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“É preciso repensar na legislação sobre aborto”

“É preciso repensar na legislação sobre aborto”

O coordenador da Associação Coalizão da Juventude, uma agremiação criada por jovens para a educação sexual de jovens e raparigas, Farouk Simango, defendeu, recentemente, a necessidade de se despenalizar o aborto no país como forma de reduzir a recorrência às práticas clandestinas desse acto. Noutro diapasão, o nosso interlocutor deixou ficar a sua ideia sobre o sistema de eleição dos parlamentares para a Assembleia da República. Disse que se devia procurar outra fórmula de eleição que permitisse com que o povo eleja de forma directa os deputados de modo a garantir a representatividade.

@Verdade: Como surge a Associação  Coalizão da Juventude?

Farouk Simango (FS): Coalizão da Juventude nasce em 2005, quando um grupo de activistas decidiu formar uma associação de jovens que interviesse em questões inerente à saúde na camada jovem, no seio desta privilegiamos muito o envolvimento da rapariga nos nossos programas porque entendemos que ela ainda não conseguem, por exemplo, negociar o uso do preservativo com o seu parceiro. A nossa área focal é questão da saúde sexual e reprodutiva com principal enfoque para o VIH/SIDA, álcool e drogas e o empoderamento da rapariga através do género.

@Verdade: Que trabalhos concretos vocês desenvolvem?

FS: Temos vários projectos em que falamos da saúde, contracepção, planeamento familiar, aborto, ITS, VIH/SIDA e para questões de acesso à saúde. Nesse âmbito temos parcerias com unidades sanitárias, onde fazemos campanha porta-a-porta, promovemos debates em mesas redondas, entre várias outras formas de educação sexual. Fazemos de tudo para garantir que os jovens tenham acesso à saúde de boa qualidade.

Temos também um projecto que designamos de “Mobiz” que conta com 300 activistas em Maputo nele envolvemos também cantores. Com este tipo de eventos temos apoiado o Fórum da Terceira Idade, a Associação das Minorias Sexais (LAMBDA), as vítimas das cheias. Tudo que fazemos na tentativa de mudar o comportamento dos jovens.

@Verdade: Que tipo de apoio dão a cada um desses grupos?

FS: Nós não vamos a essas pessoas com géneros alimentícios. Nós vamos mais com informação sobre saúde, vamos mais com o kits básicos para raparigas, contendo capulanas, pensos, material de primeira necessidade para raparigas, porque sabemos que estão numa situação muito vulnerável. Em locais com enxurradas, por exemplo, descobrimos que as raparigas acabam por optar por comportamentos não seguras para as vezes obter uma simples garrafa de água.

Portanto, nós vamos para consciencializar essas raparigas. Para o Fórum da Terceira Idade, geralmente realizámos palestras, debates, de modo a confortá-los, para que não se sintam sozinhos. Com os kits temos ajudado também as unidades sanitárias, com psicólogos locais, médicos que nos podem ajudar em termos de saúde sexual e reprodutiva para adolescentes e jovens. Em relação às associações que nós trabalhamos com elas, fazemos a gestão dos fundos para essas organizações, apoiamos actividades que as mesmas desenvolvem. Algumas apoiamos em termos de capacitações.

@Verdade: Que avaliação faz do educação sexual nos jovens que residem nos locais onde vocês trabalham?

FS: Faz tempo que trabalhamos com a educação sexual. Os últimos dados que o ISIDA nos traz, diz que os jovens com maior nível de escolaridade, com maior poder financeiro e económico, são os que mais estão infectados pelo vírus de VIH, quando pensávamos que as pessoas que baixo nível de instrução é que seriam os mais infectados. O que acontece é uma questão de mudança comportamental.

Do princípio nós optamos por trabalhar com jovens em discotecas das províncias. Sabemos que em Maputo as pessoas tem acesso à informação, há preservativos disponíveis em todas as esquinas, e às vezes as obtêm de forma gratuita. O que acontece é que os jovens não optam por comportamentos seguros. Os jovens com maior capacidade financeira são os que mais conseguem enganar as meninas para que possam ter um comportamento de risco.

@Verdade: Quais têm sido os resultados do vosso trabalho?

FS: Os resultados são bons. Por exemplo, jovens que querem saber como actuamos depois procuram afiliar-se a nós e começam a realizar trabalhos connosco. Sempre procuramos trazer coisas inovadoras, tentamos ser mais recreativos, para que os jovens não achem o nosso trabalho cansativo.

@Verdade: Que relação tem os Governos nos sectores da educação e saúde?

FS: Temos boa relação com o Ministério dos Desportos, do Ministério da Saúde, do Núcleo do Combate a SIDA e do Conselho Nacional do Combate ao SIDA. Em termos políticos temos boa relação com as entidades que mencionei. Recentemente fomos galardoados com o prémio de Melhor Associação juvenil do país que trabalha com associativismo juvenil, na Gala da Juventude. Ainda este ano fomos eleitos a Melhor Associação na Área de Protagonismo Juvenil e Empreendedorismo.

Com a nossa experiência, constatámos que, ao trabalhar com clubes nocturnos, os homens, diferentemente das mulheres, gostam de frequentar discotecas, e as mulheres preferem ficar em salões de cabeleireiro. Nesse âmbito, formamos as meninas em salões de cabeleireiro, para durante as conversas, no tratamento do cabelo, abordar assuntos relacionados com educação sexual, pois sabemos que sempre aparece alguém não que tem algum conhecimento do assunto.

@Verdade: Qual é a vossa opinião em relação ao aborto?

FS: Primeiro, nós achamos que o aborto deve ser despenalizado, porque muitas das vezes as meninas tem comportamentos não correctos e acabam engravidando e não estão preparadas para ter filhos.

Não estamos querer dizer que as meninas devem recorrer ao aborto como um método contraceptivo, apenas estamos a dizer que o aborto deve ser despenalizado porque nalgumas situações é necessário fazer aborto e quando estiver despenalizado, e com um regulamento, de como é que o aborto deve ser feito achamos que vamos evitar muitas mortes.

Caso contrário as meninas vão sempre optar por abortos inseguros e em locais clandestinos. É importante termos a questão da despenalização do aborto com um regulamento claro, que explique como as mulheres devem fazer o aborto. Na lei submetida a Assembleia da República, ficou claro sobre a questão do regulamento.

@Verdade: De que maneira os direitos da sexualidade da mulher estão intimamente ligados ao aborto?

FS: Olhando para os direitos sexuais e reprodutivos, sabemos que um deles é o direito à vida, à saúde e o direito de dizer quando, com quem e quantos filhos pretendem ter. Esse é um direito sexual e reprodutivo que nós não abrimos mão. Se estes jovens não estão preparados para ter filhos e o aborto coloca em risco a sua saúde, e a saúde da criança, claro que deve optar pelo aborto porque estas jovens tem direitos.

@Verdade: Em que pé estamos com o Governo em relação a este assunto?

FS: Esperávamos que na legislação o assunto da despenalização do aborto fosse resolvida, mas não foi possível. O grupo da sociedade civil que está a trabalhar nesta questão está sempre com as companhas da despenalização do aborto, enquanto isso não acontece, não vamos parar. Acreditamos que o Governo também consegue perceber que há algumas coisas que não estão claras. Portanto, tem que haver alguns pesos e medidas onde alguém terá que ceder.

@Verdade: Quais são as principais revindicações das raparigas com que a associação se depara?

FS: As coisas melhoraram muito com a criação dos gabinetes que existem nas esquadras, através da lei contra a violência doméstica. Não só, as mulheres estão a ganhar espaço, por isso já temos ministras, parlamentares e governadoras. Estamos numa época em que homens e mulheres lutam para ter direitos iguais e oportunidades iguais.

@Verdade: Falando em Parlamento, como encaram algumas decisões da Assembleia da República, algumas muitas contestada pela sociedade?

FS: Nós como associação, achamos que algumas coisas não estão correctas e não olhamos para o Parlamento como formado por partidos políticos mas como representantes do povo. É preciso que haja uma nova forma de eleição dos nossos deputados na Assembleia da República, é preciso que seja o povo a eleger, porque nós elegemos porque os partidos colocam eles nas listas, mas não é a sociedade civil a eleger, não é o povo.

Acho que tinha se recorrer a uma outra metodologia para eleger os deputados porque algumas coisas são mesmo atropelos, como a questão das regalias, por exemplo. É absurdo que um deputado ou Presidente tenha aquelas regalias enquanto que nós estamos a dizer que temos que lutar com a pobreza absoluta, e trata-se de pessoas que nem estão na pobreza absoluta. Com tantos atropelos, não acredito que os deputados no parlamento representam a sociedade civil.

@Verdade: Falando em política, quer comentar sobre a governação dos últimos 10 anos do Presidente Guebuza?

FS: Acho que o Presidente da República trouxe alguns avanços para o país. Temos infra-estruturas, e descoberta de novos recursos minerais, alargou-se a rede de energia eléctrica, a telefonia móvel entre outros, mas é também importante olhar para a questão de como fazer a redistribuição dessa riqueza. O conflito militar surge mesmo por causa da descoberta dos recursos minerais no país. Eu acho, como jovem, que a forma como está sendo feita a divisão não é correcta.

Deve se olhar para a sociedade moçambicana, toda ela, mas qual é o ganho que a sociedade está a tirar, é verdade que temos alguns moçambicanos a trabalharem, mas o que é que está a ser feito com essas cobranças feitas pelo Governo às mineradoras? Creio que estão a ser cobrados impostos altos, então tem que haver melhoria, por exemplo nas estradas, formação de jovens entre outros assuntos que fazem falta ao país. O Presidente Guebuza governou bem o país, mas devia haver uma boa redistribuição da riqueza dos recursos que estão a emergir. Se isso não acontecer, a guerra pode não parar por aqui.

Deve fazer alguma coisa também para reduzir a criminalidade que está a parecer crime organizado, os raptos, isso faz com que alguns investidores parem de investir no país. Com a lei da amnistia, por exemplo, veio minimizar a situação do conflito, mas existem outros factores que esta lei não olhou. O que será feito dos famílias que perderam os seus ente-queridos. O que o Governo pensa fazer com essas pessoas? Senão daqui há qualquer altura começa outra guerra e de novo recorremos à amnistia.

@Verdade: Qual acha que deve ser o papel do Governo na educação sexual?

FS: O Governo tem feito a sua parte. Temos trabalhado com a presidente da Assembleia da República, Verónica Macamo e a primeira-dama. Portanto, temos oportunidades dessas aberturas e louvamos os trabalhos que a primeira-dama tem feito no que diz respeito à saúde materno-infantil. Moçambique é hoje um país modelo, graças a Maria da Luz Guebuza. Achamos que os resultados são animadores, porque as pessoas já tomaram consciência de fazer os testes médicos, o uso do preservativo, os jovens adirem ao movimento contra comportamentos não adequados.

@Verdade: É curioso que apesar da distribuição massiva dos preservativos continuamos a registar gravidezes precoces, número elevado de pessoas infectadas. Não vos parece em algum momento que o trabalho que fazem não está surtir efeitos esperados?

FS: Estamos a fazer alguma coisa. Quando levamos os preservativos aos jovens, sabemos que nem todos vão usar o preservativo. Sabemos que nem todas as infecções pelo VIH são através de relações sexuais, sabemos também que a questão da negociação do uso do preservativo ainda é um calcanhar de Aquiles para as raparigas e, sabemos que ainda existem aspectos culturais que são muito fortes e enraizados no país. Dizer que vamos acabar de vez que estas questões seria uma ilusão, porque existem barreiras socioculturais que nos deparamos com elas. A questão da mudança comportamental é um processo.

@Verdade: Tem algum apoio das igrejas nas vossas advocacias?

FS: Sim temos. Alguns pastores das igrejas aconselham a falar do preservativo fora da igreja porque sabemos que é importante tocar esse assunto, mas tratando-se da igreja deve ser respeitada.

@Verdade: O que fazem em relação a mutilação genital feminina?

FS: É mais um direito, mas reconhecemos também que se trata de ritos de iniciação, e tratando disso é uma cultura enraizada e não podemos chegar a uma comunidade dizer as pessoas para abandonar essas práticas. Junto das comunidades, nós tentamos com os líderes comunitários trazer a importância dos prós e contras da mutilação genital, porque se quisermos chocar a cultura de certas comunidades, poderemos falhar. Trabalhando com os líderes, podemos pouco a pouco fazer entender as populações que essas práticas são perigosas.

@Verdade: Quais são os desafios para que a educação sexual seja bem incorporado no seio dos jovens?

FS: É importante trazermos o conceito da fidelidade, o envolvimento dos pais, para explicarmos claramente o assunto que abordamos com os seus filhos. Alguns filhos chegam a trazer depoimentos dos nossos ensinamentos.

@Verdade: Quais os desafios que tem pela frente?

FS: Andamos com problemas de espaço físico. Tínhamos também problemas de transporte mas com a boa vontade de algumas entidades, já temos dois carros. Mas o grande desafio é casa própria.

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