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Navegabilidade do Zambeze: ambientalistas juntam-se ao governo

Os grupos moçambicanos de defesa do ambiente juntaram-se ao governo na firme exigência da realização de um estudo de viabilidade à navegabilidade do rio Zambeze e os seus afluentes, antes de autorizar o seu uso pelo Malawi como canal de acesso ao mar e rota de comércio internacional. O sentimento foi manifestado hoje pela Justiça Ambiental, grupo de advocacia para questões ambientais, face recentes desenvolvimentos nas relações entre Moçambique e Malawi, marcados por acidentes diplomáticos a volta da navegabilidade dos rios Chire e Zambeze.

O Malawi, que inaugurou sábado o Porto de Nsanje e pretende, por conseguinte, passar a usar aquela infraestrutura portuária para manusear carga diversa, mas acusa Moçambique de condicionar a abertura daquele canal a realização de um estudo de viabilidade. Na conferência de imprensa havida quarta-feira, em Maputo, o Alto Comissariado do Malawi em Moçambique, Martin Kancishi, afirmou que a Bacia do Zambeze foi, durante os séculos XVIII, XIX e princípios do século XX, usado como canal de acesso e durante a luta de libertação usado pelas forças da Frelimo para a entrega de remessas.

Apesar de serem, nos dias de hoje, muito poucas as testemunhas desse passado longínquo que Kancishi evoca como argumento para a existência de óptimas condições de navegabilidade, é preciso nunca perder de vista que o tempo molda novas características ao meio ambiente e a alteração deve ser minuciosamente estudada.

Desta feita, a Justiça Ambiental afirma, em comunicado de imprensa acedido pela AIM, que concorda plenamente com a atitude do governo ao não permitir a navegabilidade no rio Zambeze e os seus afluentes sem que primeiro sejam feitos os estudos de viabilidade. “Se o governo aceitar este programa dos malawianos será obrigado a investir num novo porto no Chinde. Sendo à partida inviável pois este é um local de águas rasas devido aos sedimentos trazidos pelo Rio Zambeze, portanto a construção de um porto neste local iria implicar a dragagem constante para garantir o seu funcionamento”, explica o comunicado da Justiça Ambiental.

A concretização deste projecto implicaria, segundo o comunicado, o desvio de uma boa parte do orçamento do Estado para desenvolver as actividades daí resultantes em detrimento das demais prioridades preconizadas no plano de desenvolvimento do país. “O Malawi tem à sua disposição dois portos alternativos, nomeadamente Beira e Nacala. Os dois foram alvos de profundas reabilitações para acomodar estes países interiores”, acrescenta o mesmo comunicado.

A Justiça Ambiental alerta que qualquer projecto envolvendo a navegação no Rio Zambeze prejudicará Moçambique no alcance das metas de produção de energia hidroeléctrica. A navegabilidade vai, sem a menor sombra de dúvida, requerer um caudal contínuo com fraca oscilação, compromisso que terá de ser assumido pela Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB). Além dos grupos de advocacia em questões ambientais, outros segmentos da sociedade civil também nutrem um sentimento de dúvida quanto ao projecto malawiano, sem que primeiro seja realizado um estudo de viabilidade.

Sérgio Gomes, docente do Instituto de Relações Internacionais, convidado a edição de hoje do “Café da Manhã”, programa da Rádio Moçambique (RM), emissora pública, disse existir na Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) um acordo de partilha das águas do Zambeze. O acordo regional consagra questões de uso sustentável das águas, gestão das cheias, barragens e muitos outros aspectos que dizem respeito a bacia. Entretanto, nada diz sobre a navegabilidade.

Os Estados, segundo Gomes, têm a soberania sobre o percurso do rio que corre em seu território e nada pode acontecer nesse percurso sem o consentimento do Estado soberano. “Nenhum outro Estado tem o direito de usar a sua parte do rio para afectar o outro Estado. O princípio fundamental que regula é o da soberania do Estado sobre este trecho do rio que passa pelo território moçambicano”, explicou o docente.

Gomes defendeu que Moçambique tem toda a razão ao exigir o estudo ambiental, porque há interesses a defender e a sustentabilidade ambiental não foi inventada pelo país, muito pelo contrário, é um assunto defendido internacionalmente e para um projecto desta envergadura precisa-se de um estudo de viabilidade ambiental. Além de autorizar o Malawi a usar o canal Chire/Zambeze, Moçambique tem também outros projectos a concretizar como, por exemplo, a futura barragem de “Mpanda Nkua” bem como a actividade agrícola ao longo da bacia e a produção do camarão no litoral da província da Zambézia.

“São elementos que devem ser seriamente considerados para que o movimento desusado de navios de médio porte não afecte os ecossistemas e os interesses de Moçambique”, alertou Gomes. “Moçambique não fechou as portas ao projecto, mas quer que seja feito de uma forma que não afecte os seus interesses estratégicos. O estudo de viabilidade deve tomar em conta não só os interesses do Malawi, mas também de Moçambique”, ressaltou a fonte.

O docente disse, por outro lado, que haver inclusive Malawi vozes que criticam a forma de agir do líder malawiano, Bingo wa Mutharika, por estar a tratar do mesmo como um projecto pessoal. Porém, no entender do professor Gomes a atitude de wa Mutharika é facilmente compreendida uma vez que a consumar este desiderato seria, sem dúvida, um feito inesquecível senão heróico na história do Malawi.

Em relação àqueles que vêem nestes acidentes diplomáticos um revés à Integração Regional já em curso na SADC, Gomes desdramatiza afirmando que a não abertura desta rota não deve ser vista nesse prisma, porque a integração não se resume a rota Chinde Nsanje, há vários elementos que estão no processo. “Neste momento ainda não houve decisão da parte de Moçambique, portanto isto não pode ser visto como uma nódoa”, disse Gomes, anotando, pelo contrário, que qualquer resposta a ser dada com o devido fundamento, vai mostrar um sentido de Estado a ser transmitido aos países vizinhos.

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