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Mozambical: Estado de Arte, por Niosta Cossa

Se nós quisermos chegar a algum lado como povo, teremos de começar a parar de brincar. Principalmente com coisas sérias. Teremos de parar de brincar com coisas sérias. Aliás, teremos de começar a levar a sério as coisas sérias.

A arte, a música, são matérias sérias. Assim sendo, têm de ser levadas a sério. E o primeiro passo para se começar a levar a sério a arte e/ou a música é começar a deixar que os entendedores comentem sobre as mesmas. Pois, estes, os entendedores, vão, por exemplo, comentar sobre música dentro dos parâmetros musicais, usando linguagem musical.

Tecerão comentários credíveis, que se cingirão ao universo musical. E também terão a coragem suficiente para escrever exactamente aquilo que vão captar da matéria que estará diante deles. Afinal, ser crítico de música é, acima de tudo, ser um indivíduo corajoso e descomprometido e profundo conhecedor da matéria – a música.

Portanto, já é tempo de os sociólogos e antropólogos pararem de fazer crítica de música: os sociólogos e antropólogos que tratem da sociologia e da antropologia. Já é tempo de locutores pararem de se fazer de críticos de música: os locutores que se ocupem da locução radiofónica. Do mesmo modo que os jornalistas-escribas têm de parar de escrever críticas de música e ocuparem-se das suas verdadeiras funções.

A crítica de música deve ser deixada para os críticos de música.

1. Neste país, quando se fala/escreve sobre um álbum de música, no lugar de se dizer se o álbum é bom ou mau, fala-se/escreve-se que este é uma viagem ao âmago da cultura Ronga como se quem quer ler sobre o álbum estivesse interessado em saber se o mesmo era uma viagem ao âmago ou ao rabo da cultura Ronga.

Os amantes de música querem saber se o álbum é bom ou não. E mais nada. Se o álbum é um contributo para a cultura universal dos homens, isso não é matéria para os críticos de música nem para os amantes/ouvintes de música: é assunto para sociólogos, antropólogos, historiadores, etc. O crítico tem de dizer ao leitor se o álbum é bom ou mau. Como é bom ou porque é mau. E somente isso.

Os que têm escrito sobre música em Moçambique têm tido o irritante vício de ignorar a arte e focar as origens ou pureza dos ritmos da música, para além de enaltecer os significados das letras. Têm ignorado o essencial (a arte) e se agarrado ao superficial (nacionalidade dos ritmos e significado das letras). É por isso que vão escrevendo artigos vazios, longos e maçadores sobre o conteúdo quando se deveriam preocupar com a forma.

Ora, a música lida essencialmente com a forma, com os caminhos por que trilha a música, não com o seu conteúdo. Se a música lidasse com o conteúdo, por exemplo, com o que dizem as letras, então, a música instrumental não teria valor algum. Se a pureza dos ritmos nacionais tivesse algum valor na execução artística, por conseguinte, todos aqueles artistas e álbuns que optaram ou que fizeram uma fusão de ritmos e culturas distantes não teriam valor. E, em última instância, a música seria estática e morta.

2. Em Moçambique, abusivamente e ignorantemente, querem ou esperam que o artista seja educador da sociedade. Por exemplo, para que se consiga um patrocínio, muitas vezes, é exigido aos artistas que as suas obras ou espectáculos sejam uma reflexão sobre o HIV/SIDA ou um ponto de encontro entre culturas ou por uma valorização da juventude, etc.

Nunca se deixa que seja puramente uma manifestação artística. É por isso que grande parte dos artistas moçambicanos é medíocre e as suas obras são insonsas e descartáveis. Pois os desgraçados dos artistas deixam de fazer arte e ficam a recriar expressões culturais e a escrever letras que sejam possivelmente educativas.

O mesmo mal afecta os críticos, os que escrevem sobre a arte em Moçambique. Entre estes permanece o erro de confundir a História com a Arte. Ora, que uma obra descreva a trajectória ou a história de um dado povo não é suficiente para que seja uma obra de arte. Uma obra, para que seja considerada “de arte”, precisa de muito mais do que descrever a história ou trajectória de um povo. Precisa de ter arte na composição e engenho na execução.

Do mesmo modo, há o vício desconcertante de se confundir o Belo com a Arte. Enfim, o facto de uma obra ser bela não significa que seja uma obra de arte. Uma obra bela é uma obra bela e uma grande obra é uma grande obra. Tal e qual uma mulher bela é uma mulher bela e uma grande mulher é uma grande mulher, contudo, em alguns momentos, podendo ser a mesma pessoa/coisa.

Uma obra não precisa de ser bela ou agradável para que seja grande: precisa apenas de ser reveladora, profunda, inovadora e poderosa; uma nova possibilidade artística; um fluxo artístico que seja continuamente surpreendente, vivo, audacioso e superior.

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