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“É preciso dar tempo às políticas”

“É preciso dar tempo às políticas”

Qual é o futuro da epidemia do SIDA em Moçambique? Diogo Milagre, Secretário Executivo-Adjunto do Conselho Nacional do Combate ao SIDA (CNCS), não arrisca previsões, mas também não traça cenários catastróficos. Porém, 34 mil pessoas vão morrer com SIDA em 2010.

Todos os dias, 355 adultos são infectados, e em 2010 esse número vai subir para 360 novos casos. Os epidemiologistas prevêem que 465 mil pessoas precisarão de TARV (Tratamento Antiretroviral) em 2010. Como regra, acha que a “mensagem começa a surtir efeitos paulatinamente”. Defende que “é difícil mudar o comportamento”. Contraria a ideia de que as políticas falharam, e defende que é preciso dar tempo, porque só em 2000 é que o país começou a abordar com objectividade e uma direcção clara o HIV/SIDA, mas mesmo nessa altura “tinhase um entendimento refractário”. Diogo Milagre presidiu, em 1999, a elaboração do Plano Estratégico Nacional.

(@V) – A primeira-ministra, Luísa Diogo, admitiu recentemente que as políticas no combate ao SIDA falharam. No seu entender, o que terá falhado concretamente?

(DM) – É sempre delicado pensarmos que as políticas ou as estratégias podem trazer resultados imediatos. Até porque quando se trabalha na área comportamental é preciso muita paciência e investimentos, em que, afinal, os resultados não são visíveis a curto prazo. Porém, nós (CNCS) estamos a preparar o próximo plano estratégico nacional (…) mas posso assegurar que as políticas ou as estratégias do referido plano não vão produzir efeitos em tão pouco tempo como a sociedade espera. Contudo, devo recordar que o 1º Plano Estratégico Nacional (PEN I) data de 2000. Ou seja, só a partir desse período é que o país começou a abordar com objectividade e uma direcção clara o HIV/SIDA, e mesmo nessa altura tinha-se um entendimento refractário desta problemática em Moçambique.

(@V) – Admite que não é um problema de políticas…

(DM) – Não pretendo problematizar as abordagens e observações que são feitas sobre o trabalho do CNCS. O que pretendo é dizer que trabalhamos com uma matéria muito delicada, que é mudar o comportamento. O segundo aspecto, mais do que o mudar o comportamento é mudá-lo no aspecto sexual. A sexualidade, claro, é das matérias mais complexas, porque é um reflexo incondicionado. Afinal, como dizia Freud, o impulso sexua pode ser controlado conscientemente, mas deriva de impulsos naturais. Daí que se pode encontrar uma senhora que tem incapacidade por demência, mas carrega uma criança ao colo. O que demonstra que pela delicadeza da matéria, deve-se fazer um investimento na compreensão do fenómeno, e mais do que compreendê-lo abstractamente é preciso fazê-lo no contexto sócio-cultural, onde as pessoas estão inseridas.

(@V) – Uma das questões que mais frustrações tem levantado em torno do SIDA relaciona-se com o facto do TARV não cobrir todos os que precisam.

(DM) – É preciso fazer uma leitura crítica deste fenómeno, porque nos últimos cinco anos registou-se uma expansão da provisão do TARV em Moçambique. O MISAU, nesse período, empreendeu um esforço no sentido de fazer com que o TARV abrangesse todos os distritos do país, o que, no meu entender, constitui um ganho. Até porque eliminou, com isso, o problema das assimetrias. Porém, este tratamento exige outros complementos para que a adesão aumente, já que se não há um balanceamento nutritivo assegur ado , dificilmente as pessoas respeitam a administração dos fármacos. Contudo, no ano passado lançou-se a sexta básica na tentativa de apoiar este segmento. Depois, é necessário que se continue a fazer uma mobilização acelerada para garantir que mais pessoas possam aderir ao tratamento, mas isso só poderá ser uma realidade se a nossa campanha sobre o aconselhamento e testagem surtir o efeito desejado. Por último, o TARV precisa de uma grande aposta na qualidade, de uma grande aposta num diálogo permanente entre o clínico e o paciente. Precisa ainda de um trabalho, a nível da família.

(@V) – Um dos objectivos do CNSC é fazer com que a taxa de prevalência não baixe, e de acordo com as projecções mais de 50 por cento das pessoas que precisam do TARV não têm acesso a ele. Esse aspecto não vai fazer com que a prevalência baixe? Até porque os estudos indicam que se não receberem tratamento podem morrer em menos de três anos…

(DM) – A taxa de prevalência baixa devido a dois fenómenos: mortes e estancamento de novas infecções. Portanto, quando se trabalha com a taxa de prevalência temos de olhar para estes dois aspectos. Ainda assim, concordo que isso possa acontecer, mas é importante saber que só podem morrer apenas aqueles doentes que precisam rigorosamente do TARV, e ai, naturalmente, teremos de ser objectivos na leitura do nosso gráfico. Actualmente, a prevalência é de 16 por cento, e se reduzir para 13 ou 12 por cento temos de nos interrogar se será por causa de um investimento na prevenção, ou se teremos falhado no que se refere a prolongar vidas humanas.

(@V) – Ainda assim, as projecções indicam que a taxa de prevalência em 2010 será de 14 por cento. Qual será o factor determinante: mortes ou estancamento da incidência? Ou até uma combinação dos dois factores…

(DM) – Claro, uma mistura de factores. Afinal, se olharmos para a incidência, num passado recente falava-se de 500 novos casos por dia, mas hoje os estudos mostram uma redução até 370 novas infecções diárias, em adultos, e cerca de 60, em crianças. Portanto, deste cruzamento entre, por um lado, as pessoas que morrem, e, por outro lado, uma acção específica voltada para a mudança de comportamento, vai resultar a redução no número de pessoas portadoras do HIV/SIDA.

(@V) – O facto de os dados indicarem que a incidência está a baixar é uma demonstração de que a mensagem começa a surtir os efeitos desejados, e ao mesmo tempo uma refutação da ideia de que as políticas estão a falhar…

(DM) – Na leitura de fenómenos sociais há diferentes interpretações. Contudo, interessa o argumento das mesmas. No meu entender, a mensagem começa a entrar paulatinamente. Mas pretendermos que todos tenham um comportamento padrão da noite para o dia, seria como escrever na água.

(@V) – Uma das metas, em 89, era treinar o pessoal da Saúde no diagnóstico, no manuseamento de objectos perfurantes e outras matérias ligadas ao SIDA. Hoje, já em 2009, podemos considerar que deixamos essa meta para trás?

(DM) – Sim, e não. Sim, porque houve um grande investimento na área da saúde, no treino do pessoal. Por exemplo, outros países do mundo apostam exclusivamente nos médicos para administração do TARV, e se o nosso país tivesse optado por essa via não teria condições para fazer a expansão até ao distrito. Não, porque a formação é um processo. Ou seja, o SIDA é um fenómeno que, não tendo recomendações definitivas, exige que toda a sociedade se actualize.

(@V) – Os grupos de risco ainda são uma prioridade?

(DM) – Hoje, na literatura internacional, já se discutem comportamentos de risco. Repare que nos dias que correm, arquitectos, enfermeiros, engenheiros e até médicos morrem. Portanto, já não se pode falar, hoje, de grupos de risco.

(@V) – Como é feita a monitoria e avaliação dos projectos financiados através do CNCS?

(DM) – As comissões provinciais de avaliação têm a missão de verificar se o que consta no projecto que foi aprovado é implementado no terreno. Ontem (terçafeira), por exemplo, recebemos uma carta da administração de Gorongosa, que referia que num determinado projecto há uma discrepância enorme entre o que é o projecto e o que se implementa no terreno.Por isso, recomendaram que o CNCS cortasse o financiamento à organização. É com este tipo de monitoria, que começa da base, que pretendemos trabalhar, mas para além disso temos as nossas equipas internas que produzem relatórios periódicos.

(@V) – Os dados indicam que a epidemia do SIDA em Moçambique se sobrepõe aos esforços envidados para a sua contenção.

(DM) – É verdade.

(@V) – Porquê?

( DM) – Precisamente porque o SIDA começa a ser um problema de desenvolvimento económico. Se formos a olhar para o único estudo de desenvolvimento macroeconómico elaborado no país, em 2001, e que mostra o que é o impacto do SIDA, facilmente chega-se a essa conclusão. Aliás, o estudo mostra a dificuldade, por exemplo, de substituir um professor bem talhado por um novo, formado nas condições actuais. Por esse lado, a epidemia sobrepõe-se aos esforços.

(@V) – No que concerne ao SIDA, como justifica a tendência de medirmos o fracasso ou sucesso das nossas políticas em função dos números?

(DM) – São o único elemento que nos permite reflectir melhor. Aliás, à luz dos indicadores olha-se para a qualidade e para a quantidade, mas a tendência é pendermos para o último aspecto. Agora, no que concerne à qualidade, o profissional de hoje é superior ao de ontem.

(@V) – Como olha para as políticas?

(DM) – É-me difícil fazer um juízo sobre políticas. Penso que elas devem ser acarinhadas, experimentadas, e acima de tudo precisamos de ter a paciência necessária para daqui a 10 anos avaliarmos se valeu a pena ou não. Agora, pensarmos que a política que começa a ser implementada surte mudanças no dia seguinte…

(@V) – Um estudo da Wilsa Moçambique conclui que embora fique claro que o nível de educação possa ser importante para o maior acesso à informação, favorecendo uma maior protecção contra comportamentos de risco, não podemos descurar o facto de que a hierarquização das relações sociais que consagram a dominação masculina acaba por constituir o elemento mais marcante, que determina as práticas de risco…

(DM) – Essa não é uma grande conclusão. Vivemos numa sociedade que foi dominada pela divisão sexual do trabalho, pelo patriarcado, e é natural que hoje a sexualidade não se negoceie. Isso, apesar de falarmos de que é preciso negociar o sexo seguro. Mas mais do que isto é preciso compreender que biologicamente o homem e a mulher são diferentes. Por exemplo, o órgão genital feminino está mais exposto, por isso quando falamos da vulnerabilidade destacamos a biológica, e só depois é que abordamos a vulnerabilidade social. Porque aí o que se pretende é equilibrar as relações de género. porém, pode-se ajustá-las a partir da acção afirmativa e com base no sistema de quotas, e só depois atacar as dinâmicas sociais. Mas antes é preciso descer para a cultura.

(@V) – As nossas políticas, no que concerne ao SIDA, são apontadas como uma manta de retalhos por causa da intervenção da OMS e do Banco Mundial. Concorda?

(DM) O Banco Mundial é um parceiro financeiro, e não é prescritivo sob o ponto de vista filosófico. A OMS está ligada aos protocolos, sobretudo na área de tratamentos. Mas as políticas são definidas localmente. Por exemplo, nos países vizinhos já começou uma campanha sobre a circuncisão masculina.Em Moçambique, o Governo disse que precisa de mais alguns estudos sócio-culturais para melhor entender a dinâmica da circuncisão, porque em algumas partes do nosso país esta prática é uma tradição. Todavia, esta posição mostra que as nossas políticas estão cada vez mais adaptadas à nossa realidade. A prevenção é um investimento de longo prazo, é uma espécie de investimento florestal, planta-se hoje, mas quem vai colher são os nossos descendentes…

(@V) – Quando é que será uma realidade a redução significativa da incidência no país?

(DM) – O CNCS quer que isso se efective, mas há que referir que depende do comportamento das pessoas. Eu (CNCS), que faço as políticas e as campanhas, não estou presente quando as pessoas estão entre quatro paredes. Eu nem sei se estando nesse momento ainda se lembram das campanhas. No entanto, a nossa missão é assegurar que cada vez menos pessoas se infectem. Quanto aos infectados, queremos que vivam mais tempo.

(@V) – Está a admitir a impotência do CNCS em relação à mudança de comportamento?

(DM) – Não diria que é admitir a nossa impotência. No processo educativo há alguns que transitam e outros não. Mas mesmo assim pensamos que a educação e o investimento na mudança de mentalidade são o melhor que se pode fazer para controlar a nossa mentalidade. Ou seja, o que o CNSC quer é que tenhamos uma saúde sexual auto-conduzida.

(@V) – Como olha para a construção da fábrica de antiretrovirais no país?

(DM) – Espero que o primeiro benefício seja a distribuição desses fármacos no país. Depois, penso que isso poderá tirar o peso das importações.

(@V) – O CNCS foi ouvido ou vai ser, no que diz respeito ao preço dos antiretrovirais e outras questões?

(DM) – Esta é matéria exclusiva do MISAU.

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