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Escurtínio Escolar d´@VERDADE: Thumbú-rhùmbu

Crianças feitas mão-de-obra barata Estava tudo parado. O mundo parecia não ter vida. Mas nada disso, pois desde que foi criado pelo Criador de tudo e de todos, o mundo teve sempre vida. Afi nal é isso que ele merece. Andei uma longa distância. Percorria uma das ruas, algures nas bandas do Maputo.

Aquecia muito e ninguém estava na rua. Não era possível ouvir o barulho de sempre, das máquinas e dos martelos nas oficinas. Os trabalhadores descansavam. Sentiam a digestão processar-se nos seus intestinos. Era depois de engolirem o tostão do meiodia. As pequenas empresárias descansavam.

Refiro-me àquelas senhoras que montam pequenas bancas nas ruas para amealharem alguns centavos que, de certo, reforçam os salários magros dos mulumuzanis. Sim, elas descansavam e dormiam por debaixo das sombrinhas improvisadas nas suas banquinhas. Eu parecia o único em movimento naquela rua bem larga como uma estrada de duas faixas.

Andei, andei, andei… – Xi! – Isso disse eu de susto. Um bando de crianças, mais vestidas de poeira do que de roupas, tocou-me a sensibilidade. O mais visível nos rostos daquelas crianças era o cansaço. Elas descansavam sentadas na berma da rua. Apoiavam-se de costas contra o muro que vedava a casa de um tipo barrigudo, muito conhecido por Thumbú-rhùmbu, vocábulo que traduzido para nossa língua ofi cial significa “barriga de tambor”.

Aquelas crianças esticavam as pernas, os braços baloiçavam de forças acabadas. Olhavam palidamente para um monte de sacos de cimento que, de certo, foram descarregados de uma camioneta estacionada na meia distância. Enquanto eu especulava o estado das coisas, sem entender nada do que estava a acontecer, apareceu o Thumbú-rhùmbu.

Um tipo comilão pelo que percebi, a abocanhar um hamburguer à maneira de querer metê-lo todo na boca duma só vez. Este foi interpelado pelas crianças que, além de cansadas, se mostravam revoltadas contra ele. – Tio, nós já cabou trabalho. Upou todas saco de semendhe do carro.

– Sim, e depois!? – fulminou-os para assustá-los.

– Dinheru ké!? O Thumbú-rhùmbu fazia-se mesmo de patrão.

Abanava negativamente a cabeça como quem via perdição de quaisquer malucos. E apontava com o dedo grosso, de um gajo volumoso que ele era, àquela camioneta pintada de poeira, à semelhança daquelas crianças. – O trabalho ainda não acabou, lavem o meu camião. Vá, gente porca. Agora! Sem isso não há dinheiro.

– Água ké? – perguntaram as crianças.

– Ali – respondeu o Thumbúrhùmbu, mostrando um dreno de água suja aos meninos.

Enquanto aquelas crianças tiravam água com latas e limpavam a poeira da camioneta, eu lembrava- me do 8º princípio da Declaração dos Direitos da Criança, que reza que a criança fi gurará, em quaisquer circunstâncias, entre os primeiros a receber protecção e socorro. Eu quase morria de “raiva” por não poder socorrer aquelas crianças que eram feitas máquinas de trabalho.

Eu não podia andar. Parei como quem aproveitava a pequena sombra que por ali estava. Assistia ao drama. Os meninos limpavam a camioneta com a força que lhes restava depois de terem descarregado o pesado cimento. Eu olhava por vezes para as crianças e, por outras para o Thumbú-rhùmbu que, por vergonha, acabou chamando as crianças.

– Hyei, vapfana! Venham levar dinheiro.

O tipo começou a contar umas moedinhas e distribuiu-as pelos pobres miúdos. Os putos começaram a dar risos de contentamento. Só pensavam em comer biscoitos fritos e chupar gelinhos. O Thumbú-rhùmbu dava risos de falso heroísmo por ter conseguido fazer de crianças a sua mãode- obra barata.

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