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Governo prepara nova legislação sobre petróleo sem consulta pública

O Executivo de Armando Guebuza está a preparar, sem o conhecimento nem debate público, uma nova legislação sobre o petróleo para legalizar e regular as instalações de liquefação de gás natural a serem construídas no distrito de Palma, na província de Cabo Delgado, situação que é criticada pelo Centro de Integridade Pública (CIP), o qual receia, também, que não se realize qualquer consulta pública sobre a matéria.

Há um ano, o CIP criticou o Governo por causa do mesmo procedimento e considera incompreensível que a nova legislação sobre o petróleo limite-se até agora a um pequeno e restrito número de pessoas. “Mais uma vez, estão a ser tomadas decisões de grandes consequências para esta e futuras gerações, sem qualquer consulta pública.”

Segundo aquela entidade de promoção da boa governação, transparência e integridade, os termos que regem o maior investimento da História de Moçambique estão a ser negociados à porta fechada. “Obviamente, as negociações têm de ser confidenciais. Mas as decisões que afectam a sociedade e que afectarão o futuro do país, a longo prazo, estão a ser feitas sem qualquer discussão pública e sem nenhum debate no Parlamento.”

“Os termos para os 25 anos de produção de gás natural na bacia do Rovuma foram definidos nos Contratos de Concessão de Exploração e Produção de gás assinados em 2006. A distância em relação a potenciais mercados significa que o investimento só se justifica se a maior parte do gás for vendida como gás natural liquefeito (LNG, sigla inglesa).”

No outro desenvolvimento, o CIP refere que a escala de investimento para a construção de instalações de liquefação de gás natural em Palma é gigantesca. “As empresas que pretendem investir (Anadarko e ENI) precisam de fazer empréstimos de dezenas de biliões de dólares. A fim de aumentar a confiança dos potenciais bancos investidores, as empresas estão a pedir ao Governo que estabeleça as condições em que as instalações de produção de LNG serão construídas não sob um contrato normal, mas com base numa legislação aprovada pelo Parlamento.”

Sobre este assunto, a ministra dos Recursos Minerais, Esperança Bias, está esperançada que a legislação possa ser aprovada durante a presente sessão do Parlamento que termina em Julho. As consultas com as empresas foram concluídas e os relatórios indicam que os planos já estão bem desenvolvidos.

Estas negociações devem estar concluídas antes das empresas poderem tomar “decisões finais de investimento”. Nenhuma das empresas ainda tomou a decisão formal de desenvolver LNG em Moçambique e os relatórios do sector, cada vez mais sugerem que estas decisões não deverão ser tomadas antes de 2015.

“Obviamente, partes importantes destas negociações devem ser concluídas à porta fechada. E ninguém contesta que o Governo deve mover-se de forma expedita para garantir um bom resultado para os moçambicanos. Mas as decisões mais importantes devem ser abertas para discussão e debate público”, defende o CIP e levanta algumas das perguntas que considera mais importantes:

1. Que participação terá a ENH no projecto e como será financiado?

De acordo com os contratos EPC de 2006, a ENH tem o direito a uma participação de 10% a 15% no projecto do Rovuma. Existem várias maneiras em que a companhia petrolífera nacional pode participar do projecto do Rovuma. A recomendação do FMI foi que a ENH participasse nos campos de gás “offshore” (“upstream”: a principal fonte de lucros) e não nas unidades “onshore” de LNG (“mid-stream”: o principal destino para investimentos de capital).

Parece que o Governo optou por manter uma participação de capital tanto nos campos “offshore” como nas unidades “onshore” de LNG, aumentando incrivelmente o montante que a ENH terá de pedir emprestado para financiar a sua participação. Além disso, não houve nenhuma discussão pública sobre a potencial fonte de financiamento da ENH ou os termos que acompanharão o empréstimo, equivalente a talvez 20% do total do PIB do país.

2. Que papel a ENH-Logística tem no desenvolvimento das instalações de LNG e até que ponto o esforço de alargar este papel não estará a retardar o processo de negociação?

A ENH Logística, subsidiária integral da ENH, foi criada para capitalizar o investimento de biliões de dólares necessários para exportar o gás moçambicano. É absolutamente correcto que o Governo de Moçambique procure maximizar o seu papel no desenvolvimento dos nossos recursos naturais. Mas pouco se sabe sobre as operações da ENH. Como a empresa não submete relatórios anuais importantes ao Parlamento, é impossível saber se a ENH é boa administradora dos recursos que pertencem a todos os moçambicanos. Os relatórios sugerem que a ENH tem estado mais focada no posicionamento da sua empresa de logística (ENH-Logística) do que em obter um acordo sobre o desenvolvimento das instalações de produção de LNG.

3. Quais são os principais termos que o Governo oferece ao consórcio de empresas que se propõem desenvolver as instalações de LNG?

O negócio de gás “offshore” na bacia do Rovuma foi concluído em 2006. No entanto, serão necessárias alterações porque os campos de gás atravessam os limites entre as concessões da Anadarko e da ENI e devem, portanto, ser transformados em unidades. Como mostraram os relatórios do CIP no passado, as condições iniciais foram muito generosas para as empresas.

O Governo irá usar esta oportunidade para garantir uma parte mais justa dos lucros, ou serão feitas ainda mais concessões? Os contratos para “offshore” já existem mas o contrato e/ou legislação para as instalações de produção de LNG será inteiramente novo.

Mais uma vez, que condições estão agora a ser oferecidas? Relatórios sugerem que concessões significativas estão a ser oferecidas na condição de que as receitas do Governo comecem em 2019. Por que é tão importante para o Governo a data de início de 2019, e quanto estão dispostos a conceder a fim de obter isso?

4. Que mega-projectos irá o Governo priorizar no próximo Plano Director do Gás?

No início de 2013, o Governo publicou – “Rumo a um Plano Director do Gás em Moçambique” – um estudo detalhado sobre os potenciais usos do gás natural da bacia do Rovuma para além das exportações de LNG. A partir desta análise, um plano formal deveria ser seguido.

A principal questão é se o Governo deveria fornecer gás abaixo do valor de mercado para apoiar o desenvolvimento dos mega-projectos (como seja, fábricas de fertilizantes, metanol) juntamente com as instalações de produção de LNG. Pode ser que o desenvolvimento destes mega-projectos seja do interesse de Moçambique a longo prazo.

Mas a experiência inicial com mega-projectos indica que isso não é necessariamente verdade. Não houve consultas promovidas pelo Governo sobre o assunto. E ainda assim, de acordo com o presidente do Instituto Nacional de Petróleo (INP), “O Plano Director do Gás está na fase de negociação final” e deve ser apresentado ao Governo “dentro de um ou dois meses”.

5. Que condições gerais estão a ser oferecidas nos acordos de venda de gás não-vinculativos que a Anadarko concluiu recentemente?

O CIP está a preparar uma análise pormenorizada sobre os preços de LNG e seu potencial impacto sobre as receitas do Governo. O LNG moçambicano destina-se à Ásia, onde os preços têm sido tradicionalmente elevados, pois estão directamente ligados ao preço do petróleo bruto. A revolução do gás de xisto nos Estados Unidos da América desestruturou este padrão e os compradores asiáticos têm tentado quebrar a ligação com o petróleo, reduzindo o preço de venda do LNG.

Relatórios sugerem que o negócio da Anadarko, pela primeira vez, usou como referência as vendas de LNG na Ásia contra os preços de gás dos EUA, bem como do petróleo crude asiático. Todas as projecções de receitas do Governo para a bacia do Rovuma, publicamente reportadas, assumiram uma ligação directa aos preços do petróleo crude. Quais são as implicações de criar, também, uma ligação aos preços dos EUA para as receitas do Governo? Como ilustrado na análise do CIP do projecto da Sasol Petroleum Temane, os riscos para as receitas públicas podem ser também muito elevados, desde fórmulas injustas de preços bem como de maus termos fiscais.

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