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“Malema pensa de uma forma contrária à maioria dos sul-africanos”

Para André Thomashausen – professor titular de Direito Internacional e de Direito Comparado na UNISA (University of South Africa), em Pretoria, África do Sul – o assassinato violento no último sábado do líder da extrema-direita sul-africana, Eugène Terre’Blanche é só mais um a juntar aos três mil fazendeiros brancos mortos nos últimos anos.

Para este académico o perigo vem, sobretudo, de uma faixa da população branca que hoje vive na extrema miséria e por isso capaz de cometer actos desesperados.

Verdade (V) – Acha que a morte no passado sábado de Eugène Terre’Blanche, líder da extrema-direita africaner, pode desencadear uma onda de violência na África do Sul nos próximos tempos?

André Tomashausen (AT) – Não, esta é só mais uma vítima mortal do crime violento. Neste país, nas mesmas circunstâncias, morrem 30 mil pessoas por ano. Só agricultores já morreram, nos últimos anos, mais de 3 mil, por isso acho que esta morte não vai originar uma vaga de terrorismo de direita ou saudosista. Este acontecimento pode chamar a atenção para um grave problema: a exclusão de mais ou menos 1/3 da população branca. Esta gente, que há 10 anos não era pobre, agora encontra-se numa miséria extrema sem fim à vista.

(V) – A que se deve essa miséria?

(AT) – Deve-se sobretudo à política do afirmative action e do black empowerment que obriga por lei a dar emprego prioritariamente às pessoas etnicamente desfavorecidas o que exclui grande parte dos brancos, sobretudo dos homens brancos. Neste momento, cerca de 600 mil pessoas estão a viver à margem de qualquer existência o que cria situações graves de sobrevivência. Dentro dessas 600 mil pessoas poderá sempre haver um grupo de homens que, para atrair a atenção do mundo, dada a sua situação, cometa actos desesperados.

(V) – A que tipo de actos se refere?

(AT) – Neste mundo, moderno e tecnológico em que vivemos, é relativamente fácil organizar o descarrilamento de um comboio, uma explosão num autocarro ou accionar alguma coisa à distância num transporte público. Ninguém pode garantir a segurança total. Temos é que ter em conta as causas que podem levar a estes actos de desespero.

(V) – Hoje o AWB (Afrikaner Weerstandsbeweging – movimento africaner de extremadireita) tem alguma capacidade de mobilização para cometer algum atentado?

(AT) – Hoje o AWB é um partido ilegal, contrário à Constituição, pois é um partido que defende a sua causa com base na raça. As pessoas que seguem as suas directivas fazem- no de uma forma oculta, por isso é muito difícil falar hoje na sua real capacidade.

(V) – Mas estamos a falar de quantas pessoas?

(AT) – Ninguém contesta hoje que há pelo menos 600 mil brancos muito pobres. Muitos deles nem sequer uma tenda têm, estão a comer ervas e raízes de plantas e nem todos são velhos. Muitos são jovens com muito ódio acumulado. Cerca de 10% já seriam 600. Hoje o AWB está com uma imagem muito gasta depois do que aconteceu em 1994, mas outras organizações poderão aparecer.

(V) – Qual é a solução para essa gente que está na miséria?

(AT) – Zuma, quando foi eleito, prometeu a essa gente trazer uma vida melhor mas não está a conseguir. Dentro do ANC não tem tido força suficiente para implementar essas promessas. Não consegue convencer os seus correligionários a apoiar gente que é ainda vista como responsável pelo apartheid. Mas é sobretudo a legislação que está a fechar as portas aos jovens brancos.

(V) – Houve gente do AWB que logo a seguir ao assassinato do seu líder veio dizer que não aconselhava os visitantes a visitar a África do Sul durante o Mundial de Futebol. Acha que estas declarações poderão ser levadas a sério?

(AT) – Há nessas declarações muito populismo. Este assassinato foi uma oportunidade para se fazer declarações bombásticas mas a morte do Terre’ Blanche não vai alterar em nada a situação de segurança no país. A África do Sul vai continuar com os mesmos problemas que sempre teve. Lá fora, já existe a percepção de que o país é muito perigoso e essa não é alterada pela morte de Terre ‘Blanche. Aliás, os jornais de hoje (quarta-feira) trazem a notícia de que muitos bilhetes enviados para o estrangeiro foram devolvidos à organização. Mas certamente que há muita gente que vai preferir ver o Mundial pela televisão.

(V) – Pensa que há alguma conexão entre o ressuscitar da canção com o refrão “morte ao bóer” entoada recentemente por Julius Malema, o líder juvenil do ANC, e a morte do líder do AWB?

(AT) – Qualquer assassinato é uma tragédia e este não foge à regra mas duvido que os dois jovens, um deles até era menor, tenham lido nos jornais o incitamento de Malema. Para mim estou em crer que foi um acto isolado, depois é claro há muito gente a pretender fazer aproveitamento político do acontecimento. O problema do Malema é que ele está a fazer declarações contrárias à maneira de pensar da grande maioria das pessoas deste país, e isso é que não é tolerável. Veja-se o que ele disse no passado fim-de-semana no Zimbabwe, ao defender uma reforma da terra para a África do Sul idêntica à do Zimbabwe.

(V) – Essas declarações no Zimbabwe poderão vir a acirrar os ânimos entre a comunidade branca?

(AT) – Desde que ele seja contrariado pelo partido não haverá problemas. Mas isso não se está a verificar. O próprio ANC já veio desvalorizar estas afirmações dizendo que mesmo o Mandela quando era jovem fazia pronunciamentos do género e depois acabou por ser um grande líder. Mas a verdade é que estas deslocações são pagas pelo partido e Malema fala em nome do partido, dizendo que está a estudar alternativas para as nacionalizações na África do Sul.

(V) – Jacob Zuma tem poder no partido para refrear o discurso de Malema?

(AT) – Zuma deveria levantar este problema no interior do partido e resolvê-lo de uma vez por todas. Ou será que Zuma estará discretamente a apoiar essa linha política? Isto é uma luta dentro do partido entre a ala esquerdista e a ala pragmática, tecnocrata. É certo que são visões diferentes da política de desenvolvimento para o país só que, para as pessoas responsáveis e para a grande maioria dos sul-africanos, não há simpatia pelas políticas levadas a cabo no Zimbabwe que levaram o país à ruína. Aliás, Moçambique também seguiu essas políticas no final dos anos ´70 e ´80 e hoje ninguém quer voltar a essa época.

(V) – O que deve o Governo fazer imediatamente para tranquilizar as expectativas da comunidade internacional em relação ao Mundial?

(AT) – É possível que a polícia detenha alguns indivíduos acusados de simpatizar com a desestabilização, fazendo uma demonstração de força com o objectivo de fazer ver ao exterior que tem a situação controlada. Mas não estou a ver qualquer grupo mais radical com força suficiente para levar a cabo uma acção de grande desestabilização. O que existe é um mal-estar em grande parte da população branca facto que pode propiciar actos desesperados.

(V) – O Mundial poderá fracassar no que diz respeito ao público visitante?

(AT) – Acho que não. Vai ser uma grande festa. O mundo está atento e está a oferecer os seus préstimos aos órgãos de segurança públicos, enviando equipas especializadas dos EUA, da Alemanha, da França para um trabalho preventivo.

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