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‘@Verdade EDITORIAL: Governar não é destino de ninguém

A derrota da Frelimo, nas eleições de Nampula, não carece de um estudo profundo para qualquer cidadão que atravesse a cortina de cimento e penetra nos bairros periféricos de Nampula. A explicação da abstenção e do voto a favor da oposição reside em cada rosto que deambula sem eira nem bem beira. A periferia de Nampula é uma espécie de cemitério de expectativas.

É como estar numa lixeira, no meio da imundície e de odores que trazem à memória temidas doenças. O esgoto jorra em frente das casas de bloco cru. O lixo é levado pelos pequenos riachos que desempenham o papel da edilidade. A desgraça e imundície impostas por uma governação voltada para a cidade de cimento repete-se de bairro para bairro.

“O município só sabe cobrar a taxa de lixo”, diz cansada uma idosa em Namutequeliua. E isso explica o elevado nível de abstenção e o voto no partido da oposição. Trata-se, aliás, de uma explicação bem mais lógica do que a justificação tribal. O voto contra a Frelimo está explícito nas choças erguidas com estacas e argila, cobertas com palha ou zinco e inacabadas com o chão de barro.

Nessa encruzilhada entre o barro e o cimento, entre a palha e a laje, é preciso sobreviver. Os seres que desfilam neste mundo invisível compreendem, melhor do que ninguém, que o termo sobreviver significa chegar ao dia de amanhã. @Verdade foi aos mercados e conversou com inúmeros vendedores ambulantes. Encontrámos poucos dedos marcados com a tinta indelével. Ou seja, os informais não foram votar.

São experientes demais a desenhar esquemas de sobrevivência para perder um dia numa mesa de votação. É tempo precioso. Votar tem o seu preço e um deles é ficar sem comer pelo menos um dia. Não se trata, portanto, do local de nascimento de um dos candidatos, mas da ausência de expectativas como sintetizou Osvaldo Carlos António: “Se eu voto continuo na rua a vender as minhas lonas. Se não voto continuo na rua a vender as minhas lonas. Mas se vou votar sou capaz de não vender uma lona nesse dia. E se não for votar talvez possa vender uma lona. É lógico que não irei votar”.

O poder autárquico representa um governo de proximidade. Conhece os problemas e procura encontrar as soluções com os munícipes. Portanto, a abstenção e a morte das vitórias retumbantes daquele que se designa partido glorioso encontram explicação na extinção da proximidade. É impossível conhecer problemas e falar para o coração das pessoas de carro com tracção às quatro rodas.

As pessoas estão cansadas de nascer, casar e morrer na sarjeta. Não há governos eternos. Os frelimistas deviam deixar de acreditar que governar é seu destino divino, sobretudo agora.

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