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“É necessário moldar a população para que participe activamente na governação”

@Verdade traz ao leitor a conversa que manteve com Arlindo Murririua, coordenador Provincial da Associação Moçambicana para o Desenvolvimento da Democracia (AMODE), em Nampula, que afirmou que se os moçambicanos tivessem conhecimento da legislação moçambicana e respeitassem os seus direitos e deveres, teríamos uma cidadania participativa capaz de desenvolver o país, tendo acrescentado que é necessário moldar a população de modo que esta participe de forma activa na governação.

@Verdade – O que significa AMODE? Arlindo Murririua

(AM) – AMODE significa Associação Moçambicana para o Desenvolvimento e Democracia. É uma associação apartidária e não lucrativa com sede na cidade de Maputo, fundada por um grupo de educadores cívicos representando cada uma das províncias do país por escritura de 1 de Setembro de 1997. Nasceu da experiência de trabalho no campo de educação cívica sobre a democracia.

@Verdade – Quais são as áreas de actuação?

AM – AMODE está vocacionada para a condução de projectos de educação cívica dos cidadãos, sobre democracia e desenvolvimento, difusão dos Direitos Humanos, Observatório Eleitoral, além de debates públicos de interesse local e nacional. Tem levado a cabo, com alguma regularidade, programas de promoção da cidadania activa e de participação na governação local.

Coordena as actividades do Pespsa (Network for Democratic Participation in Southem Africa), trabalhando com parceiros nesta actividade que promove a ligação entre os media, líderes locais e organizações da sociedade civil. Em coligação com o Centro de Integridade Pública (CIP), Grupo Moçambicano da Dívida (GMD) e Liga dos Direitos Humanos (LDH), a AMODE iniciou em 2007 um projecto de monitoria da governação local nos distritos e autarquias.

A médio e longo prazo, a nossa organização pretende criar centros cívicos e de documentação para a promoção do acesso à informação e a criação e gestão de jornais de parede possibilitando aos cidadãos, nas suas povoações, a aquisição de mais informação.

@Verdade – Que tipo de cidadãos se pretende atingir?

AM – De princípio, queremos cidadãos dignos, activos e aqueles que conhecem os seus direitos e deveres, mas que não violem a Constituição da República e as normas de convivência social.

@Verdade – Quais são os projectos em funcionamento?

AM – Desde o ano de 2011 estamos a trabalhar com o projecto “Participação Cidadã, Caminhos e Prática para uma Sociedade mais Inclusiva”. Este projecto está a funcionar em três províncias, nomeadamente Inhambane, Nampula e Niassa. Na província de Nampula, trabalhamos em três distritos, nomeadamente Angoche, Meconta e Malema. Em Niassa, estamos em Lichinga, Lago e Marrupa, e em Inhambane temos trabalhado em Maxixe e em outros dois distritos.

Este é um projecto-piloto que estamos a tentar implementar, o que se pretende é que este projecto permita a participação do cidadão na governação local. Os cidadãos devem ter conhecimento sobre o que os Conselhos Consultivos e as Assembleias Municipais planificaram para depois exigirem. Até ao cidadão das zonas mais recônditas deve saber o que o governo distrital vai fazer; a título de exemplo, quantos poços, construção de salas de aula, construção de casas dos professores, reabilitação das vias de acesso devem fazer parte das exigências das populações.

E, como resultado disso, vamos fazendo a monitoria da participação cidadã na governação daí que fomos aos distritos de Malema e Angoche, onde encontrámos furos de água nos quais, ao aprofundar os furos, não encontrávamos o nível freático dos lençóis de água, e exigimos ao governo que resolvesse o problema e isso aconteceu, é isso que queremos que a população saiba: exigir até ao final do projecto.

@Verdade – Como é que olha para a questão da cidadania em Moçambique?

AM – Nós temos a Constituição da República, a lei eleitoral e outras leis que dizem respeito à população, porém, se você perguntar a um elemento da população, ele certamente dirá que desconhece as leis. A culpa é do Estado que não cria espaços para a divulgação da mesma, mas também quero aqui dizer que não é tarefa do Estado a divulgação das leis, porque a tarefa do Estado é publicar no Boletim da República.

O artigo 36 da Constituição da República, sobre a igualdade do género, diz que “O homem e a mulher são iguais perante a lei em todos os domínios da vida política, económica, social e cultural”, porém, o homem com o machismo dele diz que o rei da família é ele, mas o artigo 36 diz que o homem e a mulher são iguais perante a lei. Agora quem deve determinar que este é chefe da família são os dois e não somente automaticamente o homem.

@Verdade – Será que esse hábito de o homem ser o rei da família vai prevalecer?

AM – Não sei, mas a culpa é da Bíblia, porque o livro de Géneses conta que primeiro a nascer foi o homem e retirou uma parte das suas costelas para o surgimento da mulher, entretanto, isso mostra que a situação ainda vai prevalecer.

@Verdade – Os fazedores da Bíblia erraram ao contar essa história?

AM – Não sei. Não me faça pecar, mas tudo isso era para tentarem contar o surgimento do homem e, como muitos tiveram uma educação religiosa muito forte, acredito que estes comportamentos acabarão por perdurar no seio da humanidade pois em muitas comunidades essa questão já se transformou em tradição.

@Verdade – No nosso país como tem andado o processo da construção da cidadania, sobretudo na governação participativa?

AM – Nós, as organizações da sociedade civil, temos tentado moldar os cidadãos para que possam participar activamente na governação, tentando exigir o que tem sido prometido por muitos governantes, queremos que a população exija furos de água, corrente eléctrica de qualidade, remoção de lixo, vias de acesso, hospitais, escolas e tantos outros serviços básicos.

Tendo em conta que cada cidadão é um elemento activo na governação local, primeiro, porque para aquele Governo estar ali dependeu do voto da população e, como resultado disso, aquilo tudo o que faz deve informar os populares. Não é construir escola num local onde não há pessoas, deve haver consultas por isso que a AMODE está a potenciar os Conselhos Consultivos dos distritos e dos municípios que é para todos os projectos do Governo começarem da base.

@Verdade – Como tem feito a potencialização dos Conselhos Consultivos?

AM – Fazendo formações. Temos activistas capacitados e eles vão passando pelas comunidades fazendo a divulgação da legislação moçambicana. No total, temos 30 activistas e nove facilitadores nos três distritos do projecto-piloto “Participação Cidadã”, o que significa que cada distrito tem 10 activistas e três facilitadores.

Também trabalhamos com as rádios comunitárias dos distritos de Angoche e Meconta, e no posto administrativo de Namialo para a divulgação da legislação moçambicana.

Fizemos a gravação de alguns programas sobre a participação activa e sobre os projectos do seu distrito para que possam fazer cumprir na íntegra o Plano Quinquenal do Governo, aquele que foi apresentado durante a campanha eleitoral.

@Verdade – A população desses locais tem capacidade para questionar os nossos governantes sobre a falha na realização de um programa?

AM – O artigo 79 da Constituição da República, sobre o direito de Petição, diz o seguinte: “Todos os cidadãos têm o direito de apresentar petições, queixas e reclamações perante autoridades competentes para exigir o restabelecimento dos seus direitos violados ou em defesa de interesse geral”.

É importante que todos conheçam essa lei. Por exemplo, quantos chefes não perdem os seus cargos nas presidências abertas do Presidente da República, porque aquilo é sinal de que há sinais de participação activa nas comunidades e acredito que poderemos atingir níveis altos.

E o que queremos é que o próprio governante saiba que é direito de todos os moçambicanos a aplicação do artigo 79 da Constituição da República. Um dos sinais mais abertos do nosso trabalho é que na recente visita ao distrito de Malema, por sinal onde estamos a aplicar o nosso projecto, houve muitas queixas contra o administrador local e isto alegra-nos bastante.

E vamos continuar a divulgar as nossas actividades para que possamos atingir patamares altos; há um termo em emacua que diz que “Quem pergunta se o cogumelo é bom, nunca foi intoxicado”. Por isso, a Constituição da República tem o artigo 79 para dar a oportunidade à população de procurar saber em caso de uma violação do seu direito.

A nossa maior satisfação é o facto de nos diferentes distritos do nosso país haver sinais da presença de alguns académicos que vão lá para trabalhar, mas eles têm moldado pouco a população local, nas pequenas conversas e disseminação de alguns conhecimentos isso faz com que haja alguma abertura e cultura jurídica da população; por isso, quando há problemas, muitos levam os seus assuntos aos postos policiais ou tribunais.

@Verdade – Quantas visitas fazem aos distritos para a divulgação das vossas actividades?

AM – Em 2012, tivemos que fazer a formação da monitoria de participação dos grupos teatrais. Ciclicamente, andamos nos distritos a fazer as nossas actividades para a divulgação dos bons mecanismos para a formação da cidadania activa. E esses grupos formados são responsáveis pela divulgação da legislação moçambicana e, muitas vezes, os grupos teatrais traduzem as leis em línguas locais para as comunidades.

@Verdade – Qual é a vossa opinião em relação aos processos eleitorais em Moçambique?

AM – Acho que a nova lei vai trazer muita novidade. O artigo 85 do processo eleitoral tinha lacunas muito fortes que permitiam o enchimento de votos. Aquele artigo criava muitos conflitos.

@Verdade – O que acha da questão organizativa do processo eleitoral?

AM – A questão organizacional do STAE e da Comissão Nacional das Eleições (CNE) é problemática, ou seja, esses organismos são os responsáveis pelas manobras dilatórias dos partidos que concorrem nos processos eleitorais, além das abstenções. Nas eleições passadas, uma comunidade do posto administrativo de Imala, no distrito de Muecate, província de Nampula, a população estava à espera no local, onde se recenseou, do caderno, porém, ninguém sabia dizer algo sobre o paradeiro do tal caderno. Portanto, acredito que essa nova lei vai eliminar essas situações.

@Verdade – Essa situação tem a influência de algum partido político?

AM – Com certeza. Quase todos os partidos, principalmente os vencedores, estão metidos nessa desorganização. Na minha opinião, o partido no poder é que devia organizar. Mas, com a nova lei, embora não saiba o que trará de novo, acredito que não vão acontecer as manobras. Todos devemos respeitar a lei.

@Verdade – O que pretendiam com os murais construídos em diferentes distritos, municípios e posto administrativos?

AM – Nós chamámos àquilo “jornais do povo”. O objectivo era divulgar informações de diferentes órgãos de informação e a legislação moçambicana aos munícipes e cidadãos que não têm acesso à Constituição da República, ou não podem comprar um jornal que custa um dólar.

É muita pena que o projecto tenha chegado ao fim, pois muitos aproveitavam para ter conhecimento sobre a legislação, reportagens e notícias publicadas por diferentes meios de comunicação social do nosso país. A nossa maior satisfação foi o facto de termos deixado o património, no qual os governos distritais têm afixado algumas das suas informações ou anúncios.

Naquele projecto tínhamos o financiamento da HIVOS e já havíamos assinado contrato com alguns jornais. Construímos os murais em Nacala-Porto, Ilha de Moçambique, Ribáuè, Angoche e na cidade de Nampula.

Na monitoria que fizemos depois do fim do programa ficámos a saber que era uma grande valia ter aquele projecto, pois ajudou muito na divulgação da legislação moçambicana.

@Verdade – Há quem diga que o Governo moçambicano valoriza mais a mulher em detrimento do homem. Concorda?

AM – Não é o Governo, mas sim a legislação moçambicana. O Executivo apenas tem tentado responder positivamente ao que vem plasmado na lei. Aqueles que não gostam dessas situações são as que inventam essas ideias para fragilizar o Governo de modo a não estar a par das actividades levadas a cabo pelo bem das mulheres. Por exemplo, vejamos: quem são os maiores beneficiários dos Fundos de Desenvolvimento Distrital? Obviamente, são os homens.

@Verdade – O que é necessário para que se efective a questão de cidadania no seio dos moçambicanos?

AM – A população precisa de educação e capacitação contínuas. É isto que temos vindo a fazer, mas também o desenvolvimento das mentes e o conhecimento das leis não cresce como milho que a gente vê a crescer de um dia para o outro. Mas julgo que as coisas estão a mudar.

Nos anos de 1970, a população moçambicana, com destaque para a da região Norte do país e a das zonas mais recônditas, olhava para o administrador e sentia-se inferior. Presentemente, já não tem receio, o povo fala com o Presidente da República nas presidências abertas à vontade. Porém, é preciso formarmos todos os cidadãos para atingirmos a participação activa na governação e vamos agir para o desenvolvimento da Nação moçambicana.

@Verdade – Concorda que há assimetrias económicas neste país entre as três regiões, norte centro e sul?

AM – A questão de assimetrias nós é que a promovemos, mas, na verdade, não existe nada disso, pois as pessoas olham para um lado e fazem comparações desnecessárias, esquecendo- se de que há oportunidades para todos os moçambicanos em qualquer ponto do país.

@Verdade – Quais são as expectativas em relação aos próximos pleitos eleitorais?

AM – Durante as eleições, nós entramos como membros do Observatório Eleitoral. No ano passado, estivemos em Inhambane a receber capacitação. Dos seis coordenadores, cada um poderá formar pessoal da sua área de actuação, dependendo dos fundos a serem conseguidos pelo Observatório Eleitoral, mas a verdade é que vamos capacitar observadores eleitorais, entre outros envolvidos em todo o processo das eleições.

No nosso país o processo das eleições é visto como sendo um momento de conflitos enquanto noutros países são momentos de alegria e de bem-estar e das decisões para o bem do futuro.

Para as eleições municipais deste ano julgo que teremos muitos conflitos, bastando ver a conjuntura política que se vive neste momento, por isso é que temos de ter os actores de resolução de conflitos atentos e preparados para uma qualquer eventualidade.

Os tribunais e a procuradoria devem resolver, sem reparar na raça, religião ou posição política. E julgo que aqueles conflitos que começaram na Assembleia da República vão continuar.

@Verdade – A vandalização das sedes de alguns partidos pode minar a democracia e o bem da cidadania?

AM – Esse tempo todo que se levou para a revisão da lei eleitoral era para colmatar esses conflitos. Tem de se sanar aqueles conflitos que têm acontecido. Nos países da Europa e Estados Unidos da América existiram aqueles conflitos, mas sempre conseguiram ultrapassá-los. Nós estamos a entrar no processo de desenvolvimento. Como será? Esses conflitos criam-nos problemas. A Constituição é clara e quero aqui dizer que muitos violam a lei-mãe.

@Verdade – As pessoas reclamam muito sobre a figura do Chefe do Estado alegadamente por estar a fazer as suas visitas (Presidências Abertas) de helicóptero. Qual é a sua análise?

AM – Ele tem dinheiro e tem todas as condições para usufruir disso. Não vamos discutir porque anda de carro ou avião. Ele chegou à conclusão de que para visitar o país em pouco tempo tem de usar helicóptero. Quem não tem comida é que pensa assim, mas aqueles com quem ele trabalha têm outra opinião. Eu julgo que a única maneira de retribuir à população são os “sete milhões” atribuídos aos distritos.

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