Desde há pouco mais de um ano o nosso país deixou de ter um Ministério da Mulher e Coordenação da Acção Social e passou a ter um Ministério do Género, da Criança e da Acção Social, ora se agenda de Moçambique é melhorar a situação da mulher, porque temos de ter um Ministério do Género questionam Clotilde Noa e Maira Domingos, activistas da Rede de defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos de Moçambique, em entrevista ao @Verdade onde enfatizam que “quando nós falamos de igualdade não significa necessariamente tratar as diferenças dos vários grupos da mesma forma” e explicam que “as crianças não têm os mesmos problemas que as mulheres, as mulheres não têm os mesmos problemas que os homens”.
Mais pela pressão externa, e por Moçambique ser signatário de acordos regionais e internacionais, foi criado em 1999 o Ministério da Mulher e Coordenação da Acção Social. Em 2005, esse pelouro foi transformado em Ministério da Mulher e da Acção Social com o propósito, entre outros, da inclusão social, defesa dos direitos, empoderamento e promoção social da Mulher.
A situação da mulher tem melhorado, pouco diga-se, e em 2015 a instituição governamental voltou a ser transformada, desta vez passou a denominar-se Ministério do Género, da Criança e da Acção Social com alguns dos propósitos iniciais mas claramente mais disperso nos seus focos.
“É que se dilui o projecto político de mudança, quando nós dissemos que é Ministério do Género é para homens, mulheres e crianças, todos em termos de níveis de desigualdade e discriminação para eles não há diferença” afirma Maira Domingos que explica que onde está o engano. “Quando nós falamos de igualdade não significa necessariamente tratar as diferenças dos vários grupos da mesma forma, significa tratar a diferença em função das necessidades que cada grupo precisa. É por isso que alguns dizem quando nós queremos corrigir uma desigualdade vamos ter políticas que de facto diferenciam, não é chamar Ministério do Género e significa que resolvemos o problema da igualdade, e só nos enganamos a nós mesmos por que isto é uma grande mentira, não consigo visualizar as necessidades da mulher porque estão diluídas, nós estamos a dizer que todos têm os mesmos problemas. As crianças não têm os mesmos problemas que as mulheres, não têm os mesmos problemas que os homens”.
Clotilde Noa declara que o Governo não só deveria ter mantido o Ministério da Mulher como ainda devia ter aumento o seu orçamento. “Quando olhamos para os sectores sociais, mulher, criança, idosos, deficientes e entre outros, é lamentável. O Ministério do Género é dos mais pobres”.
Efectivamente, ao longo dos anos, a percentagem do Orçamento do Estado(OE) alocada a este Ministério tem sido baixo de 1% tendo reduzido para 0,17% em 2014 e aumentado infimamente em 2015 para 0,20%. No OE de 2016 o valor global alocado ao agora denominado Ministério do Género, da Criança e da Acção Social foi novamente cortado embora tenham subido significativamente os fundos para os programas de protecção social dos mais pobres.
“Não é um favor que se faz às mulheres mas sim é uma acção estratégica de desenvolvimento”
Sendo certo que muitos dos problemas que as mulheres moçambicanas enfrentam são transversais à várias instituições do Governo a activista Clotilde Noa questiona como será possível o pelouro do Género assegurar que o Ministério da Saúde, por exemplo, vai alocar mais ou menos fundos do seu orçamento a saúde materna infantil? Ou de que forma o Ministério do Género irá fazer para que o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano também privilegie a educação a rapariga ou dos cidadãos que sofrem de cegueira?
Para esta activista da Rede de defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos os fundos para corrigir as desigualdades enfrentadas pelas mulheres deveriam ser alocados ao Ministério do Género, da Criança e da Acção Social.
Maira Domingos secunda a sua colega chamando atenção primeiro para o desperdício de fundos que resulta na falta de solução de só um dos maiores problemas que as raparigas não conseguem enfrentar: os casamentos precoces. “Imagine quanto investimento é feito na educação primária, onde a maioria são meninas mas que chegam aos 15 anos não vão continuar a estudar. Quanto dinheiro de investimento nós calculamos que é perdido nestes anos todos, temos ideia do que seria feito destas meninas em 40 anos de independência”, questiona.
“É preciso compreender que isto não é um favor que se faz às mulheres mas sim é uma acção estratégica de desenvolvimento de um país, compreender que cada criança, seja do sexo masculino ou feminino, tem direito de completar a escola e completar todo o ciclo de formação. Isso gera até maior oportunidade de criar inovação no país, porque estamos a “matar” mais de metade logo numa fase muito embrionária do nosso investimento na educação” explica a activista que tem a convicção que “os homens não conseguem alcançar essa dimensão das perdas que o país tem”.
Além das políticas, e das acções dos governante, que não contribuem para a melhoria da situação da mulher moçambicana as activistas da Rede de defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos declaram que a sociedade continua a discrimina-las, destacando que as meninas são afugentadas dos cursos técnicos, pelos professores e também pelos colegas, por exemplo “quando está de fato macaco é maria rapaz, é todo um ambiente de barreiras que ela acaba desistindo”.
Maira Domingos chama ainda atenção para o conservadorismo que está a crescer na sociedade moçambicana, devido a influências das várias igrejas existentes que levaram até a criação de um Ministério para os Assuntos Religiosos. “A questão religiosa, ligada ao fundamentalismo, mas de forma de forma muito subtil, isto associado às medidas que estão a ser tomadas em algumas escolas aqui na cidade de Maputo”.
As activistas referem ainda várias outras situações de conservadorismo como os casos de instituições públicas onde as cidadãs não podem ter acesso usando blusas com alças ou vestuário que é considerado atendado ao pudor.