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Distúrbio linguístico gerou conflitos…

Se os profissionais da Saúde tivessem pleno domínio cultural sobre os seus pacientes, muitos “conflitos”, derivados de perturbações, ruídos e constrangimentos semânticos que se verificam na comunicação entre estes e os utentes dos seus serviços podiam ser evitados.

A constatação emana de um trabalho académico sobre Relações Públicas na Saúde Pública apresentado, muito recentemente, no colóquio da II Semana da Comunicação realizado pela Escola Superior de Jornalismo, em Maputo.

Na esfera da saúde pública, o autor da pesquisa, Guilherme Chirinda, jovem dinâmico e empreendedor intelectual, associa o domínio cultural ao linguístico para reiterar que “a prevenção, a cura, o saneamento do meio, a gestão de crises patológicas, a informação sobre a higiene a ter (…) são funções” nela logradas.

O expositor chama a atenção para um assunto sério em relação à má aplicação da informação por parte dos agentes da saúde. Segundo diz, estas funções, podem trazer deficiências quando a sua difusão for arquitectada somente ao nível administrativo-aplicativo, descurando a componente relacional – aspectos culturais – que esta actividade envolve.

O problema é que, bastas vezes, a capacitação dos activistas do Ministério da Saúde, difusores da informação em saúde pública, tem sido parcial, excluindo a componente cultural. Ou seja, não “recebem nenhuma capacitação sobre como transmitir essas informações de acordo com os hábitos e costumes, vivências, crenças, cultura no geral,” das populações alvo.

A consequência imediata da parcialidade “são os choques culturais que assistimos entre os activistas e as populações”, comenta.

Choques e distúrbios

Por exemplo, o interlocutor recorda que quando (em 2010) a província de Cabo Delgado foi fustigada pelo surto de cólera, as autoridades apuraram que o fenómeno ocorrera devido ao consumo de água inapropriada, tendo, por isso, engendrado campanhas para disseminar “informação sobre como tratar a água antes de consumi- la”, ou seja, “fervendo-a ou adicionando cloro”.

Chirinda conta que o choque procedeu da segunda forma de tratamento da água – “adicionando cloro”. Afinal, ainda que informadas, as populações teimavam em consumir água contaminada atribuindo à feitiçaria a origem da patologia. Como tal a doença prevalecia.

Pior ainda é que outro grupo de cidadãos estava convicto de que os agentes da saúde são os que traziam a cólera para as suas famílias, uma vez que, devido à influência da língua autóctone daquela região, “eles acreditavam que a pronúncia da palavra cloro fosse idêntica à de cólera. Apenas variava ligeiramente, pois os oficiais queriam disfarçar”, realça Guilherme na sua pesquisa, acrescentando:

“uma vez que os oficiais distribuíam cloro nas suas rondas, o grupo acreditava que aqueles distribuíam cólera”. A consequência imediata é que os populares “optaram por cercá-los e espancá- los”, tendo-se dirigido, instantes depois, “para a unidade sanitária mais próxima vandalizando-a complemente”, realça.

O caso Quisse Mavota

Para o nosso interlocutor, o caso acima citado é apenas um exemplo de tantos de que provavelmente não se tem conhecimento. Mas nem por isso deixa de ilustrar claramente o quão “a falta de estudo sobre a cultura da população em causa”, antes de se ministrar determinadas medidas, pode degenerar em tragédias. Afinal, para Chirinda, se se tivesse realizado um estudo prévio “a questão linguística teria sido detectada ainda na fase de sensibilização”.

Na mesma senda, e de forma inevitável, Guilherme Chirinda recorda o dramático caso dos desmaios das alunas da Escola Secundária Quisse Mavota, localizada no bairro de Zimpeto, arredores da província de Maputo.

No exposto, Chirinda diz que o Governo pecou por ter simplesmente atribuído “apenas ao sector da saúde a responsabilidade de encontrar soluções para o caso”.

Como tal, ainda que alguns sociólogos e cientistas sociais tenham admoestado o Estado para que fizesse um estudo multidisciplinar sobre o fenómeno, que fosse além da medicina, mas mais uma vez “o Ministério da Saúde não se preocupou com as pessoas envolvidas naqueles acontecimentos”. Preocupou- se unicamente com as vítimas.

“Não procurou saber dos antecedentes das zonas circunvizinhas, nem da relação que aquelas mantêm com os seus antepassados. O ministério olhou para o lado prático, ignorando o emocional”.

Vícios dos profissionais

Partindo do princípio de que “o cidadão que vai a um hospital é um cliente”, devendo, por conseguinte, “ser tratado como tal”, Guilherme promove uma profunda reflexão “sobre a problemática da gestão hospitalar nas nossas cidades – não somente pela qualidade do atendimento, mas na transparência de acções no que diz respeito à contabilidade, às contratações, à atenção dispensada aos enfermos e seus familiares e ao serviço prestado à comunidade”.

Chirinda arrepende-se imediatamente ao pensar sobre o quão complexo é inserir nas mentes dos funcionários do sector público moçambicano, especificamente da saúde, que os utentes daqueles serviços devem ser vistos como clientes. “É só fazermo-nos à unidade sanitária mais próxima, que o utente sairá de lá menos feliz do que quando entrou”, desabafa.

Levando este ponto de vista ao extremo, Guilherme Chirinda comenta afirmando que não é uma questão de vontade e carácter apenas que faz com que o sector da Saúde tenha tamanhas deficiências comunicacionais.

Afinal, “assim como o sector empresarial, o ambiente hospitalar é cheio de vícios profissionais, muito preconceito com alguns profissionais da área, grandes jornadas de trabalho e salários que não condizem com a realidade do trabalho colocado em prática”, denuncia.

Posicionamento do RP

É inegável o conhecimento que Guilherme Chirinda possui sobre o ser humano, enquanto portador e produtor de cultura.

A verdade, porém, manda dizer que este jovem, que em tempos estudou linguística, acabou por revelar a importância e a pertinência que há em incluir-se nas acções do Ministério da Saúde, e não só, um técnico de Relações Públicas – uma nova área de formação em Moçambique – na prestação dos serviços públicos.

Ou seja, “é necessário que o Ministério da Saúde dê mais espaço de acção a profissionais das áreas de comunicação, trabalhando com eles de forma a tornar mais fácil a satisfação do utente destes vitais serviços, e proporcionando satisfação àqueles que os provêem e àqueles que os procuram”.

Afinal, “as Relações Públicas constituem uma área provida de instrumentos capazes de auxiliar qualquer tipo de actividades, independentemente do carácter, desde que envolva relacionamento, visto que este é o seu intrínseco objecto de estudo”, finaliza.

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