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Os desafios que Guebuza não venceu

Os desafios que Guebuza não venceu

Ao longo dos últimos anos, o ambiente social em Moçambique foi caracterizado por um elevado índice de descontentamento populacional. As manifestações de 5 de Fevereiro de 2008, de 1 e 2 de Setembro de 2010; a greve dos médicos, a primeira no sector público; a revolta dos desmobilizados e dos ex-agentes dos Serviços de Informação e Segurança do Estado, em 2013, deixaram a nu e de forma inequívoca esse facto. A crise de transportes agudizou-se de tal forma que, hoje, as pessoas são transportadas em condições que até ferem a sua dignidade. O retorno à guerra depois de 21 anos de paz alcançada com a assinatura do Acordo Geral de Paz, foi o auge de uma governação desastrosa e contestada pela maioria dos moçambicanos que depois de muitas promessas feita no combate a diferentes males, ainda viram o seu país ser classificado como o décimo mais pobre do mundo.

Na semana passada, o Chefe de Estado, Armando Guebuza, disse, em sede da Assembleia da República (AR), na sessão reservada à apresentação do seu informe anual sobre o estado da Nação, que cumpriu a missão de combate à pobreza e colocou o país “na rota da construção do seu bem-estar”. A afirmação surpreendeu meio mundo, pois ninguém precisa fazer grande esforço para notar que muitos cidadãos, neste país, ainda vivem em condições que ferem a dignidade humana, sem acesso aos serviços básicos, a habitação condigna e a alimentação adequada.

Na verdade, mais do que um informe, Guebuza apresentou ao Parlamento e aos moçambicanos um balanço dos seus dez anos de governação e, concluindo, atribuiu-se uma nota positiva. Na sua digressão pelos seus dois mandatos, o Presidente da República (RP) passou por cima de questões prementes para o sociedade moçambicana.

A recente guerra em que o país esteve mergulhado e cujo o processo para o fim ainda decorre, a corrupção que assola vários sectores, o crime organizado que tomou de assalto até os órgãos do Estado, a crise de transporte que continua sem fim à vista são algumas das matérias que foram negligenciadas pelo Chefe do Estado, que preferiu fazer referência às presidências abertas, unidade nacional, auto-estima entre outras matérias. Guebuza apresentou também o que designou de dez desafios que serviram de base da sua governação, dos quais destacamos alguma nesta matéria.

O primeiro desafio apontado por Guebuza é referente à “elevação da auto-estima” no qual destacou as presidências abertas, a crescente descentralização da administração do Estado, maior aproximação das instituições de saúde e de ensino à população e electrificação rural. Para ele, estes, contribuíram para o aumento da tão pregada auto-estima.

De acordo com Guebuza, as presidências abertas e inclusivas se constituíram em momento de elevação do prestígio dos líderes comunitários e de aumento da auto-estima que eles próprios revelavam publicamente que aumentara com a disponibilização do fardamento. “Trouxemos para o vocabulário corrente do nosso maravilhoso povo termos como “patria amada”, “peróla do Índico”, “pátria de heróis”, fazer a parte de cada um, fé na nossa capacidade de vencer a pobreza, entre outros, que em muitos eleveram os nossos niveis de amor-próprio”, sublinha.

A reversão da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), a criação do selo “Made in Mozambique”, a iniciativa presidencial “um aluno, uma planta e um líder uma floresta nova” também foram chamados pelo PR para justificaram a elevação da auto-estima dos moçambicanos.

No entanto, Guebuza esqueceu-se, diga-se, propositadamente, de mencionar o facto de, mesmo com a HCB, o país continua a beneficiar de uma corrente eléctrica de péssima qualidade caracterizada pelo cortes frequentes no seu fornecimento aos cidadãos. O Chefe do Estado deixou, igualmente, de se referir ao facto de não haver medidas sérias de combate ao abate indiscriminado das florestas e exploração illegal da madeira que pudessem acompanhar a sua iniciativa de plantio de árvores.

Guebuza perdeu no combate à corrupção Já em 2005, aquando da sua primeira investidura, o PR prometeu combater o espírito de deixa-andar, a pobreza absoluta, o crime, ao burocratismo, doenças endêmicas e a corrupção, por constituírem obstáculos ao desenvolvimento.

Sobre este último fenómeno, Guebuza especificou, naquele foi o eu ultimo informe à Nação, que durante os seus dois mandatos foi privilegiada o “reforço da capacidade das instituições” e “a prevenção e repressão”. “Criámos o Gabinete Central de Combate à Corrupção e implantámos três gabinetes desta instituição de nível provincial e fortalecemos a sua capacidade de intervir e de, entre outras funções, assegurar a gestão transparente e eficiente da coisa pública”.

Assim, prossegue, no capítulo da prevenção da corrupção, foram reforçados os mecanismos de controlo interno dos órgãos do Estado, com a realização de auditorias pela Inspecção-Geral de Finanças, pelos gabinetes de auditoria institucionais e pela auditoria externa do Tribunal Administrativo. Ainda nesta área foram realizadas palestras e debates, envolvendo servidores públicos e outras audiências, bem com foram difundidas mensagens através dos órgãos de comunicação social sobre a necessidade de todos nós participarmos na luta contra este mal.

Ora, a verdade no terreno manda dizer que o Chefe de Estado ignorou o facto de as medidas tomadas no combate a este mal não estarem a produzir os efeitos desejados. Aliás, basta trazer ao debate o conclusão a que chegou o antigo Procurador-Geral da República (PGR), Augusto Paulino, no seu ultimo informe ao Parlamento, em Abril deste ano. O PGR disse estar “ciente que a batalha contra corrupção está longe de ser ganha”.

Uma afirmação que revela uma rendição diante de um fenómeno que a cada dia ganha mais terreno em Moçambique. As medidas de combate àquele fenómeno, de 2005 até ano passado, ainda não haviam atingido o nível de reduzir a ocorrência de casos de corrupção, atendendo que não existe diminuição significativa do número de processos tramitados, tal como refere o estudo do Centro de Integridade Pública.

Ou seja, os números indicam ainda que, as acções de prevenção da ocorrência de casos de corrupção levadas a cabo pelo GCCC e pelas Procuradorias, não estão a surtir os efeitos que são de esperar. Outro aspecto que devia tirar sono o Chefe do Estado é que o sistema judiciário já mostrou sinais claros de impotência quando é chamado a intervir nos casos considerados de “grande corrupção”.

Para exemplos meramente elucidativos temos: “Caso BCM – Banco Comercial de Moçambique”, em que um dos envolvidos é Vicente Ramaya (também envolvido e condenado no processo do assassinato do antigo jornalista Carlos Cardoso), antigo gerente bancário de uma das dependências onde aconteceu a fraude de cerca de 144 milhões de meticais da antiga família, iniciada em 1996. Tendo sido condenado em 2004, nesse processo, o réu recorreu do mesmo e até a presente data o tribunal não decidiu o recurso.

“O caso Instituto Nacional de Segurança Social (INSS)”, referente a um alegado rombo financeiro ocorrido nesta instância, em alegados cerca de 1 milhão de dólares americanos e que envolve um antigo Presidente do Conselho de Administração, o empresário Inocêncio Matavel. “O caso Conselho Constitucional”, em que foi acusado de corrupção pelo Ministério Público o juiz Conselheiro Luís Mondlane, mas que continua a julgar processos no Tribunal Supremo. “O caso Siba-Siba Macuácuá”, que foi repartido em dois processos, sendo um de má gestão e outro relacionado com o assassinato do antigo gestor do extinto Banco Austral, que vai transitando de mandato em mandato sem que se conheça o seu desfecho.

E ainda o “caso MINT – Ministério do Interior”, que envolvia o antigo Ministro do Interior nos últimos governos de Joaquim Chissano, Almerino Manhenje, e mais outros 9 generais, indiciados do desvio de cerca de 220 milhões de meticais da antiga família, que conheceu o seu desfecho (pelo menos em primeira instância). No entanto, o antigo governante foi acusado de 49 crimes pelo Ministério Público (MP) mas o tribunal reduziu os mesmos, de forma drástica, para três crimes e os valores em causa também.

Esta foi uma clara situação em que ficou demonstrada a fraca capacidade de investigação das instâncias de instrução processual. Estes são alguns dos casos que foram tramitados pelo Judiciário durante os dois últimos mandatos, sendo que alguns transitaram de anos anteriores, mas ficam ainda por esclarecer, manchando o funcionamento do sistema de justiça e descredibilizando- o. Os casos arrolados são demonstrativos de que o GCCC apenas consegue trazer ao conhecimento público e dar andamento de processos da chamada “pequena corrupção”.

Acontecendo o mesmo com o Procurador- Geral da República nos seus informes anuais à Assembleia da República. No entanto, no que diz respeito à repressão da corrupção, o Chefe do Estado referiu durante o informe que houve, nos últimos 10 anos, julgamentos e condenações, em sede de tribunal, de funcionários e agentes do Estado por actos de corrupção, de peculato e de desvio de fundos ou de bens do Estado. “Paralelamente, ao nível do Tribunal Administrativo, foi ordenada, por acórdãos, a responsabilização financeira de gestores por infracções financeiras punidas por multas cumuladas com a reposição dos valores não justificados”, sublinhou.

A unidade nacional

No segundo desafio apresentado: “acções de promoção da unidade nacional” Guebuza volta a destacar as presidências abertas e a electrificação rural. Falou também da unidade nacional, da expansão da rede de telefonia móvel e fixa e da internet, entre outros aspectos.

“De forma sistemática e regular, músicos moçambicanos, de diferentes cantos da nossa Pátria Amada, tiveram a oportunidade de abrilhantar recepções, banquetes de Estado, na Ponta Vermelha, e outros eventos oficiais. Esta era mais uma forma de promover a Unidade Nacional, reforçando assim a ideia de que a atenção do Estado Moçambicano estava sobre todos os artistas, independentemente de onde evoluíssem, como artistas”, disse Guebuza.

Aliás, o “basketshow”, uma iniciativa de desportiva que junta estudantes das escolas da cidade e provincial de Maputo num torneio de basquetebol e que conta com participação de cantores e dançarinos foi chamado a referência como estando a contribuir, a par do Moçambola, campeonato nacional do futebol, para a unidade nacional.

Educação continua com os problemas de sempre Sobre a educação, o PR destacou que foram feito investimentos na expansão do ensino, a todos os níveis, do Sistema Nacional de Educação. “Assim, entre 2004 e 2014, no ensino primário crescemos 57 porcento, no secundário 197 porcento, no técnico-profissional 40,3 porcento e no ensino superior crescemos 464,4 porcento”, especificou.

A reforma do ensino técnico-profissional foi uma prioridade na superação do desafio da formação do capital humano e melhoria da sua empregabilidade. No entanto, não obstante a essa “proeza”, este sector continua com graves problemas. Ou seja, falta de carteiras e para além da fraca qualidade de ensino.

Aliás, as tão contestadas passagens automáticas foram introduzidas durante o período em referência. No presente ano, o Ministério da Educação deu conta de um défice de cerca de 800 mil carteiras nas escolas espalhadas pelo país, num ano estava prevista a alocação de apenas 125 mil para fazer face à demanda.

Saúde

Na área da saúde, o PR refere que houve, durante o seu mandato, aumento do número de instituições que providenciam formação de nível superior do pessoal de saúde, passando de uma, a Universidade Eduardo Mondlane, em 2004, para seis no presente ano. Este facto, prossegue, permitiu com que este ano o país pudesse contar com 920 médicos nacionais generalistas.

“Em 2005 tínhamos 441 médicos. Importa sublinhar que em 2004 apenas 62 distritos tinham médicos, mas hoje temos 402 médicos que cobrem todos os actuais 141 distritos. Por isso, o nosso Povo, nos distritos, já não pede médico generalista, pede especialista, uma petição cuja resposta começámos a dar, pois já temos 73 distritos com médicos especialistas, quando em 2004 tínhamos 35”.

O Presidente não menciona no seu balanço a falta de medicamento, problema que de forma muito clara tem afectado os cidadãos em diversas unidades sanitárias país. Por outro lado, o Centro de Integridade Pública (CIP) aponta que os constantes casos de desvio de medicamentos nos hospitais públicos podem estar aliados à falta de leis de saúde pública no país, pelo que o Governo deve reagir o mais rápido possível para minimizar o fenómeno.

Aliás, o actual ministro da Saúde, Alexandre Manguele, admitiu publicamente que os hospitais do país já teve que recorrer a medicamentos fora do prazo para fazer face à falta de fármacos no Sistema Nacional da Saúde (SNS). “Quando temos que recorrer a estas situações significa que não estamos confortáveis em termos de medicamentos”, disse Manguele.

No seu discurso, PR recordou e criticou os que “insistem que somos, hoje, mais pobres do que éramos no tempo colonial”, sem no entanto, apresentarem uma definição clara de pobreza e os indicadores da mesma. “Hoje, temos mais escolas, mais maternidades, mais acesso aos serviços públicos e mais estradas sem poeira não nos parece que sejamos mais pobres que no tempo colonial”, asseverou.

A intolerância política continua

No discurso de investidura do seu segundo mandato, o PR comprometeu- se “a respeitar e fazer respeitar o Estado de Direito e Democrático e de Justiça Social”, baseado no pluralismo politico e de expressão, no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais de todos os cidadãos, independentemente de qualquer circunstância que os diferencie, assegurando igualdade de oportunidades.

Pasme-se, pois já no derradeiro momento do término do seu mandato é fácil notar que nada disso foi feito. Os partidos da oposição continuam a ser hostilizados e as oportunidades são, sim, oferecidas tendo com base as cores políticas de cada cidadãos.

Ao longo deste anos foram recorrentes casos de vandalização e distruição de sedes e outro material pertecente aos partidos da oposição, sem que com isso houvesse uma reação das entidades compententes. No seu discurso, o PR, durante as suas aparições públicas, ignorou a necessidade de se promover o multipartdarismo no país.

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