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“Há poucas mulheres na comunicação social”

Moçambique ainda está longe de cumprir as metas estabelecidas pelo Protocolo da SADC sobre Género e Desenvolvimento, que determina, num dos seus capítulos, que até 2015 todos os estados membros desta região devem garantir a promoção e a representação equitativa entre homens e mulheres na propriedade e nas estruturas de tomada de decisão nos media.

Esta é a opinião da directora executiva da Associação da Mulher na Comunicação Social, Palmira Velasco, que considera que esta situação se deve às precárias condições de trabalho que são oferecidas à mulher nos órgãos de comunicação social. Para além de trabalhar na luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, esta organização dedica-se também à divulgação de leis nas comunidades em línguas locais porque, segundo a nossa entrevistada, o Estado não está interessado em fazê-lo.

“O Estado eximiu-se do seu papel, das suas responsabilidades. É por isso que muitas organizações não governamentais tomaram a iniciativa de fazer a divulgação das leis até que o Estado tenha consciência da necessidade de fazer com que as pessoas conheçam os instrumentos legais do nosso país. Sentimos que o Estado não tem vontade de o fazer, não é por falta de condições”.

@Verdade – O que é a Associação da Mulher na Comunicação Social? Palmira Velasco

(PV) – A Associação da Mulher na Comunicação Social é uma organização de mulheres que trabalham nos órgãos de informação, nomeadamente jornalistas, fotógrafas, operadoras, locutoras, arquivistas, produtoras, entre outras. Foi criada em 1998 como núcleo de mulheres na comunicação social e foi oficializada em 2000. Ela surge como instrumento de luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres e pela mudança da imagem negativa da mulher veiculada pelos órgãos de informação no país. É também um meio usado para informar as mulheres nas zonas rurais sobre os seus direitos e deveres e os mecanismos que devem seguir em caso de necessidade de recurso às instâncias jurídicas. Fazemos parte da Aliança para a Lei da Família, aprovada pelo Governo em 2004, para além de trabalharmos em parceria com outras associações femininas moçambicanas.

@V – O que esteve por detrás da ideia de se criar uma organização virada para a defesa dos direitos da mulher na comunicação social?

PV – Antes da criação da organização, um trabalho de debate e levantamento da situação da mulher neste sector foi feito à medida que se fazia o rol das necessidades para se atingir a igualdade de direitos e oportunidades entre profissionais de ambos os sexos na área de informação em Moçambique.

Vários problemas foram encontrados, nomeadamente diferenças de tratamento entre profissionais de ambos os sexos, com igual formação académica, profissional e mesmas capacidades. Também se constatou que raras vezes as mulheres neste sector beneficiam de formação profissional e, porque o salário está directamente ligado à progressão na carreira, têm consequentemente um salário baixo. Por um lado, a Imprensa, regra geral, veicula uma imagem distorcida da mulher no processo de desenvolvimento.

Estatísticas indicam que mais de metade da população moçambicana é analfabeta, e desta a mulher é a maioria e é ela que participa na área da agricultura, sector básico para o desenvolvimento. Neste sentido, milhares de mulheres não sabem ler nem escrever na língua portuguesa e a informação é difundida, regra geral, em língua oficial portuguesa, o que priva a mulher do acesso ao que se passa à sua volta e no mundo.

Também é sabido que a mulher, sobretudo nas zonas periurbanas e rurais não conhece a lei e ignora, inclusive, aqueles dispositivos que lhe dizem respeito. Foi na sequência destas e de outras questões que a AMCS foi criada, como um instrumento de luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres em Moçambique e pela mudança da imagem negativa veiculada pelos media no país.

@V – Quais foram os objectivos que nortearam a sua criação?

PV – Numa primeira fase, a Associação da Mulher na Comunicação Social foi criada para ajudar a mulher na comunicação social, e noutras áreas, a lutar contra as desigualdades de oportunidade e de género, e difundir os seus direitos. Mas o principal foco era a luta pelo equilíbrio nas carreiras. Hoje, estamos mais empenhadas na divulgação dos direitos da mulher no geral.

Os outros objectivos da organização são: promoção e fortalecimento do papel da mulher nos órgãos de comunicação social para o desenvolvimento das comunidades marginalizadas através do uso dos meios de comunicação social e de tecnologias de informação; lutar contra todas as formas de discriminação contra a mulher na comunicação social; lutar para o estabelecimento de relações de género equilibradas na comunicação social; promover um maior envolvimento da mulher na comunicação social e nas actividades socioprofissionais; defender os interesses específicos da mulher jornalista e de outras profissionais da comunicação social; promover a elevação do nível académico e profissional da mulher da e na comunicação social; e incentivar a participação de um número de jovens mulheres nas diferentes especialidades da comunicação social.

@V – Mas a mulher na comunicação social (continua a) enfrenta(r) outros problemas, de índole social…

PV – Pois. Por isso temos também como foco a sensibilização da sociedade moçambicana através de programas educativos, de modo a mudar a mentalidade em relação ao papel da mulher no desenvolvimento do país, promovendo o estatuto da mulher e lutando contra a violência doméstica e a discriminação baseada no sexo, em todos os sectores de actividade. Informamos as mulheres nas zonas rurais sobre os seus direitos e deveres, os mecanismos que devem seguir em caso de necessidade de recurso às instâncias jurídicas.

@V – Qual é o meio ou mecanismo que a AMCS usa para divulgar os direitos da mulher?

PV – Nós temos a Rádio N’thyiana (93.5 FM), que tem programas ligados a essa vertente. É importante referir que esta é a primeira rádio comunitária feita por mulheres e destinada a elas. Ela tem servido para a radiodifusão de actividades de lobby e divulgação de vários programas relacionados com os direitos humanos, género, VIH/SIDA, saúde da mulher, programas de desenvolvimento, voz da comunidade, debates, entrevistas, etc.

A Rádio N’thyiana já criou, desde 2004, diversos clubes de escuta na província e cidade de Maputo. Também organizamos formações nas áreas de género, eleições, entre outras. Estas iniciativas são destinadas às comunidades e à mulher na comunicação social, com destaque para a que está nas rádios comunitárias.

@V – O que são e em que consistem os clubes de escuta?

PV – Os clubes de escuta consistem na criação de grupos constituídos maioritariamente por mulheres que recebem, da Associação da Mulher na Comunicação Social, rádio-gravadores, cassetes e pilhas. Elas debatem os problemas que afectam as suas comunidades e gravam em cassetes que posteriormente são recolhidas para a produção de programas radiofónicos.

 

“O machismo continua a falar mais alto”

@V – De 1998, ano em que foi criada a organização, a esta parte sentem que algo mudou no que diz respeito à presença da mulher na comunicação social?

PV – Claro, muita coisa mudou. Sentimos que crescemos. Na altura em que criámos a Associação da Mulher na Comunicação Social havia poucas mulheres nesta área. Algumas desistiram. Hoje, há muitas, apesar de o número estar aquém do desejável. O número de mulheres é inferior em relação ao do homem.

@V – A que se deve esta disparidade?

PV – Deve-se a questões culturais e sociais. O machismo continua a falar mais alto. Ainda é forte. Deve-se, também, às precárias condições de trabalho oferecidas à mulher. Por exemplo, a questão do horário: só há hora de entrada, e não de saída. É necessário ter em conta que ela, para além de ser profissional da comunicação social, é mãe, esposa e dona de casa. Fundamentalmente, a falta de apoio nas redacções tem estado por detrás desta situação. Eu trabalhei numa altura em que os colegas nos apoiavam. Hoje o ambiente da redacção é masculino.

@V – Como inverter esta situação?

PV – Todos temos de mudar de mentalidade. Urge a participação e empenho de todos para inverter este cenário. É necessário, também, definir políticas e regulamentos para estabelecer regras neste sector.

@V – Há quem diga que a mulher não está em altura de competir com o homem nesta área…

PV – Não é verdade. A mulher está em altura e preparada para ombrear com o homem. Hoje temos vários exemplos, mesmo em órgãos públicos. Na Rádio Moçambique temos a Jacinta Nhamitambo que faz a cobertura das actividades do Parlamento. Na Televisão de Moçambique temos muitas colegas que até apresentam os principais serviços noticiosos. As mulheres são capazes!

@V – Moçambique é signatário do Protocolo sobre Género e Desenvolvimento da SADC, que, dentre outros pontos, determina que as mulheres devem estar, até 2015, representadas em 50 porcento em todas as áreas, inclusive na comunicação social. Acha que o país irá alcançar esta meta?

PV – Não, Moçambique não vai conseguir alcançar esta meta. Pelo menos na área de comunicação social está muito atrasado.

@V – Que avaliação faz da cobertura feita pelos órgãos de comunicação em relação aos assuntos da mulher?

PV – Continuamos a sentir que os assuntos são reportados sem a observância do princípio do equilíbrio do género. Nos casos em que os assuntos da mulher são levantados, ela é retratada negativamente, menos quando se trata de uma mulher que esteja na política, líder,…

“O Estado não tem vontade de divulgar as leis”

@V – Para além da promoção dos direitos da mulher através da rádio, a organização está envolvida na divulgação de leis por meio de boletins…

PV – Sim. Nós estamos num subprograma denominado “Acesso à Informação”, que faz parte do projecto “AGIR”. É no âmbito desta iniciativa que fazemos a divulgação da Constituição da República e de outras leis em línguas locais. Fazemos isso com o objectivo de permitir que a mulher tenha acesso a elas. Notámos que as mulheres e as comunidades não conhecem os instrumentos legais em vigência no país. Há, inclusive, pessoas que vivem na cidade, letradas, que desconhecem as leis.

@V – Ao assumir a dianteira nesta questão (divulgação de leis) não estarão a usurpar o papel do Estado? Ou notaram que este não o tem cumprido como deve ser?

PV – O Estado eximiu-se do seu papel, das suas responsabilidades. É por isso que muitas organizações não governamentais tomaram a iniciativa de fazer a divulgação das leis até que o Estado tenha consciência da necessidade de fazer com que as pessoas conheçam os instrumentos legais do nosso país. Sentimos que o Estado não tem vontade de o fazer, não é por falta de condições.

@V – Qual tem sido o feedback?

PV – É positivo. As pessoas gostam. As comunidades pedem que voltemos com mais material, mas já não é possível. Não temos capacidade financeira para fazer mais do que temos feito.

@V – O Estado reconhece o vosso papel? Nunca demonstrou vontade de participar nesta iniciativa?

PV – O Estado, em nenhum momento, vai alocar fundos à nossa organização para que possamos continuar com esta iniciativa. Mas pelo menos há-de ver e sentir que há organizações que lutam para levar as leis às comunidades. O mais caricato é que há instituições ligadas ao Estado que já se aproximaram de nós para que trabalhássemos em parceria. Temos o caso do Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ).

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