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Voz da Sociedade Civil: Moçambique, Megaprojectos e os seus impactos, por Bayano Valy

A descoberta e exploração de jazigos de carvão e gás encerra boas perspectivas de desenvolvimento para Moçambique. Porém, há questões a que os moçambicanos se devem ater sob o risco de essas descobertas e explorações criarem mais problemas do que desenvolvimento, sobretudo para as mulheres e crianças.

Ninguém pode, certamente, duvidar do impacto dos megaprojectos. Eles são transformadores, isto é, alteram a vida das comunidades locais (para o bem ou mal) e mudam a geografia local de forma rápida e visível, entre outros.

O projecto de prospecção de areias pesadas em Moma, província de Nampula, também reivindica estar a ajudar as comunidades locais a desenvolver-se. Sem dúvidas, segundo um repórter do semanário Canal de Moçambique, na localidade de Thopuito, posto administrativo de Larde, parece ter sido construído um cantinho da Europa como evidenciam as infra-estruturas e nível de vida dos trabalhadores ligados ao projecto. Para além da fábrica erguida nas matas litorais de Thopuito, um acampamento luxuoso foi construído no meio da localidade. A vida é aqui muito diferente da que se vive nos arredores desta área residencial.

Mas a localidade de Thopuito está ao desbarato. Desde que a mina entrou em actividade plena, a prática da agricultura tornou-se difícil porque as populações locais foram reassentadas em terras não adequadas para a agricultura. Ademais, os espaços outrora usados para a prática da pastorícia e pesca hoje são de acesso vedado à população.

Porque a população local não tem qualificações para trabalhar na mina, fica a ver de longe os outros a prosperar (a tecnologia usada na exploração das “areias pesadas” não permite a absorção de mão-de-obra não qualificada, ou então, especializada, pelo que emprego para os nativos de Thopuito só mesmo para limpar o chão, ser guarda, ou qualquer outro biscate com a duração máxima de cinco dias).

“A situação do desemprego é preocupante, considerando que antes do início da exploração das areias pesadas de Moma, o sustento e a sobrevivência era suportado pela agricultura, pesca e pastorícia, actividades que perderam espaço para a mineradora,” sentencia um líder tradicional local.

O desemprego leva a que a comunidade encontre outras formas de sobrevivência. E é contra este pano de fundo que as mulheres acabam por se prostituírem no sentido de prover sustento às suas famílias, segundo o Canal de Moçambique – aliás, algumas delas ou são mães solteiras ou viúvas.

Portanto, sem agricultura ou pastorícia, e sem possibilidade para a prática de uma outra actividade de geração de rendimento, uma das alternativas que sobra às mulheres de Thopuito é a prostituição. As consequências desta prática para a comunidade podem ser nefastas – uma das prováveis consequências pode ser a contaminação com o vírus do HIV e SIDA.

Sabe-se que muitas mulheres ainda não têm o poder de negociar o uso do preservativo, o que podia, pelo menos, assegurar sexo seguro. Ademais, dependendo do acesso ou não aos anti-retrovirais, pode-se acabar com uma comunidade onde as crianças são as chefes de família devido à morte das suas mães.

Essas crianças que certamente poderão crescer no seio de famílias desestruturadas, irão carecer de afecto, e poderão ter traumas que as marcarão para sempre. Porque não têm parentes a zelar por elas, sem o apoio da comunidade, elas podem acabar por sendo vítimas de abusos e violência, pelo que, à medida que novos megaprojectos são concessionados e explorados, é necessário que o Governo moçambicano atente aos prováveis impactos sociais dos mesmos no sentido de se evitar que as comunidades locais sejam marginalizadas nos vários processos de prospecção dos recursos naturais.

Ademais, é importante que haja planos sustentáveis para o envolvimento das comunidades locais, isto é, não basta apenas construir esta e aquela infra-estrutura sem que haja esforços para se incluir a população local. Isto quer dizer que as comunidades locais devem estar envolvidas em todos os processos de tomada de decisão e ter direito a que parte dos lucros provindos da exploração sejam investidos a favor da comunidade.

Se continuarmos a olhar apenas para a provisão de infra-estrutura mínima sob a desculpa de que são pobres e não precisam de mais, corremos o risco de ter convulsões sociais como foi o caso em Cateme, em Moatize, na província de Tete, onde se efectua a prospecção do carvão mineral.

*Bayano Valy é o editor do Serviço de Opinião e Comentário da Gender Links. Este artigo faz parte do Serviço de Opinião e Comentário da GL.

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