JAMAIS ESTEVE PELO DIÁLOGO, DEMOCRACIA E PAZ AQUELE QUE MANDA ATACAR MILITARMENTE A RESIDÊNCIA DO LÍDER DA OPOSIÇÃO E MEMBRO DE PLENO DIREITO DO CONSELHO DE ESTADO DE UM PAÍS SÉRIO…
Estava, no final da noite de ontem, a ouvir, pela Rádio Moçambique e muito apreensivamente, o Director Nacional da Política de Defesa e Segurança no Ministério da Defesa Nacional a anunciar triunfalmente que as Forças de Defesa e Segurança de Moçambique haviam tomado de assalto o lugar onde Afonso Dhlakama, líder do maior partido político na Oposição, havia fixado residência desde o ano passado, em Santungira. Apreensivo porque sempre pensei que Afonso Dhlakama fosse o segundo político mais importante deste país e, derivado dessa condição, gozar de tratamento especial sob toda e qualquer circunstância.
Com efeito, tal prerrogativa consubstancia-se pelo facto de ele ser o segundo candidato mais votado nas eleições presidenciais e gozar, à luz da Constituição, de imunidades e privilégios especiais. Ademais, Afonso Dhlakama não é um cidadão comum neste país e jamais o será: mais do que qualquer moçambicano ainda na política activa, foi o principal responsável pela assinatura dos Acordos Gerais de Paz, em 1992, que pôs fim à maior e mais mortífera guerra de que há memória neste país.
Num país pretensamente democrático e com as especificidades típicas de Moçambique – um sistema político vigente imposto pela força das armas e não por desenvolvimentos políticos convencionais – assistir ao pontapear discricionário de um legado histórico dessa dimensão por parte do regime no poder, 21 anos depois e por razões racionalmente não convincentes, oferece-nos um cenário não muito auspicioso para a paz que duramente nos custou a alcançar e a manter. As Forças de Defesa e Segurança não podem ser usadas para resolver impasses políticos. Não é essa a sua natureza e missão.
Os homens armados da Renamo são produto do consenso de Roma e devem ser analisados dentro desse contexto específico. O fim da guerra civil em Moçambique e a assinatura dos Acordos de Roma teve como uma das suas condições fundamentais a manutenção desta força militar da Renamo. Não podemos exigir hoje, no calor de um presumido racionalismo democrático convencional, que tal força seja desmantelada.
Moçambique não é os Estados Unidos da América, o Zimbabwe ou a Austrália. Temos as nossas especificidades e somos um exemplo de sucesso durante estes 21 anos de paz exactamente por mantermos tais especificidades. Armando Guebuza, como Presidente da República e Comandante em Chefe das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique, tem responsabilidades acrescidas na manutenção desse desiderato. As nossas forças armadas atacaram, destruíram e ocuparam a residência de Afonso Dhlakama sob seu conhecimento e autorização.
Parece-me um gesto de muita hipocrisia e sordidez o nosso Chefe de Estado aparecer publicamente, nas suas presidências abertas e em conferências de imprensa, a apelar ao diálogo e à paz quando, em última instância, autoriza um ataque armado à residência do seu mais importante oponente político, membro de pleno direito do seu próprio Conselho de Estado e uma figura incontornável para a manutenção da paz que ele paradoxalmente apregoa.
Por conseguinte, só a Armando Guebuza e seus subordinados mais directos na autorização e na operacionalização do ataque à Santungira é que deverão ser responsabilizados pelo “assassinato” do político Dhlakama, ontem, e pela ressurreição do “bandido armado” Dhlakama, de agora em diante.
Escrito por Edgar Kamikaze Barroso