Tive muita relutância em falar sobre este assunto neste espaço, ainda por cima onde sei que todas as semanas as pessoas me esperam, como se eu fosse o Agostinho Neto, que nos vai dizer: “Eu já não espero, sou aquele por quem se espera”, enquanto, na verdade, eu gingo com a pele desse angolano elegido e morrido na terra fria de Estaline. “Eu já não espero, sou aquele por quem se espera”.
A minha relutância em falar sobre este assunto passou também pelas palavras do meu camarada Calane da Silva, que vai dizer a toda a gente: “Será que alguém se intelectualiza para questionar o poder?”. E eu transportei as palavras do Calane para a minha cabeça: “Será que o dom da escrita que tenho é para criticar alguma coisa? É para questionar o poder?”. Não sei!
A minha mulher é que me empurrou para este texto. Eu não queria falar sobre isto publicamente e, como se não bastasse, na coluna que tem as lembranças da minha ídola, a Zaida Chongo, “Toma que te dou”. É isso. A minha excelentíssima esposa é uma pessoa frágil, delicada, só pensa no bem em toda a sua vida. Deseja as maravilhas para toda a gente. Não conhece as farpas e nem quer ouvir falar dessa broca. Para ela a vida devia ser um paraíso para todos, e quem a conhece sabe que estou a falar a própria verdade.
Tenho a sorte de estar nos braços dela. Isto é que se chama sorte, porque, na verdade, o que eu merecia era chafurdar por debaixo da escada. Mas não. Estou num baloiço. Divino. Enviado pela própria Mão de Deus para me salvar dos algozes. E eu nem sabia disso, como nunca tive conhecimento de nada, como nunca tive medo de nada, como nunca dei valor ao medo, como agora que esta mulher que me acolhe na sua cama e me diz:
“Alexandre, pára de escrever essas coisas, por favor! Não provoques as pessoas, não provoques o poder, tu sabes muito bem que jamais poderás enfrentar a chama deles, sabes muito bem que estás desprovido de espinhos para te defenderes se um dia eles quiserem vir-te buscar!
Meu amor, pára por favor, escreve outras coisas, continua a escrever aqueles textos que eu gosto muito de ler, fala do amor, das flores, destas plantas que regas todos os dias e que embelezam a nossa casa, fala das tuas loucuras, das viagens que fizeste por este país fora, fala de ti, até podes falar das tuas antigas namoradas que eu não me vou chatear com isso porque sei que me amas, não tenho a menor dúvida.
Fala de tudo isso, meu bem, das tuas derrotas, hoje transformadas em facho que pegas todos os dias, fala de Deus que tu gostas muito de citar nas tuas conversas, fala de Jeová, o teu último reduto. Já me disseste várias vezes que depois de Deus, de Jacob, de David e de Abrahama, não existe mais nada. Então fala disso, meu amor.
Fala das tuas bebedeiras que, mesmo desdenhando-as, por vezes, me fazem bem porque quando estás tocado pelo efeito do álcool, arrulhas como as rolas, tocas-me no pescoço com a boca como se fosses essas aves únicas que sabem amar de verdade, ou seja, que sabem fazer amor de verdade, os pombos.
Fala disso, das tuas vacilações, da tua timidez, da tua falsidade quando aparentemente queres mostrar um homem forte quando realmente és frágil. Prefiro que digas às pessoas que tens a força do Sansão. Prefiro que digas isso, porque, depois de dizeres isso, eu me rio com gozo e visto a pela da Dalila e corto a tua cabeleira e te domino nos meus braços.
Fala disso, amor, não fales de política. Não quero que eles te venham buscar. Fala de mim. Diz a toda a gente que me amas. Que me queres, e que não irás a nenhum lugar sem mim, e que não existe outra mulher para ti. Mente, se quiseres, mas não fales de política.
Fala disso, tenho medo do que andas a escrever. Não é bom. Tu não foste feito para julgar. Acho que não é bom também levares aquilo que pensas e meteres na boca dos outros.
Pára, meu bem. Eu amo-te muito. Beijo”.