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Do seu (próprio) corpo brotou a dança para o salvar!

Do seu (próprio) corpo brotou a dança para o salvar!

Se a dança fosse uma crença religiosa, apesar de ser deprimente – uma vez bem documentada – a história de Elísio António Chindiya serviria perfeitamente de propaganda para atrair os mais indefesos crentes. É que, em certo dia, sucedeu que do seu próprio corpo brotou a dança para o desviar da morte. Em 2012, o artista participou no VIII Festival Internacional de Maputo na qualidade de Dance Captain. Mostrou ser um valor seguro para o país e, presentemente, colhe os frutos do seu empenho.

Um autêntico exemplo de superação de desafios – fome, desabrigo, desamparo, desemprego, solidão, depressão, etc. – com um final feliz, e que se pretende que seja muito mais bem-sucedido ainda, é um pouco de tudo o que se pode narrar sobre a assustadora e estranha história do percurso artístico de Elísio António Chindiya (Dani), o jovem artista moçambicano oriundo da cidade da Beira, na província de Sofala. Há cinco anos abandonou a sua terra natal e rumou para um destino incerto, apesar de o mesmo ser a cidade de Maputo, à procura dos segredos da arte da dança.

Ao longo dos anos 2005 e daí em diante, Dani sentiu a necessidade de praticar dança. No entanto, apesar das diversas expressões de canto e dança tradicional que abundam na província de Sofala, nenhuma o cativava. Outro facto curioso é que, apesar da sua pretensão de praticar qualquer estilo de dança afro-contemporânea, o artista não tinha nenhum envolvimento com a arte.

Como tal, a solução para satisfazer a sua louca paixão, a dança, era partir para Maputo: “Recordo-me de que porque não tinha dinheiro para custear a viagem, da Beira para Maputo, tive de vender alguns (dos meus) bens. Inventei desculpas sobre a minha partida porque, para os meus familiares, não faria sentido que eu dissesse que vou a Maputo pura e simplesmente porque quero aprender a dança para me tornar profissional na mesma área. Isso era absurdo”, considera.

O outro dado, não menos assustador, é que a despeito dessa pretensa vontade de partir para Maputo – que ditaria o encontro de Dani com todos os géneros de dança moderna e contemporânea – o artista não tinha a real ideia de como era a vida na Cidade das Acácias. Pior ainda, não tinha nenhum familiar para o acolher, uma realidade da qual deu conta assim que chegou:

“Foi nesse contexto que comecei a procurar pelos amigos dos meus amigos que viviam em Maputo. E, felizmente, na mesma noite, encontrei algumas pessoas conhecidas que me levaram para o espaço Luso, onde passei a minha primeira noite em Maputo na companhia de algumas amigas”.

Dança – uma necessidade interior

Uma necessidade interior intrinsecamente ligada à sua existência humana é como se pode caracterizar a relação que existe entre Dani e a dança.

“A arte nunca vem de repente. Artistas, como eu, recebem impulsos, uma espécie de reacções que muitas vezes não são facilmente compreendidos. Na verdade, eu comecei a envolver-me com o mundo da dança sem nenhuma intenção formal. Aliás, não tive influência de nenhuma pessoa. Eu só sabia que precisava de sair da Beira para encontrar a dança que pretendia realizar. Portanto, essa confusão tinha a ver com arte”, reitera o artista.

Refira-se, então, que para Dani a tal sensação era grotesca. Por isso, desengane-se quem pense que para o artista foi fácil: “Adjectivaram-me com termos pejorativos – como, por exemplo, frustrado e desequilibrado – mas eu sentia essa necessidade artística. Infelizmente isso coincidiu com uma época em que eu atravessa uma depressão. Fiquei com a impressão de que estava a morrer, apesar de estar aparentemente forte e saudável”.

Vítima de uma série de incompreensões, o artista revela que, simplesmente, abandonou os seus próximos. Ou seja, ”fugi de todas as pessoas. A minha família procurava- me e não me encontrava, ainda que eu estivesse em Maputo.

Não podia estar com os meus amigos, pelo menos, durante muito tempo porque eles começavam a dar aulas de moral, o que até certo ponto era justo, afinal eu estava em processo de degradação contínua – magro, abatido, desempregado – e eles sentiam pena de mim, por isso eu fugia dos seus ternos sentimentos. Realmente eu estava fisicamente abatido, mas tinha força interior e, acredito que foi isso que me manteve vivo”, desabafa.

Tudo dava errado

Dani recorda-se de que um dos problemas com que se debatia era a falta de universidades que leccionassem cursos relacionados com artes e cultura na cidade da Beira. Por isso, “da primeira vez que eu fui concorrer na universidade vi no edital os cursos disponíveis e nenhum me cativou. Eu queria estudar algo que tinha alguma relação com Arte e Cultura, caso contrário Antropologia, mas na cidade da Beira não estavam disponíveis tais cursos”.

Face à inexistência das áreas de formação que o nosso interlocutor pretendia, “decidi concorrer para o curso de língua inglesa com o pretexto de que era muito fácil, de tal sorte que eu não precisava de estudar. Fi-lo, mas quando os resultados dos exames foram publicados a universidade considerou que eu faltei.

Isso foi ridículo porque não fazia sentido. Fiz todas as queixas possíveis, mas não resultou em nada”, comenta acrescentando que por essa razão “compreendi que tudo o que acontecia se justificava pelo facto de que eu estava a fazer algo que não devia” .

A par disso, “quando decidi fazer o devido sucedeu que – enfrentei muitas dificuldades – tudo funcionava. Não posso dizer como é que consegui viver de forma honesta durante um período de cerca de dois anos, sobretudo, porque em Maputo não tinha familiares e não trabalhava”.

Uma força misteriosa

Convenhamos então que, além do seu carácter fabuloso, a força que movia o nosso interlocutor para a acção é misteriosa. Ou pelo menos fica essa impressão. É que o artista não assume – como nós deixámos transparecer– que a dança lhe serviu de terapia, antes pelo contrário, considera que “não sei se posso dizer que a dança me salvou – porque isso equivaleria a afirmar que eu procurei a arte para garantir a minha salvação.

E não foi assim. A dança desabrochou de dentro de mim. Eu não procurei a solução para o meu problema, a depressão, mas ela encontrava-se em mim mesmo. Eu agi em função do meu instinto animal, como acontece até hoje. Ora, isso é complicado porque exige muita paciência e coragem”.

E mais, tal poder interior era incrível que, com base nele, muitas vezes, “eu passava dois dias, a ter aulas intensas, sem me alimentar: eu parava e pensava fortemente na comida. Punha os olhos por cima da mesa vazia e visualizava os alimentos. Eu não sei como e porquê, mas isso funcionava. Nos dias actuais, quando me lembro de certas situações por que passei fico arrepiado”.

Mostrei-lhes que sou útil

Entretanto, se para a sua aprendizagem, na dança, a sua entrega era total e incondicional – realizando, inclusive, os trabalhos mais humildes em troca de aulas – tal resultou na sua formação. Como é que ocorreu a ligação de Dani ao Festival Internacional de Maputo? O artista afirma: “Sempre me mostrei útil ao próximo. Não é que o pessoal do Festival Internacional de Maputo me ofertou trabalho. É verdade que houve o primeiro contacto, mas depois dei mostras de que podia ser utilizado”.

Explorando o seu talento, o artista contribuiu na montagem de coreografias, na organização dos planos de ensaios, que antecipadamente orientou o grupo dos bailarinos sobre o qual o director do espectáculo trabalhou. Tal acção reduzia a preocupação do dirigente, já que muitos dos artistas não são profissionais.

“Isto significa que além do meu empenhamento não houve nenhum milagre adicional. Foi assim que a directora do Festival Internacional de Maputo, Moira Forjaz, uma pessoa que deposita a sua confiança nos jovens, apreciou o meu empenhamento”.

Assim, imediatamente, o artista começou a trabalhar com o pessoal do Festival Internacional de Maputo em 2010, dois anos depois da sua presença em Maputo, de tal modo que, apesar de no ano seguinte o evento não ter incluído um musical para envolver a dança, a directora Moira Forjaz criou condições para que Dani tivesse alguma actividade.

Deste modo, na edição de 2012, recém- -terminada, Dani participou no mesmo evento como Dance Captain – uma espécie de professor ou orientador de ensaios – na produção do musical West Side Story. E, naturalmente, nos dias que correm pode afirmar com orgulho que “esta edição foi a melhor para mim porque eu, como artista, estou consolidado. Portanto, considero-me profissional na área em que actuo e estou socialmente estabilizado”.

De qualquer modo, sobre a experiência de interacção artística entre os artistas moçambicanos e estrangeiros, @Verdade fará uma abordagem superficial na próxima edição, muito em particular no âmbito do West Side Story.

No entanto, se partirmos do princípio de que, em certo sentido, a história de Dani pressupõe a superação de obstáculos por parte do artista para se impor no espaço social como um elemento válido, não faria muito sentido que se questionasse sobre as (suas eventuais) frustrações profissionais no campo da dança.

Não obstante, Dani prefere confidenciar-nos que “me senti profissionalmente frustrado todas as vezes em que tinha de seguir alguém no meu trabalho. É que, pela minha natureza – e penso que, na dança, isso é uma qualidade – eu entrego- me totalmente ao trabalho que faço”.

Ou seja, “eu acredito que a auto-entrega é o segredo número um para qualquer actividade. Caso contrário, não funciona. A pessoa corre o risco de ser falsa consigo mesma. Mas quando isso ocorre, a pessoa empenha- -se ao máximo, e o dirigente simplesmente não realiza devidamente a sua função, então, atrasa a vida dos seus dirigidos. Infelizmente, eu passei por isso – e é frustrante”, confessa.

É por todas estas razões – mas acima de tudo pelo empenho pessoal – que Dani pode afirmar que “tenho um percurso de cinco anos na dança, mas os mesmos têm um peso de 10 anos”.

Ou seja, “nesse período conseguir fazer aquilo que normalmente as pessoas fazem durante uma carreira. Estou preparado para estudar a dança a um nível superior”. De uma ou de outra forma, vale a penas referir que artistas como Maria Helena Pinto, Augusto Cuvilas, entre outros, foram importantes na formação de Dani.

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