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Elas lutam contra a violência…

Diariamente, elas experimentam situações penosas que derivam da violência que reina na família. Na sua sociedade, supostamente tradicional e machista, o baixo nível sócio-cultural e de educação torna-as frágeis. No entanto, de um atributo não perdem orgulho: elas são a mulher moçambicana. Unidas, presentemente, lutam pelos seus direitos. Querem combater a violência doméstica sem esperar pelos resultados. É que não dá, a tradição é forte…

Muito recentemente, Dama do Bling, uma das mais irreverentes rappers moçambicanas, escreveu algures que “não me batas porque sou bonita”. Segundo a artista, a intenção do referido texto é lutar contra a violência doméstica em Moçambique.

Ficámos decepcionados! Não com a intenção da iniciativa (cujo ponto mais alto será a realização de um concerto musical ? em Maputo, nos finais de Abril em curso ? que associará mais de uma dezena de artistas do sexo feminino, em palco, oriundas de Moçambique, Angola e Estados Unidos da América), mas com o carácter lacónico do discurso. Não sendo fundamental a fundamentação da nossa preocupação ? nestas linhas ? procurámos a artista para perceber os argumentos da sua posição.

Dama do Bling, uma artista com uma formação na área de Direito, revela-nos que de há alguns tempos a esta parte tem desenvolvido uma série de trabalhos para rechaçar a violência doméstica infantil, sobretudo a que reincide sobre a rapariga.

De acordo com a artista o problema é que, no nosso país, vezes sem conta sucede que por diversos motivos ? falta do acesso à educação, gravidezes precoces ou porque lhe foi prometido um casamento ? em determinado momento a rapariga vê-se “mergulhada” na contingência de ter que “abortar” os estudos.

Ou seja, “está-se diante de uma violência doméstica psicológica porque as meninas não têm o mesmo tratamento, em termos de direitos e deveres, que os rapazes”. Facto, porém, é que ambos, o menino e a menina, são estudantes.

No entanto, ainda no núcleo familiar, quando regressam da escola o primeiro pode divertir- se, ao passo que a segunda deve (por obrigação) realizar trabalhos domésticos, o que muitas vezes não lhe dá tempo de rever a matéria dada na escola. “Este tratamento diferenciado marginaliza e violenta (psicologicamente) a mulher”, diz explicando que “é por isso que a minha aposta é defender a rapariga”.

Residir com o agressor

Talvez se disséssemos que a realização contínua de campanhas anti-corrupção em Maputo acaba por se tornar um acto redundante não estaríamos (muito) enganados. O facto é que enquanto os efeitos desejados não ocorrerem não vale a pena desistir.

Enquanto isso, as regiões rurais ? onde a violência doméstica está enraizada por questões culturais ? a mulher não difere de um objecto inanimado, uma bola ou mesmo uns sapatos que podem ser pisoteados sem dó.

Como tal, Dama do Bling lamenta o facto de que “as estatísticas (sobre o fenómeno) indicarem-nos que, apesar de haver casos isolados em que o homem é o alvo, a violência doméstica que incide sobre a mulher. Ela reside com o seu agressor na sua casa, onde devia encontrar mais segurança”.

Até porque entre os males não há menor. Mas é como assinala a intérprete da música “Longa Espera”, uma composição que nos mostra o outro lado do fenómeno:

“Diria que a violência, física como psicológica, origina marcas indeléveis na vida das vítimas. Por isso, eu, como mulher, sinto que apesar de considerar que, de certa maneira, somos fortes, a fragilidade da nossa natureza física torna-nos muito delicadas. Daí que necessitamos de mais respeito e carinho por parte dos nossos companheiros em todo o espaço social”.

Está torpe

A nossa interlocutora diz que, na sociedade em que nos encontramos inseridos, lutar contra a violência doméstica ? ou qualquer outro mal ? é muito complicado porque imperam muitos factores culturais rígidos. Ou seja, é difícil convencer a um homem do espaço rural que não deve agredir a sua esposa numa situação em que ele foi, em certo sentido, educado de uma maneira que lhe diz que aquele é o modo de pensar e agir.

Noutro desenvolvimento, Bling adjectiva a sociedade moçambicana de tradicional e machista para argumentar que “a violência psicológica na qual a mulher é submetida tem sido muito fatal porque atinge a sua auto-estima”. Daí que o movimento encabeçado por si, na companhia de inúmeras artistas, é uma forma de trazer e difundir uma mensagem de luta contra a violência em que os homens não são e nem devem ser apartados porque também têm sido vítimas.

Portanto, é essa rigidez que nos deve dotar de uma concepção de mudança em relação à situação. É como quem diz que se os adultos são difíceis de transformar, as crianças não o devem ser também.

Como tal, “penso que podemos trabalhar com as crianças mostrando- lhes que elas não devem replicar as acções erradas, desviantes e torpes dos seus pais. Só assim, com uma acção que modifica a base, os alicerces, no futuro se pode ter uma sociedade melhor”. Na verdade, “estamos a trabalhar para as gerações vindouras, porque compreendemos que na fase em que nos encontramos é difícil operar e visualizar as transformações que almejamos”.

Instituições inoperantes

Há menos de cinco anos, o Governo moçambicano ? preocupado com as proporções da violência doméstica ? criou uma um dispositivo legal que, de forma tendencial, defende a mulher. Trata-se da Lei da Violência Doméstica Contra a Mulher e a Criança. Há mais instrumentos nesse sentido.

“O problema é que, apesar de possuirmos tais instrumentos, em Moçambique, as mulheres continuam a ser submissas a situações lamentáveis ? no espaço social ? devido à sua dependência económica, financeira e até emocional em relação ao homem”, diz Bling.

Pior ainda, “infelizmente, devido a essas estruturas sócio-culturais, quando a mulher denuncia situações de conflito familiar que coloca em perigo a sua dignidade, ela acaba por ficar sem o apoio do homem”. Desprovida do sustento para o seu lar, nada mais lhe resta do que retirar a queixa. O que sucede é um novo ciclo de opressão e violência.

Há quem pensa que, nos dias actuais, o melhor é instigar a sociedade para evitar a prática de actos de violência doméstica, para que em função do bem-estar não tenhamos que recorrer às instituições de direito que se revelam inoperantes.

Por isso, a mensagem da campanha da mulher contra a violência doméstica é a necessidade de haver a prevenção do conflito para que o homem não bata na mulher e que esta, por sua vez, não agrida o primeiro. É urgente reduzir a opressão verbal, material e financeira.

O lobolo

Entretanto, apesar da consciência que se tem de que a violência doméstica é praticada de diversas formas, muitas das quais não são conhecidas, tal não se pode provar pelo simples facto de ser um fenómeno silencioso. Ninguém denuncia. Em consequência disso, as estatísticas que temos surgem de forma esporádica.

Mas, devido ao contexto machista da nossa sociedade, sempre que se realizam as cerimónias de lobolo o homem, supostamente por interpretar o ritual como sedo uma aquisição comercial da mulher ? ele torna-se o dono daquela, detendo todos os direitos sobre ela. Como tal, espanca-a sempre que ela lhe desobedece ou quando não concorde com o seu pensamento. A pergunta que se coloca é: “Neste contexto, seria correcto maldizer o lobolo e/ou mesmo aboli-lo?”

A resposta é não. Mas o que é facto é que o problema não é, necessária e somente, o acto da agressão. Mas a estrutura que a fomenta. A violência é o resultado de este homem (agressivo) ter crescido num ambiente social que suporta actos do género como normais. O nosso contexto sócio-cultural, o sistema de valores e a forma como eles são transmitidos, é que produz este cenário ciclicamente.

Bling não é apologista da abolição do lobolo. Compreende- -o como um evento simbólico, tradicional e necessário. Mas lamenta o facto de essa tradição ser responsável pelo advento de violência na família.

“É como se o homem tivesse comprado a mulher. E por ter pago tem a consciência de que a mulher é sua propriedade, o que não é verdade. Nem é preciso fazer nenhuma avaliação para compreender o custo, o investimento realizado para criar e educar a mulher”, diz.

O lobolo é apenas um acto simbólico. Nada mais do que isso. A mulher não tem preço. Mas, com este gesto, o futuro marido tem a oportunidade de agradecer aos pais pelo tempo que dedicaram a cuidar e a educar a mulher que se tornará sua esposa.

De qualquer modo, na nossa realidade, “uma vez que somos mães e donas de casa, os cuidados que temos em relação aos problemas da economia familiar, aos filhos assim como no que se refere aos maridos, enchem- nos de orgulho e responsabilidade.

No entanto, quando tais atributos não são valorizados ? em resultado da eclosão de uma figura violenta, agressora no seio do lar ? tornam-se uma saga”, afirma Bling, o que para a cantora Marllen significa que enquanto não se transformar esta realidade dificilmente a mulher se pode tornar “o poder e o espírito de uma nação”.

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