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“Fomos vulgarizados em Brazaville” revela o treinador Russo que afirma que os problemas da natação em Moçambique devem-se à falta de organização e também a intromissão dos pais dos atletas

“Fomos vulgarizados em Brazaville” revela o treinador Russo que afirma que os problemas da natação em Moçambique devem-se à falta de organização e também a intromissão dos pais dos atletas

Foto de Adérito Caldeira“Se ouvir dizer que nós temos alta competição em Moçambique é mentira”, quem o afirma é Eduardo dos Santos, provavelmente o mais antigo treinador de natação em Moçambique que formou centenas de nadadores, ao longo de mais de três décadas. Em entrevista ao @Verdade o Russo, como é apelidado, conta como foi possível as nadadores moçambicanas, que defendiam a prata conquistada em 2010 em Maputo, serem vulgarizadas nos Jogos Africanos deste ano em Brazaville e diagnostica que “as grandes conturbações que existem na família da natação devem-se principalmente a intromissão dos pais(de alguns atletas), que querem controlar os treinadores, controlar os clubes”. O treinador do clube Ferroviário de Maputo, e da selecção nacional, revela ainda que o clube Golfinhos de Maputo tem vencidos a maioria dos troféus no nosso país com atletas que rouba dos clubes onde se faz a formação de nadadores.

“O trabalho de treino agora é muito mais científico do que antigamente”, começou por dizer-nos o experiente treinador, comparando a natação que se faz hoje e a que se fazia nos anos oitenta, porém na actualidade os problemas são maiores, “as grandes conturbações que existem na família da natação principalmente da imiscuição dos pais, querem controlar os treinadores, controlar os clubes eu penso que a natação não está tão melhor do que antigamente em termos de resultados. É claro que as marcas são um bocadinho melhores mas naquele tempo, apesar não ter havido as condições de trabalho que temos hoje, a diferença não é tão grande”.

Porém o Russo não hesita em afirmar que “se ouvir dizer que nós temos alta competição em Moçambique é mentira” e aponta algumas soluções que passam primeiro pelos pais que deviam chegar a porta da piscina e deixar os filhos com os treinadores, que segundo ele só existem três em Moçambique, “o resto são curiosos. E são esses curiosos que também estragam a natação, porque aliam-se a esses pais que se intrometem nos treinos dos filhos. Aliam-se a esses pais porque aproveitam mais uns centavos à porta do cavalo, depois roubam os atletas dos clubes de formação”.

Mas Eduardo do Santos, que aprendeu a nadar na antiga escola José Araújo (hoje escola Estrela Vermelha em Maputo), sabe que existe potencial e capacidade técnica interna. “Nós devíamos ter um centro de alto rendimento para poder fazer alta competição” e recorda-se de ter ficado satisfeito quando foi construído o complexo olímpico do Zimpeto para os Jogos Africanos de 2010, “falei com a Federação e disse que nós podemos fazer um centro de alto rendimento aqui no Zimpeto”.

“Piscinas olímpicas não são para fazer formação”

Segundo o Russo até os sul-africanos que vieram participar nos Jogos ficaram impressionados pois eles não tinham boas piscinas olímpicas, refere que na altura o seleccionador da África do Sul disse-lhe que podiam ser realizados campeonatos do mundo no Zimpeto e “pediu-me para ver como a selecção de nadadores sul-africanos (onde estavam a despontar os actuais campeões mundiais Chad le Clos e Cameron van der Burgh) poderiam compartilhar as instalações”.

“Quando acabaram os Jogos Africanos todos foram embora, entretanto o treinador sul-africano regressou ao seu país e encetou as diligências para avançar com o seu projecto. A federação de lá, antes de iniciar a parceria com Moçambique, enviou uma delegação para ver o que lhes fora relatado em termos de potencial da piscina do Zimpeto. Quando chegaram viram a piscina abandonada, as piscinas com água podre e os jornalistas que vieram com eles escreveram sobre isso” lamentou Eduardo do Santos que afirma também que a cedência do complexo para que a Associação de Natação da Cidade de Maputo inicie a formação de nadadores é um erro. “Piscinas olímpicas não são para fazer formação, estão a meter criancinhas ali, não é para isso. Aquelas piscinas são para trabalhar para alta competição, aquela que nós queremos”.

E o modelo do Centro de Alto Rendimento está na cabeça do Russo, juntar um pequeno grupo dos melhores atletas para trabalharem de forma séria com treinadores capacitados, médicos, nutricionistas entre outro pessoal de apoio necessário e existente em Moçambique porém com todas questões de logística salvaguardadas para que se concentrem apenas nos treinos.

“Um atleta de alto rendimento faz aproximadamente 30 a 40 quilómetros por dia, treinando pelo menos três vezes por dia” explica o treinador que entrou para o Ferroviário como trabalhador dos Caminhos de Ferro em 1969 onde trabalhou como maquinista de guindastes do porto.

De acordo com o nosso entrevistado a aposta da natação em Moçambique, depois da organização e formação de nadadores jovens deve ser vencer a nível regional primeiro e depois os Jogos Africanos. “Mas importante para nós é começarmos aqui de baixo, os Campeonatos do Mundo não são para nós. O nosso objectivo tem que ser africano, os Jogos Africanos é que são os nossos Mundiais. Nós só podemos inscrever alguns atletas nos Mundiais porque a FINA (Federação Internacional de Natação) assim o define, para aqueles nadadores que não tem mínimos olímpicos, mas é só para participarmos. Nós temos que trabalhar e planificar a nosso nível africano primeiro, nossa zona e depois o resto do continente. Rio 2016 falou-se muito, os Golfinhos tiveram uma iniciativa e eu disse na altura isso é alguém que foi ao computador escreveu e não vai a lado nenhum. Quem é que tem para levarem aos Jogos Olímpicos? Alguém vai fazer mínimos?”

“É mais fácil Moçambique dar luta nos femininos do que nos masculinos”

Foto de Adérito CaldeiraAo contrário dos balanços positivos feitos pela Missão Moçambique sobre a participação do nosso país nos Jogos que este anos realizaram-se no Congo o treinador e seleccionador Eduardo do Santos desabafa. “Nós (Moçambique) tínhamos algo para defender nos Jogos Africanos de Brazaville, que era a nossa medalha de prata que ganhamos em 2010, e tínhamos a capacidade e até atletas para isso nos femininos. Havíamos formado uma boa equipa era a Miriam Corsini, a Jéssica Vieira, a Jessica Cossa, a Jéssica Stagno e a Jéssica Francisco. São as melhores nadadores do momento, que de certeza absoluta nós nos Jogos Africanos iríamos buscar medalhas nas estafetas, esse era o objetivo. Medalhas individuais talvez pudesse conseguir uma e outra, mas o nosso objetivo eram as estafetas onde queríamos ir buscar ou medalha de bronze ou de prata, de ouro já tem donos que são os sul-africanos”.

Contudo, segundo o Russo, quando ele e o outro treinador da selecção questionaram a Federação sobre o que estava a acontecer com as atletas que vivem fora de Moçambique começaram os reveses. “Primeiro sobre a Jéssica Vieira disseram-nos que havia sido contactada mas não se mostrou disponível porque não tinha sido inscrita nos Campeonatos do Mundo. Tentaram contactar a Miriam Corsini, que ninguém falava com ela desde os Jogos Africanos de Maputo, e ela também não se mostrou disponível”.

Da selecção inicialmente planificada restavam-nos Jessica Cossa, a Jéssica Stagno e a Jéssica Francisco porém, de acordo com o nosso entrevistado “a Jéssica Francisco logo à priori pediu para estar fora da selecção porque estava zangada com a Federação, ela com toda a razão era uma das atletas que deveria ter ido com a selecção à Luanda (na 13ª edição do Zonal IV de Natação) supostamente por falta de dinheiro e os pais é que iam pagar. Errado, não funciona isso. A Federação e o Estado ou têm dinheiro para levar uma selecção ou não vai ninguém. A nadadora ficou frustrada e mostrou indisponível”.

Com apenas duas das melhores nadadores inicialmente seleccionadas a solução foi repescar três nadadoras promissoras “a Jannah Sonnenachein e mais duas precárias a Gizela Cossa e a Janat Bique. Quando entregamos à Federação a listagem final riscaram o nome da Jéssica Cossa, segundo eles a atleta não podia fazer parte da selecção porque fora suspensa. Foi suspensa porque participara nas Universíadas desta ano à revelia da Federação. Quando foi-se apurar ela foi inscrita pela mãe, quem é a mãe é a Ludomila Cossa que faz parte da Federação (na direcção executiva)”. Entretanto nem a Federação nem a Missão Moçambique conseguiram que o completo olímpico do Zimpeto ficasse disponível para a selecção preparar-se “trabalhamos na piscina curta da Raimundo Franisse para irmos competir numa piscina olímpica, os músculos têm de habitual a piscina longa, a mente tem de praticar para as reacções instintivas. Nós partimos para Brazaville numa quarta-feira conseguimos nadar na piscina de aquecimento na segunda-feira e a caçar sapos grandes. Nós estamos a competir com campeões do mundo (África do Sul) estamos aqui a brincar, nem a piscina olímpica nos disponibilizam para os Jogos Africanos” conta-nos o Russo.

Chegada a altura de partir para o Congo a selecção feminina viajou só com quatro nadadoras na expectativa da quinta juntar-se em Brazaville, mas lá chegados não havia certeza sobre a chegada da Jannah Sonnenachein que treina nos Estados Unidos da América. “Na véspera das provas fomos informados pela Missão Moçambique que ela só poderá estar em Brazaville no dia 9, as provas começam a 6 e acabavam a 11, dissemos que não valia a pena pois quando ela chegasse inclusive as provas dela já teriam acontecido. Acabamos por ter que retirar a selecção da estafeta feminina”, lamenta o seleccionador nacional.

De acordo com Eduardo do Santos na selecção masculina “os resultados não foram maus, mas também não foram bons, porque nós fizemos esta preparação de forma muito precária” e por outro lado, tendo em conta o fraco nível dos nossos nadadores, existem mais chances de bons resultados com as meninas do que com os rapazes. “Nós quando fizemos a nossa planificação e cingimo-nos aos femininos foi por uma razão muito forte, a diferença entre os masculinos e femininos a nível mundial é um fosso muito grande. É mais fácil Moçambique dar luta nos femininos do que nos masculinos. Com agravante que perdemos um nadador nos masculinos o Shakil Faquir, o pai pediu para ele não fazer parte da selecção (que foi a Brazaville) por causa dos estudos. Tivemos que ir buscar um nadador que está no alto rendimento em Pretória, o Emídio Cuna, que parece não estar a fazer nada lá nestes quatro anos. Temos aqui Denilson da Costa que treina aqui está com muito melhores tempos”, disse ao @Verdade o selecionador nacional.

Igor Mogne é um indisciplinado

Relativamente ao melhor nadador da actualidade o Russo é cáustico. “Houve uma prova de estafeta masculina nos Mundiais da Rússia que não participamos porque um dos atletas, o Igor Mogne, pura e simplesmente não quis nadar bruços. Um atleta daquele nível porque não pode nadar bruços? O Frederico (outro seleccionador) teve que retirar Moçambique da prova porque o ele não quer bruços. Mas depois, quanto chegou a Brazaville, pediu para nadar bruços. É um indisciplinado, já em Luanda tinha faltado o respeito a um juiz-arbitro(que percebia português) que lhe chamou atenção e ele respondeu com insultos. Ele apesar de treinar fora marginaliza muito a selecção”.

O treinador da selecção moçambicana de natação também não vê grandes progressos no jovem nadador apesar de estar fora de Moçambique. “O Igor não está a evoluir, ele treina no Sporting (de Portugal) onde também está o angolano Pedro Pinotes que conseguiu uma medalha de prata nos Jogos Africanos. Há dois anos atrás o Igor estava melhor que o Pedro mas está a ser ultrapassado”.

Analisando a Federação o treinador Eduardo do Santos conta-nos que, a “Federação cessante não fez um grande acompanhamento, nos últimos quatro anos deveriam ter estado sempre em sintonia com a Missão Moçambique para delinear as estratégias que eram necessárias e não a última hora. Para nós fazermos uma preparação séria, tirando os pormenores de alto rendimento, temos que fazer um estágio de seis meses com a selecção a trabalhar junta, com tudo disponibilizado, logística toda disponibilizada. Ali os treinadores e atletas não podem ter preocupações. Mas nós aqui vivemos de preocupação em preocupação. As preocupações dos atletas recaem sobre os treinadores, porque são as primeiras pessoas que eles encontram. Indicam coordenadores que não estão a altura, que nunca conheceram o que é natação como técnica. Vem a Federação nova não encontra nada, nem sequer arquivos, e praticamente tiveram que começar do zero. Um elenco federativo quando toma posse deve trabalhar para criar todas as condições e guardar toda a informação, mas não encontra-se nada. Esta Federação entrou com força a querer endireitar e disciplinar mas só tem prejudicado à natação. Fomos vulgarizados em Brazaville”, lamenta.

Golfinhos roubam atletas formados noutros clubes

Sobre o seu eterno clube, o primeiro a ter nadador nos Jogos Olímpicos (Carolina Araújo), recorda-se que “detínhamos a hegemonia da natação nessa altura, uma das equipas que fazia frente ao Ferroviário nessa altura era o Desportivo, que também tinha bons nadadores, depois é que apareceu o Maxaquene. Nós chamamos aquela piscina do Maxaquene mas nunca foi deles, é municipal, da associação. Como o Maxaquene não tinha piscina adjudicaram a eles na altura”.

“Nós tínhamos cerca de 60 a 70 nadadores, era difícil conseguirmos compilar as provas para cada um, porque um nadador não podia fazer mais do que duas provas numa jornada, mesmo nas estafetas era complicado porque eram tantos nadadores, era um exercício difícil para o treinador escolher. Nós podíamos fazer cinco a sete equipas de estafeta em cada escalão” lembra-se também o Russo que trabalha para refazer a equipa depois de quatro anos parados.

“Os Golfinhos estão-se a esquecer que nos últimos cinco anos ou seis anos ganhou os campeonatos da cidade e nacionais com os atletas formados no Ferroviário de Maputo. Na realidade os Golfinhos de Maputo nunca formou nada que é credível de ver” afirma Eduardo do Santos que menciona apenas os nomes de Muino e Laila Taquidir, Faina Salate, Raquel Lourenço, Valdo Lourenço e Valdo João como alguns dos atletas roubados pelo clube de natação dos Golfinhos de Maputo.

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