Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

Kerygma: Imagem bélica

Eu gosto muito de ver televisão – aquela arma que sufoca o barulho educador no seio de muitas famílias. Gasto, quase, metade do dia a ver televisão. Costumo, em forma de defesa, dizer a seguinte verdade: Cresci sem esse aparelho em casa e para ver televisão tinha de ir ao círculo do bairro para ver alguma novela brasileira ou uma película chinesa.

Essa é a verdade. Para ver aquela fita dos três putinhos – aqueles três meninos chineses que batiam nas pessoas mais velhas – era preciso percorrer quilómetros. Quando os nossos irmãos, os madjermanes, regressados da ex-RDA (República Democrática Alemã), chegaram a Moçambique, os aparelhos de televisão inundaram a Pérola do Índico. De lá para cá esse aparelho deixou de ser novidade.

Até pode ser adquirido por qualquer um. Além do mais, existem as tais parabólicas que nos ampliam as possibilidades de ver outras coisas do mundo. E, por defeito com gotas de nepotismo, discutimos emigração do sinal analógico para o digital. Os moralistas dizem que a televisão é ruim. É, repito, aquela arma que sufoca o barulho educador no seio de muitas famílias.

Gasto, quase, metade do dia a ver televisão. Os conteúdos que passam nas nossas televisões são de baixo nível e, sem nos apercebermos, abrasileiramo-nos por causa das novelas. Os radicais não vêem televisão e chamam tolos os que estão todos os dias em frente daquele aparelho. Então, eu sou tolo. Os que gostam dela, como eu, acham-na um aparelho mágico porque nos conecta a outras realidades.

A televisão possibilita novos olhares pedagógicos e ajuda a perceber o que acontece noutras latitudes. De tanto gostar de televisão não durmo sem ver um filme. Ontem, cumpri com satisfação a minha rotina televisiva. Por volta das vinte e duas horas, uma das televisões moçambicanas surpreendeu-me ao transmitir o “O Expatriado”. O filme é realizado por Philipp Stölzl. Os actores principais são Aaron Eckhart, Liana Libareto, Eric Godon, Garrick Hagon e Kate Linder.

O filme tem uma linguagem americanizada. Um agente secreto da CIA (Agência Internacional de Inteligência/Americana) que depois de duas dezenas de anos decide procurar outra forma de vida, mas o seu passado – de vindimo – persegue-o. Traição, pistolas, mortes, ‘dossiers’ quentes, carros blindados, mulheres bonitas, tecnologia e exibição do sistema de segurança de que os americanos se gabam por possuir. Porém, numa das passagens do filme, figura o nome de Moçambique como um destino de armamento para fomentar guerras étnicas em África.

Em “O Expatriado”, mesmo sendo um filme de ficção, não consegui digerir aquele trecho porque colocava o nome do meu país num contexto de sujeira com um só propósito: “Moçambique é um país adepto de sangue”.

Senti-me um patriota com vontade de quebrar o televisor. Depois de fumar um ‘jalapão’ e de sorver um copo de água, continuei a ver o filme. Percebi o contexto de se colocar o nome de Moçambique naquele fragmento. Porém, isso fez-me lembrar de um outro filme em que se coloca o nome de Moçambique na rota do tráfico de armas.

Chama-se “O Senhor da Guerra”, dirigido por Andrew Nicool, onde os actores principais são Nicolas Cage, Ethan Hawke, Jared Leto e Bridget Moyanahan. Até no filme “Johnny English II”, onde o comediante Mr. Been satiriza o espião 007, fala-se de Moçambique como um dos lugares onde se urdiu o roubo das jóias da coroa britânica. Estes três exemplos bastam para irritar a nossa auto-estima.

Quando “O Expatriado” terminou, a primeira ideia que me ocorreu foi a seguinte: Há uma tendência de denegrir a imagem de Moçambique nos filmes americanos. Moçambique é, na visão de Hollywood, associado à guerra, ao tráfico de armas e fomentador, noutras regiões de África, de genocídio.

Porém, não há nada de inocente nessas películas tomando como exemplo alguns acontecimentos como a apreensão de armas em Nampula, a captura de MIGs em território onde estiveram os madjermanes, a montagem de carros blindados e o direito de porte de armas dos deputados. Será que o representante do povo precisa de andar com uma pistola?

Apoquentado com aquele pensamento liguei para a minha amiga Enedina e desabafei. Depois de me ouvir a ventilar, ela gozou comigo: “Dá nisso andar a ver muita televisão”. A provocação não fez nenhum efeito em mim. “Mas isso pode ter a sua razão de ser”, continuou ela.

“Olha que nós temos uma arma na nossa bandeira; até há mais armas que transporte público”. Depois daquela verdade não quis ouvir mais nada e desliguei o telefone. A minha amiga baiana pode estar certa. Os manos de Hollywood devem ter descoberto o que a nossa bandeira possui de ruim: uma arma, AK-47 (Avtomat Kalashnikova Obraztsa 1947 Goda).

“O Expatriado” fez-me procurar culpados da imagem que o meu país está a ter no mundo. Primeiro culpei a minha teimosia. Depois culpei a televisão. Mas depois de rever a culpabilidade da minha culpa – a repetição é propositada – culpei todos os moçambicanos. Porque temos de continuar com aquele instrumento de guerra na nossa bandeira? Estou consciente de que essa pergunta não é nova.

Ela já teve várias respostas e modelos de solução foram concebidos para mudarmos a imagem da nossa bandeira. Neste caso, sem tapar o sol com a peneira, para não queimarmos as mãos, a culpa é nossa. Sim, a culpa dessa imagem pejorativa, de armas e do pensamento bélico é de todos nós. Eu continuarei a ver televisão até ao dia em que mudarmos essa imagem que temos no mundo.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts

error: Content is protected !!