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Licungo: o refúgio da população de Mocuba

Licungo: o refúgio da população de Mocuba

Na cidade de Mocuba, o acesso a água potável continua uma autêntica dor de cabeça para os habitantes. A urbe é um dos poucos pontos do território moçambicano serpenteados pelas grandes correntes de água doce às quais a população recorre para lavar a roupa e a loiça, tomar banho e ainda encher algumas vasilhas com vista a confeccionar alimentos nas suas casas. Entretanto, para o efeito, as raparigas, sobretudo, percorrem quilómetros para alcançarem o rio Licungo e os seus afluentes, a principal alternativa da população, e ignoram o perigo a que estão expostas devido à presença de crododilos.

Estima-se que cerca de 70 porcento dos habitantes de Mocuba consomem água daquele rio e dos seus afluentes. Diariamente, dezenas de miúdas, incluindo estudantes, deslocam-se para aquela corrente de água doce de modo a assegurarem a realização de actividades domésticas e de higiene.

Transportar a loiça, a roupa e outros pertences para o rio Licungo já é uma coisa comum para as raparigas e as donas de casa daquele ponto do país. Esta situação deve-se ao facto de o sistema de abastecimento de água potável ser deficitário. A empresa Águas de Mocuba, que administra o processo de abastecimento de água naquela circunscrição geográfica, não dispõe de recursos suficientes para fornecer o precioso líquido aos consumidores.

Os moradores da periferia de Mocuba também não têm água há bastante tempo. Os bairros Marmanelo e CFM são considerados os mais críticos pelo facto de não disporem de condutas para efeitos de abastecimento. Para aliviar o sofremento, alguns empresários abrem poços artesanais, o que despende avultadas somas de dinheiro porque são necessários no mínimo 12 metros de profundidade para se alcançar o lençol freático.

A referida água, assim como a do rio Licungo, é consumida sem nenhum tratamento. Segundo apurámos de alguns nativos da região, no Verão o drama da falta de água é maior em virtude da secagem dos poços artesanais e, por conseguinte, o grosso da população acotovela-se nas margens do rio Licungo, onde enquanto algumas pessoas lavam a roupa, outras tomam banho e outras ainda lavam a loiça e enchem bidons. Independentemente da época do ano, aquela corrente de água nunca seca, registando apenas a redução do seu caudal.

Juma Januário, de 15 anos de idade, residente no bairro Marmanelo, frequenta a 10ª classe na Escola Secundária Pré-Universitária de Mocuba e é filha de uma família de baixa renda. Ela disse ao @Verdade que é a única mulher e os seus dois irmãos são muito novos. Naquela comunidade a tradição determina que as raparigas são responsáveis pelos trabalhos domésticos. Para além de outros deveres de casa, às 04h:30 a miúda dirige-se ao rio para obter água. A sua residência dista cinco quilómetros do rio Licungo, onde lava a loiça usada no jantar do dia anterior, algumas peças de roupa e toma banho para poder ir à escola.

Mergulhada num mar de incertezas, numa região onde o acesso a água potável é um verdadeiro calvário, Juma faz o mesmo exercício percorrendo a distância que vai do rio à sua casa, mas desta vez com mais carga: uma lata do precioso líquido à cabeça, pratos e roupa. “A falta de água no nosso município tende a agravar-se. Porém, devido ao constante crescimento da população, as margens do rio Licungo, que é a nossa fonte de sobrevivência, abarrotam de gente, incluido vários alunos dos dois estabelecimentos”.

O drama repete-se no dia-a-dia de Alzira Guilherme, de 21 anos de idade, mãe de um menor, também, estudante da 10ª classe no período pós-laboral. A moça vive no bairro Marmanelo mas tem a sorte de o seu domicílio estar a três quilómetros do rio. “A falta de água deixa toda a rapariga de Mocuba agastada. Recorremos ao rio e aos poços tradicionais para obter este líquido mas há épocas em que a seca faz com que o caudal do rio reduza e a procura torna-se maior”.

Aliás, em Mocuba acredita-se que as mulheres têm estatura baixa devido ao facto de levarem latas de água constantemente à cabeça. Há casos em que a altura de algumas miúdas não vai para além de 1,2 metro. Refira-se que no período chuvoso o rio em alusão transborda e causa estragos, mormente nos distritos de Mocuba, da Maganja da Costa e de Namacurra.

Homens não escapam

Na cidade de Mocuba funcionam a Faculdade de Engenharia Agronómica e Florestal (FEAF) da Universidade Zambeze (UniZambeze) e a Escola Secundária Pré-Universitária de Mocuba. Quando o assunto é falta de água os alunos do sexo masculino, na sua maioria provenientes de vários pontos do país, também não ficam isentos de percorrer longas distâncias.

Arsénio Reis é um dos instruendos que vivem no lar daquele estabelecimento de ensino secundário há vários anos. Ele disse ao @Verdade que o tanque de água da sua escola não cobre as necessidades dos alunos e lembra-se dos momentos críticos que passou à procura do precioso líquido.

Houve dias em que se tomava banho ao fim da tarde para, do dia seguinte, de manhã, se ir à escola sem se ter feito a higiene individual. Segundo o nosso entrevistado, os atrasos por parte dos alunos reduziram-se porque, antes de irem às aulas, não se fazem ao rio nas primeiras horas do dia.

Defecação a céu aberto

De há uns tempos a esta parte, as margens do rio Licungo estão a servir de locais de defecação a céu aberto. Tal acto é protagonizado pelos moradores que, numa autêntica demostração de má-fé e de falta de higiene, fazem necessidades maiores nas proximidade daquela corrente de água doce, à qual recorrem para minimizarem a crise do precioso líquido a que estão sujeitas. Alguns moradores receiam que haja eclosão de doenças tais como diarreias e cóleras.

Os crocodilos

No rio Licungo, no posto administrativo de Nante, abundam crocodilos. Anualmente, dezenas de pessoas são vítimas de ataques daqueles répteis carnívoros e bastante vorazes. Devido ao facto, algumas pessoas acreditam que os animais em causa têm a ver também com acções de magia negra, porque eles devoram apenas os órgãos genitais das suas presas e o resto do corpo permanece intacto.

Há registos de pessoas que foram atacadas quando se encontravam a tomar banho e arrastadas para o fundo da água onde supostamente existe uma gruta. Em alguns casos o pior não aconteceu devido à rápida intervenção dos agentes do Corpo de Salvação Pública. No ano passado, um adoleste de 17 anos de idade, por exemplo, foi morto pelos répteis quando se encontrava a pescar naquele rio, na companhia da sua mãe.

Os restos mortais foram localizados dois dias depois da desgraça em resultado de buscas intensas. No mesmo local, um jovem de 30 de idades, identificado pelo nome de Alfredo Nunes Pareie, perdeu o braço quando pretendia atravessar o rio. De referir que no rio Nipiode, no posto administrativo de de Bajone, há igualmente relatos de ataques de crocodilos.

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