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Mwaladzi: O sonho que se transformou em pesadelo

As famílias reassentadas em Mwaladze, no distrito de Moatize, na província de Tete, ameaçam regressar às suas zonas de origem, nomeadamente Capanga Mphala, Capanga Njangajo, Capanga Guro, Capanga Nzinda e Capanga Luane, na região de Benga, caso a mineradora anglo-australiana Rio Tinto não resolva as inquietações por elas apresentadas, que estão ligadas à fome e à falta de emprego e água.

Geraldo Raíde* é um jovem de 29 anos de idade e reside em Mwaladze desde o ano passado, quando a Rio Tinto transferiu as primeiras 89 famílias de Capanga Mphala e Capanga Njangajo para aquele local. À sua família foi atribuída uma residência Tipo 1, mas teve de cedê-la à mãe, já idosa, e aos quatro filhos. Ele e a esposa tiveram de transformar a cozinha, construída ao lado da casa, em quarto.

Quando amanhece, por ser o chefe de família (composta por sete pessoas), há duas perguntas às quais tem de responder: o que fazer? O que comer? Esta não é a realidade vivida só por Geraldo, mas por 89 famílias que até agora vivem em Mwaladze, onde os dias são uma incógnita.

Geraldo vive no desemprego desde que chegou àquele local. Embora não tenha estudado o suficiente para reivindicar um posto de trabalho (só tem a 5ª classe feita), diz que, diferentemente de Capanga, onde ele residia, em Mwaladze não há condições para a prática de actividades de geração de rendimento, tais como a agricultura, o fabrico de tijolos, a produção de carvão vegetal, entre outras.

“Há o problema de emprego nesta zona. Quando nos transferiram, disseram que todos teríamos trabalho. Este é um bairro novo, dista dezenas de quilómetros da vila sede de Moatize. Por mais que queiramos fazer algo na vila para sustentar as nossas famílias, não temos hipóteses. Nem transporte há”, diz.

Quem teve sorte diferente foi Joaquim Sebastião*, de 31 anos de idade e pai de cinco filhos, que trabalha na Rio Tinto como servente de obras há cinco meses. Ele fez parte de um grupo de 50 jovens que beneficiaram de formação em diversas áreas. Destes, apenas 10 foram recrutados, sendo Joaquim um deles.

“Não posso dizer que estou satisfeito por estar a trabalhar porque o contrato é por tempo determinado e um dia as obras vão terminar. Fora disso, não me sinto bem porque os meus companheiros estão em casa. Estaria a ser egoísta. Viemos juntos para esta zona e passámos pelas mesmas dificuldades. Actualmente, a única coisa que (muitos) fazem é consumir bebida fermentada para ver o tempo passar, e isso é muito mau”, conta.

“Não queremos viver de mão estendida”

Geralmente, nas zonas rurais, onde predomina o desemprego, as pessoas dedicam-se à agricultura, cuja produção é destinada ao consumo e à venda, ou à pastorícia. Foi com esta esperança que as famílias aceitaram ser transferidas para aquela zona, diga-se, nova e desconhecida. Mas o que foram encontrar foi uma terra arenosa e cheia de pedras, ou seja, imprópria para o cultivo. “Nas nossas machambas, só podemos produzir feijão-nhemba. A terra é improdutiva”.

Por reconhecer este facto, a Rio Tinto introduziu, através do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades, um programa de assistência alimentar básica, que consiste na atribuição de açúcar, óleo, feijão, arroz, peixe, amendoim, entre outros produtos. Mas este “acção de beneficência” não deixa os residentes tranquilos, muito menos satisfeitos, pois afirmam que não estão habituados a viver de “mão estendida”.

“Nós queremos viver do nosso suor. Ao darem-nos estes alimentos, pretendem desviar-nos do principal problema. Nós queremos que eles cumpram o que prometeram, ou seja, condições de habitabilidade. Lá onde estávamos, desenvolvíamos as nossas actividades normalmente. É claro que eram informais, mas não íamos bater à porta de ninguém para reclamar”, dizem, e acrescentam que “até para termos água dependemos deles. Trazem-na em camiões cisterna e cada família tem direito a uma certa quantidade”.

“Preferimos regressar às nossas antigas casas”

Perante este cenário, e caso ele persista, os residentes aventam a hipótese de regressar às antigas casas, localizadas na zona de Benga, onde a Rio Tinto está a explorar o carvão mineral, por lá haver condições para levarem uma “vida digna”, em que “não dependemos de ninguém para comer”.

“Sabemos que as nossas casas já foram destruídas, mas nós estamos dispostos a voltar. Lá vivíamos bem, tínhamos dinheiro e nunca dormíamos sem comer. Não havia trabalho formal, mas as nossas actividades eram rentáveis”.

“Nada se produz, por mais que chova”, secretário do bairro Capanga Mphala

Entretanto, o secretário do bairro Capanga Mphala, Virgílio Cussaia, afirma que o que deixa os reassentados em Mualadze de costas voltadas com a Rio Tinto é o facto de esta não lhes ter indemnizado.

“A empresa prometeu pagar pelas machambas, e quando cá chegámos só recebemos as casas e os terrenos para a prática da agricultura, que são impróprios. Mandaram-nos aguardar, e em Setembro vieram dizer que já não teríamos direito à indemnização. Nem fizeram questão de explicar os motivos”.

“Talvez pensem que as actuais machambas equivalham às anteriores. Se for isso, estão enganados porque esta terra é improdutiva. Nada se produz aqui, por mais que chova. Este ano plantámos mapira mas não sabemos se vai germinar. O terreno não é próprio, é arenoso e está cheio de pedras”.

Em relação à zona, Cussaia considera que a mesma é boa, mas aponta a questão de desemprego como o principal problema. “Falta-nos emprego. A cidade está distante. Apesar de termos todo o tipo de infra-estruturas, o emprego faz muita falta, e isso torna a vida difícil. O pior é que nem temos alternativas, tal como acontecia na nossa antiga zona. Quando chegámos, como as casas ainda estavam em fase de construção, foram contratadas muitas pessoas, mas foi sol de pouca dura. Mal as obras terminaram, todos foram despedidos”.

“Projectos de geração de rendimento serão implementados à medida que as outras famílias forem transferidas para Mwaladzi”, afirma a Rio Tinto

Entretanto, quando questionada sobre se estava a par dos problemas com que se debatem os residentes de Mwaladze, tais como o desemprego e falta de condições para a prática da agricultura, a Rio Tinto, através do seu gabinete de comunicação, diz que estão em curso vários projectos de geração de rendimentos e outros serão implementadas à medida que outras famílias forem transferidas para Mwaladzi.

“Neste momento, existem, em Mwaladzi, viveiros, programas de criação de frangos e de suínos. Para este programa de geração de rendimentos, há uma capacitação que é feita às associações de moradores, no sentido de aprenderem as técnicas de criação/produção, bem como de gestão dos seus negócios de forma a assegurar a sua sustentabilidade. Outras iniciativas, como, por exemplo, o projecto da produção diária de 2500 ovos, cuja construção de infra-estruturas já iniciou, vão ser implementados. Isso irá permitir a criação de mais postos de emprego”.

No que à produção de comida diz respeito, “estão igualmente em curso programas de restauração de práticas agrícolas. Com efeito, está a ser desenvolvido um programa de assistência técnica para a prática de actividades agrícolas, através do estabelecimento de uma unidade de extensão agrária. Para tal, foram criados campos de demonstração de resultados com tecnologias melhoradas e adequadas”.

Relativamente à questão das indemnizações, levantada pelo secretário do bairro Capanga Mphala, a Rio Tinto diz que “todas as famílias que já se encontram reassentadas em Mwaladzi foram, na altura, devidamente compensadas de acordo com o pacote acordado e aprovado, no âmbito do qual cada família teve direito a uma casa de alvenaria (as casas variam de tipo 1 a tipo 4), um terreno de no mínimo 2 hectares para agricultura, insumos agrícolas e assistência alimentar básica. As famílias recebem esta assistência alimentar básica até hoje, enquanto trabalham e preparam as suas terras.

Infra-estruturas

Ainda de acordo com a Rio Tinto, a zona de Mwaladzi beneficiou de diversas infra-estruturas sociais, tais como escola primária completa, casas para professores, centro de saúde, edifício administrativo, mercado, infantário, posto de polícia, cemitério, campo de futebol, sistema de abastecimento de água e rede de energia.

A comunidade reconhece a existência destas infra-estruturas mas nega que esteja a beneficiar de todas elas. Por exemplo, em relação à energia eléctrica, diz que a sua falta tem levado a que as pessoas recorram à região de Cateme, onde há uma moageira.

“Se tivéssemos energia nas nossas casas, não teríamos necessidade de ir a Cateme. Há energia na via pública, no centro de saúde, no infantário, etc. A moageira funciona à base de energia eléctrica, e nós não a temos. Algumas infra-estruturas ainda não foram inauguradas, por isso ainda não podem abrir as portas”.

Segurança

Na altura em que o @Verdade visitou Mwaladze, havia agentes da Força de Intervenção Rápida que procedia à patrulha nas ruas. No princípio, pensámos que se tratava de elementos afectos à zona para garantir a segurança dos seus residentes, mas não. A sua presença tinha como objectivo responder a uma onda de roubo de vidros e aros das casas ainda em construção, perpetrados por desconhecidos.

Porém, os acontecimentos de Cateme, caracterizados por levantamentos populares e que culminaram com o espancamento e detenção de alguns manifestantes, levam os residentes a desconfiar da manutenção daqueles homens.

“Temos a Polícia de Protecção, que podia muito bem estar aqui a velar pelas casas que ainda não foram ocupadas, não entendemos porque é que mandaram a FIR para cá. Para nós, eles estão aqui para responder a uma possível manifestação, o que é provável face ao nosso descontentamento. É a única justificação. É constrangedor conviver com eles porque andam de arma em punho”, queixam-se.

Perdas em Moçambique ditam afastamento do presidente executivo da Rio Tinto

Na semana Passada, a Rio Tinto anunciou a demissão, por mútuo acordo, de Tom Albanese, do cargo de presidente executivo, depois de terem sido descobertas reduções de valor contabilístico de activos na ordem de dois mil milhões de euros relativas à exploração de carvão mineral em Moçambique devido, alegadamente, à falta de capacidade de escoamento.

Por isso, a mineradora considera que “uma redução desta dimensão em relação à recente aquisição em Moçambique é inaceitável”, embora reconheça que a mesma possa, em última análise, “ser um negócio valioso”.

A empresa alega que a produção de carvão em Moçambique (ainda) não atingiu níveis satisfatórios porque os projectos de construção de infra-estrutura para o seu escoamento, previstos aquando da sua implantação, não tiveram a aprovação do Governo, pelo que ainda está a identificar rotas alternativas de transporte.

“A Rio Tinto continua a trabalhar com o Governo de Moçambique no desenvolvimento de alternativas de infra-estruturas de transporte. A conjuntura de volumes inferiores de carvão metalúrgico recuperável e a impossibilidade de aumentar a produção como originalmente projectada devido aos constrangimentos de infra-estrutura, conduziu à redução do valor escriturado da Rio Tinto Coal Mozambique e o registo de uma imparidade nas contas da Rio Tinto”, refere um comunicado da empresa.

Em resposta, o Governo moçambicano diz que aguarda pelos dados técnicos que provam que a revisão em baixa dos volumes de carvão mineral explorado pela Rio Tinto em Moçambique tem a ver com questões ligadas à falta de infra-estruturas de escoamento.

“Esperamos que eles nos apresentem dados técnicos sobre estas constatações para nós fazermos a nossa verificação”, disse Abdul Razak, vice-ministro dos Recursos Minerais, citado pela Agência Lusa.

Ainda sobre esta questão (da falta de infra-estruturas para o transporte de carvão), Abdul Razak reconhece que tem havido respostas imediatas, mas afirma que serão criadas condições, não a curto prazo, não só para o escoamento do carvão, mas também para outros produtos, através da linha de Sena, de Nacala e de outras que estão por construir.

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