que já perdeu o controlo da situação.

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Num estudo que já tem quatro anos, constatou-se que alguns mendigos, sobretudo os meninos de rua com idades compreendidas entre os 18 e 19 anos de idade, obtêm por mês valores que superam o salário mínimo na Função Pública. Noutras províncias como Niassa e Sofala, os índices de idosos e crianças que ficam na rua a pedir esmola são reduzidos e menos preocupantes do que acontece em Xai-Xai ou na Zambézia.

O director nacional da Acção Social, Miguel Maússe, descreveu a situação de mendicidade no país como bastante preocupante. “No dia em que o país tiver uma economia minimamente forte estará numa outra fase de poder garantir a distribuição da riqueza por todos”, disse.

Entre várias actividades, o Instituto Nacional de Acção Social (INAS), desenvolve o programa de geração de rendimentos, direccionado a pessoas incapacitadas para o trabalho. Cerca de 90 porcento dos beneficiários são idosos e 10 constituídos por deficientes. Atribui-se ao membro elegível 100 mil meticais, sobre o qual se adiciona 50 porcento do valor para outros membros, até o máximo de cinco, o que totaliza 350,00 meticais por mês.

Alguns idosos que andam pelas ruas às sextas-feiras, segundo as autoridades do INAS, recebem esse valor. O país tem um milhão e oitocentos idosos. O Ministério da Mulher e Acção Social desconhece o número exacto de idosos necessitados e vulneráveis. O subsídio de alimentos abrange apenas 178.458 beneficiários em todo o país.

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