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Lacunas da Lei do Ambiente

O Centro Terra Viva (CTV) lançou, recentemente, a primeira edição do Relatório de Monitoria da Boa Governação Ambiental. O documento, de 356 páginas, aborda, entre outros aspectos, a qualidade do quadro jurídico- ambiental. O objectivo é, diz o documento, “aferir até que ponto o actual quadro jurídico-legal sobre ambiente e recursos naturais possui a qualidade necessária que permita uma efectiva tutela dos bens jurídicos protegidos”.

Um marco importante para o país, no que diz respeito ao quadro jurídico ambiental, foi a Conferência das Nações sobre Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992.

Foi, portanto, a partir dessa data que se desenvolveu “um considerável acervo legislativo no domínio do ambiente e recursos naturais, desde a Constituição da República (2004), passando por um conjunto de convenções e protocolos internacionais, culminando nos diversos instrumentos legislativos ordinários, entre Leis da Assembleia da República (destaque para as Leis do Ambiente, da Terra, de Florestas e Fauna Bravia e do Ordenamento do Território), Decretos e Resoluções do Governo e Diplomas emitidos pelos vários Ministérios com atribuições e competências relevantes”.

Contudo, “apesar da existência de um certo consenso sobre a qualidade do quadro jurídico-ambiental, não é menos verdade que ainda existem algumas zonas de penumbra, imprecisões ou procedimentos que precisam de ser clarificados, sem descurar o problema da incipiente capacidade de implementação das políticas e da legislação aprovadas”.

Ainda assim, o documento considera que “o país dispõe, actualmente, de um quadro jurídico-legal ambiental que se pode considerar actual, significativo, abrangente, adequado e diversificado, focando variados aspectos na problemática ambiental.”

Embora o estudo considere que a Lei do Ambiente permanece, em termos gerais, adequada em relação à problemática ambiental do país, a mesma não prevê, no entanto, a questão das mudanças climáticas, que não receberam alusão directa no texto legal, salvo o facto de possuírem relação com outros conceitos previstos, como são os casos da desertificação e da degradação do ambiente82, constantes da lista de noções prevista no artigo 1 da Lei do Ambiente.

Destaque da Lei do Ambiente

No que diz respeito a regulamentação, o estudo refere que é preciso “destacar um assinalável esforço por parte do Governo moçambicano, traduzido na aprovação de um conjunto importante de regulamentos sobre as bases legalmente definidas pela Assembleia da República”.

Destacam-se, portanto, o Regulamento sobre a Gestão dos Lixos Biomédicos (aprovado pelo Decreto no 8/2003, de 18 de Fevereiro), o Regulamento sobre Padrões de Qualidade Ambiental e de Emissão de Efluentes (aprovado pelo Decreto nº 18/2004, de 2 de Junho), o Regulamento sobre a Gestão de Resíduos (aprovado pelo Decreto nº 13/2006, de 15 de Junho), o Regulamento sobre Prevenção da Poluição e Protecção do Ambiente Marinho e Costeiro (aprovado pelo Decreto n° 45/2006, de 30 de Novembro), na parte que diz respeito à poluição, o Regulamento sobre a Gestão das Substâncias que Destroem a Camada de Ozono (aprovado pelo Decreto n° 24/2008, de 1 de Julho) e o Regulamento sobre a Proibição do Amianto (aprovado pelo Decreto n° 55/2010, de 22 de Novembro).

O Capítulo IV da Lei do Ambiente, alusivo às medidas especiais de protecção (e que integra temas como protecção do património ambiental, protecção da biodiversidade, áreas de protecção ambiental e implantação de infra-estruturas), já foi alvo dos seguintes instrumentos regulamentadores:

o Regulamento sobre a Biossegurança relativa à Gestão de Organismos Geneticamente Modificados (aprovado pelo Decreto nº 6/2007, de 25 de Abril de 2007), o Regulamento sobre Acesso e Partilha de Benefícios Provenientes de Recursos Genéticos e Conhecimento Tradicional Associado (aprovado pelo Decreto nº 19/2007, de 9 de Agosto) e o Regulamento para o Controlo de Espécies Exóticas Invasoras (aprovado pelo Decreto nº 25/2008, de 1 de Julho) e ainda o acima citado Regulamento sobre Prevenção da Poluição e Protecção do Ambiente Marinho e Costeiro (aprovado pelo Decreto n° 45/2006, de 30 de Novembro), no tocante à protecção da biodiversi- dade marinha e costeira, bem como à implantação de infra-estruturas na zona costeira.

Aspectos por regulamentar

O estudo constatou a necessidade segundo a qual “importa atender à poluição do meio”, pois, apesar do facto de este problema possuir imensa legislação a mesma não tem sido eficaz. Na mesma linha conclui que é preciso olhar para a poluição dos solos, incluindo a sonora “que goza ainda de uma total desregulamentação”, ainda que existam posturas municipais sobre poluição sonora.

Porém, as mesmas centram-se “unicamente na definição de horas de encerramento para os estabelecimentos de diversão nocturna, deixando de parte muitas outras fontes de ruído, algumas requerendo cuidados”.

Por outro lado, no capítulo das medidas de protecção especial, importa reforçar as normas de protecção da biodiversidade, atendendo às espécies que não mereceram atenção alguma ou cuja atenção está aquém do real valor das mesmas, mas também à re-categorização das áreas de protecção ambiental, que aguardam a aprovação de uma nova Lei de Conservação e consequente regulamentação, reflectindo o conteúdo da Política e Estratégia de Conservação.

Não menos importante, o estudo julga urgente “regulamentar o artigo 22 da Lei do Ambiente, alusivo à definição de meios processuais adequados para o acesso à justiça ambiental”.

Até porque “depois da aprovação da nova Constituição de 2004, que prevê a figura do direito de acção popular enquanto mecanismo apropriado para a defesa de bens jurídicos de natureza difusa ou colectiva, incluindo o ambiente, torna-se crucial” regulamentar tal artigo “para facilitar o acesso à justiça sempre que estiverem em causa interesses/ valores que digam respeito a toda a colectividade”.

Assim, no seguimento da consagração constitucional do direito de acção popular, conjugado com o disposto no artigo 22 da Lei do Ambiente, decorre uma obrigação a cargo do legislador ordinário de fixar regras que facilitem o acesso dos cidadãos à justiça, através da previsão de mecanismos mais simples, acessíveis, céleres e eficazes.

No que diz respeito à responsabilidade civil, não se deu ainda seguimento à regulamentação do artigo 25, que versa sobre seguro da responsabilidade civil, nem do artigo 26, referente à responsabilidade objectiva. Esta lacuna, considera o documento, contribuiu para a inoperância do instituto da responsabilidade civil na reparação de danos ambientais.

Afinal, não só não existe qualquer obrigatoriedade advinda da legislação de efectuar o seguro de actividades que, pela sua natureza, dimensão ou localização, sejam susceptíveis de causar danos sérios ao ambiente, como também não se pode fazer uso da responsabilização independentemente de culpa (responsabilidade objectiva) por falta de regulamentação do disposto na Lei do Ambiente.

Ademais, verifica-se que não houve seguimento ao disposto no artigo 27 da Lei do Ambiente, segundo o qual “As infracções de carácter criminal, bem como as contravenções relativas ao ambiente, são objecto de previsão em legislação específica”.

Se, no caso das contravenções, muito trabalho foi feito ao nível da regulamentação da Lei, havendo já um quadro sancionatório significativo, nada ocorreu no capítulo da previsão de crimes ambientais, não obstante determinados comportamentos ofenderem séria e gravemente o bem jurídico ambiente, com dignidade jurídico-constitucional, e merecerem, há muito, o estatuto de ofensas penais. Porém, não se deu qualquer passo significativo na criação de uma lei sobre Crimes Ambientais ou, pelo menos, na introdução de crimes ambientais no Código Penal em vigor.

Por fim, não se procedeu, até ao momento, à regulamentação do artigo 31 da Lei do Ambiente, segundo o qual compete ao Governo “criar incentivos económicos ou de outra natureza com vista a encorajar a utilização de tecnologias e processos produtivos ambientalmente sãos”.

Esta norma carece igualmente de regulamentação, que é fundamental para a emergência e generalização de empresas que adiram a práticas ambientalmente sustentáveis.

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