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Autárquicas 2013: “Encontrámos o município falido” Manuel de Araújo edil de Quelimane

Autárquicas 2013: “Encontrámos o município falido” Manuel de Araújo edil de Quelimane

Quando assumiu a gestão municipal da cidade de Quelimane, Manuel de Araújo tinha como prioridades para o primeiro ano do seu curto mandato três aspectos, nomeadamente fazer com que o munícipe se sentisse parte do processo de desenvolvimento da urbe, acabar com os buracos e melhorar a imagem da capital provincial da Zambézia. Volvidos sensivelmente dois anos, e não obstante ter encontrado o “município falido”, o edil afirma que “nós conseguimos, em menos de uma ano, mudar isso e mostrar ao munícipe que é possível mudar a situação, é possível nós voltarmos a sonhar e voltarmos a ser cidadãos de primeira”.

@Verdade – Assumiu a gestão do município de Quelimane praticamente no meio do mandato. Volvidos sensivelmente dois anos, qual é o balanço que faz?

Manuel de Araújo (MA) – Neste momento, posso dizer que o balanço que fazemos é positivo. Quando nós tomámos posse, encontrámos o município falido do ponto de vista político, económico e financeiro e também do ponto de vista de impacto social. Foi por isso que o partido Frelimo decidiu tirar a pessoa que estava na gestão do Conselho Municipal. Os relatórios, quer do Ministério das Finanças, quer da Inspecção da Administração Estatal, provam o que estou a dizer, ou seja, aquilo que eram os mecanismos de gestão; por exemplo, para a aquisição de bens, existe um documento que regula como a entidade do Estado deve proceder e exercer as suas actividades, porém, o que acontecia neste município é que esses instrumentos não eram seguidos. Isso não precisa de ser regulado, é uma questão de bom senso. Refira-se que mais de 85 porcento dos funcionários dessa autarquia recebiam na tesouraria, à boca do caixa. Isso é meio caricato. Se as coisas estivessem bem, a Frelimo não teria arriscado destituir o edil e convocar eleições intercalares com um resultado que não esperava.

@V – E qual foi a primeira acção levada a cabo quando assumiu o poder?

MA – Fizemos uma limpeza no comportamento dos próprios munícipes. Os funcionários entravam às 10h00 ou 11h00, e às 14h00 não encontrava ninguém, desde os vereadores até os outros trabalhadores. A assiduidade era diferente da maneira como devia ser. Portanto, todos os vereadores faziam despesas, não havia sistema de controlo e o resultado é que encontrámos uma dívida avultada de cerca de cinco milhões de meticais. Nós remetemos o caso às Finanças, tendo feito um rastreio que nos mostrou aquilo que eram as razões que fizeram chegar a essa situação. Internamente, não havia disciplina, cada um fazia o que bem entendia. O próprio município, em termos de infra-estruturas, as casas que pertenciam a autarquia estavam degradadas e alguns bens eram usurpados por outras entidades; por exemplo, o prédio de três andares onde funciona a Direcção da Educação é um bem do município, nós tivemos que intentar uma acção judicial para ver se recuperávamos esse bem que passou para a entidade da Educação sem o conhecimento, quer do município, quer da Assembleia Municipal, o que constituiu uma violação. A própria Biblioteca Municipal, construída com os fundos do município, hoje já não é do município. Quando questionámos o que teria acontecido, ninguém foi capaz de dizer, nem aqui, nem na Assembleia Municipal. O município não tem lixeira porque há um munícipe que diz que aquele terreno é dele e a gestão municipal passada não se preocupou em legalizar as coisas. Nós tivemos que fazer um processo de estabilização interna da própria casa.

@V – E como é que foi esse processo?

MA – Nomeámos vários jovens, muito deles não tinham experiência de trabalho, mas era preciso incutir uma nova filosofia, uma nova mentalidade de como é que nós gostaríamos que as coisas funcionassem. Mesmo na parte exterior, dizia eu que a cidade de Quelimane era considerada a capital dos buracos, mas em menos de seis meses conseguimos tapar quase todos. Coincidiu num momento em que a empresa CETA – Construções tinha um projecto para introduzir drenagens na cidade e acabou por abrir alguns buracos. Neste momento, eles encontram-se na segunda fase, no processo de tratamento dos buracos, mas nós já tínhamos conseguido tapar cerca de 80 porcento dos buracos em Quelimane em menos de um ano. Acima de tudo, o ganho mais importante para nós não foi em termos de organização, ou seja, foi o facto de termos conseguido recuperar uma coisa que Quelimane tinha perdido, que é a capacidade de sonhar e a esperança de que era possível nós termos um município melhor. Tínhamo-nos resignado à condição de que era uma decisão divina. Os munícipes acreditavam que estavam destinados a viver mal, a conviver com os buracos e que não havia saída nem solução. Nós conseguimos, em menos de uma ano, mudar isso e mostrar ao munícipe que é possível mudar a situação, é possível nós voltarmos a sonhar e voltarmos a ser cidadãos de primeira.

@V – O acesso a água e a electricidade melhorou depois de assumir a gestão municipal de Quelimane?

MA – Não melhorou o acesso a água aos munícipes, pois não faz parte, infelizmente, das atribuições do município. Como sabe, a Electricidade de Moçambique gere a energia e o FIPAG gere a água. Portanto, nós gostaríamos de gerir a água como aconteceu no tempo colonial, quando havia uma empresa chamada Serviços Municipalizados de Água e Electricidade (SMAE). Isso não quer dizer que nós não podemos fazer parcerias para melhorar a situação, já estamos a fazer isso; por exemplo, conseguimos um pequeno fundo de cerca de 20 mil dólares norte-americanos através da Embaixada da Alemanha e agora estamos a trabalhar na tramitação para que possamos estabelecer um pequeno sistema de abastecimento da água para os bairros onde a água não chega como deve ser. Mas esses são casos pontuais que nós podemos fazer porque a gestão do processo de água e electricidade, infelizmente, não está nas nossas mãos.

@V – O que se pode dizer da estrutura urbana do município de Quelimane?

MA – Há 10 ou 12 anos o município de Quelimane não tinha um plano de estrutura, isto quer dizer que nos últimos 10 anos a cidade de Quelimane cresceu ao deus-dará, cada um construía onde quisesse. Por exemplo, presentemente, nós temos o projecto do Millennium Challenge Account, avaliado em cerca de 30 milhões de dólares norte-americanos e uma parte substancial desses recursos que deviam ser usados para construir mais drenagens tiveram que ser alocados para reassentar as populações que tinham construído as suas casas nas valas de drenagens. Algumas tinham até a autorização do município porque não havia um plano de estrutura. Portanto, o nosso grande desafio é melhorar a situação, estamos a trabalhar com várias entidades, a primeira que contratámos foi a Universidade Lúrio, Faculdade de Arquitectura, mas também entrámos em contacto com a Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Universidade Eduardo Mondlane, e contactámos instituições de outros países. Na semana passada, estive na Suazilândia e abordámos algumas empresas que trabalham na área da planificação, para tentar perceber como é que eles fazem essa gestão, como é que eles planificaram. Também fomos buscar a experiência de países desenvolvidos, como a Alemanha, e visitámos a Baviera, no mês passado. Nós queremos encontrar um conceito que melhor se adeqúe à cidade de Quelimane na questão da implementação e da concepção do próprio plano de estrutura.

@V – A dada altura referiu-se às valas de drenagem. O saneamento do meio é também uma prioridade do município?

MA – Sim, foi uma das prioridades nos primeiros 12 meses. Quelimane cheirava mal e um dos pontos que colocámos como prioridade, além da área de infra-estruturas, foi a do saneamento. Nós investimos aquilo que eram os recursos que conseguimos colectar no ano passado (2012) e com esses fundos conseguimos comprar quatro tractores novos. Comprámos igualmente um camião e agora recebemos, na cooperação que temos com vários parceiros, do município de Copenhaga, um camião basculante. Portanto, melhorou bastante o saneamento na cidade de Quelimane, mas no meio deste percurso tivemos que desviar as nossas atenções porque, a mando do partido Frelimo, veio um munícipe reclamar a posse do local onde se encontrava a lixeira municipal e exigia-nos que pagássemos 80 mil meticais por mês. Nós não temos esses recursos, o que fizemos foi procurar um sítio com condições e agora estamos a tratar desse sítio para que o município tenha uma lixeira de raiz.

@V – E como está o município de Quelimane no tocante à arrecadação de receitas?

MA – Estamos melhor hoje. Aumentámos entre 10 e 15 porcento aquilo que eram as receitas nos anos anteriores e nos mercados praticamente duplicámos. Nós tínhamos encontrado uma média de 12 mil meticais por mês e esticámos até 22 a 23 mil meticais por dia. É isso que nos permitiu ter uma receita para podermos comprar os bens móveis que temos. Como sabe, se aumentam os veículos, aumentam os gastos com o combustível, óleo, manutenção e motoristas. Portanto, foi uma subida de escala em várias áreas, mas o que nos deixa satisfeitos é que melhorámos bastante o aspecto da nossa cidade, já não encontramos lixo pela urbe, e já não se verifica a situação em que os resíduos sólidos tinham de ficar dois a três dias sem serem recolhidos.

@V – Quais foram as acções que culminaram com o aumento de receitas?

MA – A primeira coisa que nós fizemos é que, os munícipes viram que nós montámos uma equipa nova de fiscais jovens, sensibilizámos as pessoas que vendem nos mercados sobre a importância do pagamento da senha do dia, que é a taxa, mas eles viram que do primeiro dinheiro que eles pagaram, usamos no mercado para melhorar as condições dos espaços. Para mim, os mercados ainda não estão um terço daquilo que eu gostava que fossem, mas já melhorámos bastante. Os mercados cheiravam mal, havia grandes poças de água, e tivemos de aterrar alguns desses locais de comércio. Colocámos água e energia, o que permite que os munícipes possam trabalhar bastante tempo, ao invés de saírem às 16h00 já podem fazê-lo às 18h00. Quando eles viram isso sentiram-se motivados e passaram a pagar um pouco mais. Mas também criámos comités de gestão dos mercados constituídos pelos próprios vendedores e é um processo contínuo de formação, de auscultação e participação.

@V – Como tem sido gerir o município sem dispor de bancada na Assembleia Municipal?

MA – O que nós fizemos foi uma questão simples, foi, na verdade, um jogo psicológico. Eu sabia que não teria bancada quando concorri e logo sabia que ia ter grandes dificuldades para gerir o município de Quelimane. O que nós fizemos foi criar um processo de planificação a partir da base, ou seja, envolver os secretários dos bairros. O processo funciona da seguinte maneira: o secretário do bairro faz uma proposta, depois o posto administrativo também faz a sua e, posteriormente, incorporamos no plano. Esse processo participativo faz com que o munícipe sinta que aquele plano é dele. Se nós levamos para a Assembleia Municipal e esta chumba, o que estará a acontecer é que a Assembleia Municipal estará a chumbar o plano do munícipe, logo, nas eleições seguintes, o munícipe saberá quem é que está do seu lado e quem não está. Criámos uma barreira psicológica para os chumbos; sempre que eles chumbarem estarão a perder mais membros e, consequentemente, votos. Os munícipes ficaram com a ideia de que a bancada da Frelimo, no caso em apreço, está contra o desenvolvimento da cidade de Quelimane.

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