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Há aflição na terra da Mwany

Há aflição na terra da Mwany

Por mérito da desintermediação gerada pela Internet, a curta-metragem Mwany (protagonizada pela pedagoga musical moçambicana, Sónia André, abordando África, a mulher africana e a interculturalidade entre o nosso continente e o Brasil) chega-nos em jeito de salpicos, via YouTube, para aguçar a nossa curiosidade – o que só nos aflige. Será que a veremos ainda neste ano?

Por diversos motivos os filhos da terra onde se inspira Mwany, Moçambique, estão aflitos. A ansiedade, esta vontade de saber, também aflige. E de há uns tempos para cá, desde quando o realizador alagoano, Nivaldo Vasconcelos, decidiu criar e projectar no Brasil a referida curta-metragem, a informação que se gera sobre a mesma transmitiu-se noutras partes, incluindo o nosso país.

E como, por cá, também há apreciadores de cinema, muitos dos quais estão atentos a Mwany, desde quando a ideia de torná-la filme nasceu. Por isso, embora em jeito de espiral de silêncio, esta pergunta ganhou sentido: Quando é que veremos a curta-metragem Mwany? Esta matéria, adaptada de alguns textos publicados em blogues brasileiros de especialidade, não responde a esta questão, mas traz o pensamento de quem viu a obra. Sabe- se, no entanto, que há limitações de natureza económica – da parte de Moçambique – para que, finalmente, se veja Mwany em Maputo.

As exibições

No Brasil, o filme Mwany foi exibido, em estreia, no dia 12 de Setembro no SESC – Centro (Serviço Social do Comércio). Dois meses depois, em Outubro, apresentou-se a obra no segundo dia da Mostra Competitiva do Festival de Cinema Universitário de Penedo antes de, no sábado passado, o filme ser exposto na Mostra Sururu de Cinema Alagoano, onde, das 11 categorias de premiação, amealhou seis prémios, um dos quais consagra Sónia André como melhor actriz.

Além do mais, o filme recebeu o prémio de melhor curta- metragem, do Júri Oficial no 3º Festival de Cinema Universitário de Alagoas. Mas o que é Mwany? Provavelmente, essa seja uma das principais questões que os brasileiros apresentam – muito em particular, por causa da diferença linguística. Por essa razão, em texto postado no site http://graciliano. tnh1.com.br, Francisco Ribeiro toma o signo como ponto de partida, explicando que, na língua chopi, Mwany significa terra. Para si, nesta obra, “o elo entre Brasil e África é retratado poeticamente através da ligação entre a moçambicana que mora em Maceió, Sónia André, e o seu país de origem”.

Mwany

Recorde-se de que Sónia André se deslocou ao Brasil, com a filha Thandy da Conceição, na altura com apenas seis meses de idade, a fim de estudar música. Em resultando disso, percebe-se essa relação cultural e, se quisermos, intercultural da sua história como moçambicana com o estado brasileiro. Mas aqui interessa compreender o ponto de vista de Ricardo Lessa Filho, o crítico brasileiro de cinema, que encontra nesse filme uma perspectiva de fuga.

Diz ele que Sónia André, a figura central do documentário de Nivaldo Vasconcelos, é uma fugitiva no sentido em que deixou o seu país natal (Moçambique) para viver em Maceió, mas uma fugitiva (do)pelo corpo, jamais uma fugitiva da memória, da sua ontogenética, da sua história genealógica.

Partindo do pressuposto de Lessa Filho segundo o qual “Sónia é um ‘maelstrom’ do afecto, da lembrança dessa história, e é por isso que há em seu coração, sempre, a sensação de um duplo deslocamento: espacial e afectivo”, pode-se inferir que Sónia André é uma pessoa verdadeira que, por essa razão, os seus próximos conhecem, verdadeiramente, sem que ela forje ou orquestre a verdade sobre si.

“O verdadeiro espaço de Sónia jamais poderá ser substituído pelo tempo. E é um espaço, hoje, para ela inabitável enquanto estiver ‘presente’ em Maceió: porque esse ‘verdadeiro espaço’ é o chão africano, o solo de Moçambique”, considera Lessa Filho. Os factores identitários impregnados em Sónia André, como uma moçambicana, uma machopi, são outros elementos revelantes, por contribuírem para alguma aproximação, na construção social do outro ou da compreensão sobre o outro. Lessa Filho encontra no mussiro, uma loção abundantemente aplicada pelas ‘muthiana orera’ (ou simplesmente, mulheres bonitas em Nampula), um signo para compreender e interpretar essa mulher moçambicana.

Para si, a aplicação do mussiro no rosto por parte da mulher moçambicana, “é um acto cuja significação não pode ser somente ascendida como algo relacionado com a estética da pele (e talvez até seja a estética da pele, mas num sentido fenomenológico, bem mais profundo do que simplesmente o da beleza exterior), e sim como mais um acto de ‘recolocação’ da sua cultura no estrangeiro, da sua intimidade histórica relacionada com a terra natal e a origem”. Sabemos que Sónia André não se esqueceu, nem poderia esquecer- se, dos ‘minkulungwane’, o que chama júbilo africano, e que – em certos círculos da sua influência no Brasil – concorre para que lhe chamem “Mama África”.

Mas lá no Brasil, porque fisicamente distante da sua terra, desta África onde se encontra Moçambique, Sónia André é entendida por Lessa Filho como “essa ‘seiva que se funde com o sangue’, essa nação aberta, plural, cuja silhueta preenche (…) todas as possíveis lacunas do afecto pela distância familiar”. Fica a impressão de que a crítica de Ricardo Lessa Filho, divulgada em www.filmologia.com. br, é um dos mais elaborados sobre Mwany que até agora se publicou, sob o ponto de vista de que faz uma análise de Mwany como filme africano, sobre África e não necessariamente afro- -brasileiro.

Uma crítica favorável

No cinecasulofilia.blogspot. com.br há também algum apontamento sobre o filme Mwany. Por lá refutam-se os comentários segundo as quais este filme é desinteressante porque a sua protagonista nada tem de extraordinário que justifique essa produção. Além do facto de que “Mwany comprova o bom momento do cinema alagoano, que, nos últimos anos, vem mostrando alguns filmes e realizadores em processo de franco amadurecimento”, há que se vasculhar o seu mérito.

O editor de cinecasulofilia.blogspot.com.br considera que “a humanidade de Mwany está na forma como nos dá a ver o que é cultura, pois cultura são os modos de ser, o modo como se penteia o cabelo, como se enxagua uma roupa, como se sorri ou como se protege a pele”.

Nesse sentido, todo o singelo percurso de Mwany “é fazer com que nós espectadores também percebamos essa casa, ou ainda, essa terra, como um lar. E no final estamos do lado de dentro – espectadores, realizadores e personagens. Esse ponto de vista é que revela a humanidade do gesto de Mwany, de se aproximar do outro sem retoque de exotismo ou de vitimização das minorias”.

Há muitas questões em torno dessa produção cinematográfica – a partir da forma como Nivaldo Vasconcelos, o director da obra, se aproximou de Sónia André gerando a cumplicidade que contribuiu para o advento de Mwany – que só podem ser respondidas conversando-se com ambos. Fica esta promessa.

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