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Editorial – Semelhanças entre Moscovo dos anos 30 e a Luanda de hoje

Há uns dias parei, ao fazer zapping, na TPA (Televisão Pública de Angola). A transmissão, em directo, do novíssimo Centro de Conferências de Belas – espaço muito aprazível e de grande dimensão -, dizia respeito ao encerramento do VI Congresso do MPLA que em tempos já foi Barra (/) Partido do Trabalho e que hoje é Barra (/) PSD (Partido Social Democrata).

Mas as vontades, essas, é que parecem não mudar com os tempos nem com as siglas. Os rituais, o culto do líder, o monolitismo, o centralismo, especialmente este último, continua a ser bem “democrático”, o que quer dizer, tal como o que emanava da RDA, é tudo menos isso, democrático. (Sempre me fez confusão que esta palavra quisesse dizer exactamente o contrário do que vigorava nesses países. Seria só para enganar?) Ao olhar para aquela gente, toda trajada da mesma maneira – T-shirt e bonés encarnados, a cor do MPLA -, toda ensaiando os mesmos gestos, recuei aos anos 30 e 40 do século passado, avivando a minha memória dos rostos sinistros de politburo soviético do tempo de Estaline, quando o pavor, o pânico, a desconfiança, o cinismo, tomavam conta dos rostos de Malenkov, Mikoyan, Beria, Zinoviev, Kamenev, Radek, Kaganovich e demais delegados.

Nessa época – não foi por acaso que ficou conhecida por terror – as votações, apesar de secretas, raramente não atingiam os 100% de anuência, porque havia formas muito sub-reptícias de descobrir os inimigos que oficialmente eram “do povo” mas na prática eram de Estaline. O cúmulo da sabujice eram as sessões de aplausos que chegavam a prolongar-se por um quarto de hora porque ficava mal visto ser o primeiro a cessar as palmas. E ser mal visto significava falta de lealdade para com o Pai dos Povos e todas as consequências que daí advinham. Setenta anos volvidos, o que se passou na semana transacta em Belas não difere muito dos Congressos do PCUS dessa época.

Ninguém ousou desafiar a liderança de Eduardo dos Santos – foi o único candidato tendo sido reeleito com 98,7% dos votos -; os convidados estrangeiros, tal como na Rússia Soviética, saíram embevecidos com o exemplo de democracia – o embaixador dos Estados Unidos, Dan Mozena, mostrou-se satisfeito “com a construção da democracia em Angola” – e, tal como na União Soviética, tudo decorreu sem surpresas, servindo estes tipo de encontros exclusivamente para carimbar as decisões do Comité Central.

Tal como se esperava, as presidenciais – recorde-se que Angola é um regime presidencialista – foram adiadas pelo menos por mais três anos, aventando-se cada vez mais a hipótese de a eleição do chefe de Estado ter lugar por via parlamentar. E, para terminar, tal como a Rússia Soviética atribuiu durante muitos anos as razões do seu atraso ao regime czarista, Eduardo dos Santos não deixou de referir que o estado em que hoje o país se encontra – em cada 100 angolanos 60 vivem na pobreza absoluta, não sabem ler nem escrever, não possuem casa, não têm acesso a água potável, a electricidade ou a cuidados primários de saúde – deve-se à pesada herança social do colonialismo agravada com a longa guerra civil, “esquecendo-se” do atraso provocado por cancros como a corrupção, o enriquecimento ilícito, a partidarização das estruturas do Estado, a violação dos direitos humanos, o aniquilamento da oposição e da imprensa livre, etc, etc.

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