Certamente que os cabelos brancos dão alguns privilégios, mas é a autoridade da música que transformou os Ghorwane num objecto de culto, uma banda que tem ‘envelhecido’ em harmonia com os instrumentos e com várias gerações de amantes da música moçambicana. No sábado, dia 1 de Maio, o Xima foi pequeno.
Com a forte presença que se lhes conhece tão bem e com o profissionalismo de quem há muito fez desta estrada à vida, apresentaram-se em piloto automático mas, ainda assim, comunicativos e eficientes q.b. para saciar a sede. Em grande forma – o timbre inalterado da voz aí está para o provar -, os Ghorwane assinam mais uma promessa de permanência indiscutível no passado, presente e futuro da música moçambicana. A vida depois de Pedro Langa e Zeca Alage não continua apenas: cresce a cada apresentação, a cada tema, a cada sucesso. E a cada concerto. Como este. Ainda há bem pouco tempo, a ideia de voltar a ver ao vivo os bons rapazes da música ligeira moçambicana era tão desejada quanto longínqua.
Lembramo-nos disso quando, no início do espectáculo, Roberto Chitsondzo recordou Pedro Langa e Zeca Alage ao que se seguiu uma má fase da banda e, com saída de alguns integrantes, o fantasma do desmembramento pairou insistentemente. Porém, já sabíamos que os Ghorwane tinham dado a volta por cima: o regresso de alguns integrantes, as músicas inéditas, o projecto “Música no teu bairro” e, finalmente, o novo álbum que está para breve. O que não sabíamos – ou ainda não tínhamos testemunhado, era a força imensa dessa rentrée. Vinte e sete anos passados, transpiram mais do que nunca boa forma.
“Satana” dá o primeiro cheiro de virtuosismo do guitarra da banda. O despertar de memórias prossegue com os acordes de “Mutimba”. O alinhamento iria, aliás, privilegiar os momentos mais antigos, com as músicas inéditas claramente em desvantagem. De novo só viria o tema “Amor é fogo que arde sem ver”, interpretado por Muzila. O resto faz-se com “Terehumba”, “Buluko”, “Mamba ya malefu”, “Ferido regresso”, “Uyo mussia quine”, “Beijinho”, “Massotcha”, “Vana Va Ndota” (momento à parte: o público cantou com a banda), “Satuma”, “Xizambiza” (estamos agora em terreno de guerra e as explosões confirmamno) e “Mavadswe”.
Roberto Chitsondzo e David Macuácua estão apostados em agarrar o público no punho que erguem fechado. Quem se enganou foi a banda, que pensava que os deixavam ir embora assim. Na verdade, se o concerto tivesse ficado por aqui, já tinha sido perfeito (à excepção da mácula que foi a pequena falha no som na primeira parte). Mas o público quis mais. E os Ghorwane lá vieram dar um bónus aos amigos barulhentos do Alto-Maé. Directamente do baú das memórias, lá vieram “Majurugenta” e “Mondlane”.
Ficam pelo palco ainda um pouco, passeiam-se junto aos fãs. Passa das duas da manhã e o trono é deles. E quando a banda sai de palco, não duvidamos de que leva o público nas mãos. Este presta devoção ao pregador e rende-se a uma prestação com o nível de qualidade, força e competência a que a banda já nos habitou. Momentos altos: “Majurugenta”, “Vana Va Ndota” e “Mamba ya malefu”.
Projecto “Música no meu bairro”
O espectáculo no Xima faz parte de um projecto denominado “Música no meu bairro”, no qual os Ghorwane pretendem, uma vez por mês, visitar um bairro de cidade e província de Maputo. A iniciativa, refira-se, nasce da constatação de que os bairros da periferia, sobretudo, não participam na vida cultural por constrangimentos de ordem geográfica e económica.
Por exemplo, é difícil para um morador do Zimpeto vir ao centro da cidade acompanhar um evento cultural, para além do problema de transporte e os riscos decorrentes do regresso ao local de origem. Muitas vezes, o preço do ingresso, nos eventos na cidade de Maputo, é elevado para o bolso do cidadão comum. Efectivamente, o projecto também focaliza aspectos como educação cívica em prol do ambiente; na área da saúde a aposta é na prevenção de doenças como SIDA e malária, através da consciencialização das comunidades.