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Formação, mitos e utopias

Ensino em Moçambique expansão versus qualidade

 

 

  Matateu, Coluna ou Dominguez. Nas suas origens, não existem academias, relvados e botas fantásticas. Existem bairros de lata, terra revolta e pés descalços. Como explicar este fenómeno?

     Falar em formação causa sempre boa impressão num debate futebolístico. Está a falar-se do futuro. Para a incentivar, fala-se de boas condições de trabalho, novas academias, campos relvados, belos equipamentos, etc. Condições ideais para despontarem novos grandes craques. Será? Uma das coisas que mais me fascinam é pensar que o melhor jogador do mundo em 2014, estará, neste momento, descalço, a correr sobre terra e a passar fome num qualquer bairro de Buenos Aires, favela do Rio de Janeiro ou num país de África. Basta pensar nas origens de Maradona, Romário, Pelé ou Eusébio, no hipnótico contexto africano.

     Se pensarmos na origem dos melhores jogadores do mundo, nela não existem grandes academias, campos relvados e botas fantásticas. Existem bairros de lata, baldios de terra revolta e pés descalços. Como explicar este fenómeno?

     Esta reflexão pode levar a colocar a questão se afinal, um grande jogador é produto de fabrico laboratorial ou de geração espontânea? Dirão que é uma mescla dos dois. É verdade, mas, na origem está o talento. Depois, estarão as condições para o trabalhar. Procurando, porém, reproduzindo o “habitat” de origem, cruzando-o com acompanhamento do crescimento físico natural.

     Fala-se do futebol de rua como universidade de craques. O que afinal os centros de formação ou escolinhas devem procurar é isso mesmo. Reproduzir em laboratório o futebol de rua – que quase desapareceu das nossas cidades- e cruzá-lo, depois, com melhores condições de lapidar o talento, a nível físico (nutrição, coordenação corporal, etc). Tudo, porém, sem beliscar os instintos naturais.

     Frases como “não levanta a bola!” ou “ Joga a um-dois toques!”, não fazem sentido num processo de formação que se quer, no início, puramente selvagem e experimental. O corpo deve começar a desenvolver a relação com a bola de forma natural. Só depois entra, anos mais tarde, a componente técnica, a noção do jogo no sentido colectivo mais lato do termo e suas componentes tácticas.

     Nas coisas mais simples. Por exemplo, na rua, onde cresceram os tais grandes craques, jogavam todos de igual, com a roupa de casa ou até sem camisola. Para ver quem era da nossa equipa, era preciso levantar a cabeça, para ver a quem estávamos a passar a bola. Nas academias e escolas modernas, o usual é jogarem com coletes fluorescentes para se distinguirem bem as equipas. São de cores tão berrantes, que, a certo ponto, o passe é feito para o vulto, quase sem tirar os olhos de chão. Tirem os coletes, portanto e joguem todos de igual. Como na rua. Verão como serão obrigados a levantar a cabeça – princípio básico para se jogar bem futebol – e fazer-se o passe correctamente.

     Procura-se o que é medível. A questão física. Altura e peso. Esquece-se o que não é. Jogar bem futebol. Durante jogos de juvenis, é costume ouvir-se nas bancadas: “Olha aquele miúdo, se crescer e ganhar força, será um grande jogador”. Na Argentina, onde a mesma teoria também existe, este foi o mesmo pensamento que muitos dirigiram a um a garoto no início dos anos´70. Pois bem, o problema é que ele nem cresceu muito e ficou, até, um pouco gordo. O alucinante é que, mesmo assim, tornou-se o melhor jogador do mundo. Maradona, claro.

     Estas simples histórias dizem muito dos mitos e utopias que os debates sobre a formação tocam constantemente. Nenhum talento nasce num laboratório. O treinador/formador serve primeiro para guiar, só depois para ensinar. No fundo, o craque adulto dos relvados deve ser o prolongamento do miúdo talentoso dos baldios. E, Moçambique, não é excepção, mas o que estará a falhar?

 

 

 

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