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Maestro que criou a ópera da Virgínia encena ópera em Maputo

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Fundador da ópera da Virgínia e da Aliança Internacional de Ópera, professor de ópera e de Masterclass, Peter Mark fala ao @Verdade sobre como a música clássica pode inspirar o povo, conta-nos como em uma semana ensaiou uma ópera com dançarinos e coristas moçambicanos e de como foi convencido a vir a África, pela primeira vez, participar no Festival Internacional de Música de Maputo.Termina deixando a sua receita para o futuro da música clássica em Moçambique.

@Verdade – A música clássica é para elites ou para o povo?

Peter Mark (PM) – A música é uma linguagem universal, a música fala na realidade com todos, porém a música popular é mais entendida por todos mas apenas por que é distribuída comercialmente e por isso é mais fácil ter acesso a ela. A música surge de duas maneiras: primeiro como uma experiência religiosa, para envolver o espírito, e a outra é dançar a música e estas são as duas razões da música. Palavras não podem exprimir aquilo que a música pode expressar em termos de sentimento, em termos de coração, em termos de emoções, as pessoas expressam-se em música. Repare que todos apreciam um pedaço de pão, neste caso a música popular seria o pão, mas às vezes é bom pôr alguma coisa no pão, manteiga, queijo, fiambre, entre outros condimentos, e isso é que representa a música clássica, o condimento extra no pão.

@Verdade – Como é que surgiu a oportunidade de vir a Moçambique participar na edição de 2009 do Festival de Música de Maputo?

PM – Moira Forjaz, que é a líder do festival, conhecia algumas das pessoas que participaram num festival por ela organizado em Portugal e que também são meus amigos, aproveitaram a estada dela em 2008 em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, para a convidar a ir a uma das minhas apresentações. Moira viu algumas coisas que a impressionaram e pensou que: primeiro, os artistas eram extraordinários na actuação e pareciam estrelas de cinema, eram muitos belos para os habituais cantores de ópera; segundo, ela gostou do facto de antes da apresentação eu fazer uma breve introdução à plateia sobre o que iriam ver, tal como tenho feito aqui no Festival de Maputo; e em terceiro, ela foi a uma masterclass onde eu trabalhava com um cantor e viu que com algum trabalho de direcção eu conseguia fazer grandes transformações na voz dele. E isso era o que ela queria para os cantores aqui de Moçambique. 

Não que eu viesse apenas para apresentar músicos conceituados de fora mas também trabalhar com os moçambicanos e ajudá-los a trabalhar as suas vozes, porque existem vários com boas vozes, alguns com as noções básicas outros com treino mas falta-lhes alguma direcção para saber usar as suas vozes. Isso é uma das coisas que eu faço com os cantores com quem trabalho na América, porque, como maestro, eu tenho ajudado várias pessoas a educarem as vozes. E ela convidou-me a vir ao Festival de Maputo.E eu vim com Joe – Joe Walsh é maestro adjunto da ópera da Virgínia e em 2009 dirigiu a interpretação da ópera “La Traviata” que os Majescoral fizeram na 5ª edição do Festival. Este ano decidimos fazer uma produção maior, Porgy e Bess, ninguém acreditou que fôssemos conseguir. Habitualmente na América esta ópera é ensaiada durante 3 semanas no mínimo. Moira trouxe-me um grupo de cantores e dançarinos moçambicanos e eu trabalhei com eles durante apenas uma semana para desenvolver esta ópera que é muito detalhada, o resultado puderam apreciar no Teatro Avenida. Fantástico! Acredito que nunca terão visto nada igual em Moçambique.

{youtube}txSG7OJrDNQ{/youtube}@Verdade – O que lhe passou pela cabeça depois do convite de Moira para vir ao Festival de Maputo?

PM – Primeiro, tive de olhar para um mapa e procurar Maputo, sempre soube de existência de Moçambique. Sabia que era um país exótico, sabia que ficava no Oceano Índico mas não fazia ideia onde ficava Maputo. Eu nunca havia estado em África antes. Fiz muitas perguntas a Moira mas ela respondeu-as e fiquei convencido, porque gosto da missão dela. Com a ópera da Virgínia é igual no princípio poucos acreditavam que as pessoas iriam à ópera lá, começámos há mais de 3 décadas, crescemos e a partir do momento em que tivemos um coro local os espectadores vieram e foram aumentando.Tivemos de programar actuações que não estavam previstas.

@Verdade – Quando aterrou em Moçambique, pela primeira vez em África, quais foram as suas primeiras impressões?

PM – Adorei a arquitectura de vários edifícios, fiquei logo fascinado pelas pessoas, a comida. Visitei o Museu da Moeda e vi toda a história do país através das trocas comerciais que começaram há séculos. Depois estive na Fortaleza e vi as fotos da guerra através da arte, no Centro Cultural Franco-Moçambicano vi as esculturas feitas a partir de armas e depois li sobre a Guerra Civil que só acabou em 1992. Este país passou pelo período colonial, por uma guerra civil mas as pessoas são muito orgulhosas e honradas, é gente amigável e bondosa, com muita dignidade e um sorriso lindo.

{youtube}lZ2mulUzqks{/youtube}@Verdade – Como é que a música despertou em si?

PM – A minha mãe era música, ela tocava piano, e enquanto criança eu ficava por baixo do piano enquanto ela ensaiava. Quando ela saía do piano eu ia lá tentar imitá-la. Ela sentiu que eu gostava daquilo e pôs-se a dar-me lições, depois aprendi a tocar violino. Mais tarde, porque eu tinha uma boa voz e nós vivíamos em Nova Iorque, fui a uma audição e passei quatro anos a cantar como um soprano, tinha na altura 12 anos, ouvia as grandes vozes da altura que actuavam na Ópera de Nova Iorque e na Ópera Metropolitana da cidade, e fascinavam-me, ouvia-as e depois eu tentava imitá-las!

@Verdade – Os jovens moçambicanos com talento que tem estado a descobrir durante o Festival têm alguma hipótese real de progredirem na música clássica ou é um sonho irrealizável?

PM – Julgo que depende muito do processo de educação e treinamento, existem talentos aqui como em qualquer outro lugar no mundo. Um italiano foi para a Cidade do Cabo, na África do Sul, treinar cantores na língua zulu e nkosa que têm uma musicalidade similar ao italiano, conheço um dos seus alunos que hoje trabalha com a Ópera Metropolitana de Nova Iorque. Isto para dizer que hoje em dia algumas das melhores vozes vêm de países onde não há tradição, por exemplo, existem tenores mexicanos, chineses, Mariza é de Moçambique e tem uma voz belíssima não só para cantar fado.

@Verdade – Mas então os moçambicanos têm de encontrar uma forma de poderem estudar e treinar fora do país?

PM -Eles não precisam de ir estudar fora se alguém capacitado puder vir a Moçambique dar-lhes formação e treinamento durante um longo período, porque se eles forem para fora provavelmente não regressarão. Mas se eles forem treinados aqui e o povo puder apreciar o seu talento, a música clássica irá desenvolver-se e foi por isso que a Moira quis que eu viesse. Ela e outras pessoas que estão na organização do festival querem que este seja mais do que um momento em que artistas consagrados vêm actuar mas antes que ajudem a desenvolver a música clássica no país. Mas isto depende também das pessoas ligadas à Cultura que estão no Governo porque em vez de mandar uma ou duas pessoas estudar fora pode-se trazer uma de fora para ensinar e treinar muitos moçambicanos com potencial no país. Até na China existe uma política de selecção dos melhores estudantes em diferentes áreas e o Governo identifica-os e dá suporte à sua formação e educação. Isso também pode ser feito aqui.

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