Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

Disputada pelo mar e pelos palcos!

Disputada pelo mar e pelos palcos!

De repente, sem nenhuma pretensão formal em relação à música, Florinda Pascoal Cambula tornou-se a deusa da canção moçambicana. Há muito tempo que convive com o “vício” de cantar. No entanto, devido à formação superior na área de engenharia marítima que possui, nos próximos dias, a artista ver-se-á disputada pelo mar e pelos palcos. É muito dedicada ao seu trabalho, “mas a música é a minha vida” – confessa acrescentado que – “por isso terão de perceber-me…”

Imagino que o estimado leitor se esteja a interrogar: “Quem é a referida Florinda Pascoal Cambula que, do nada, chega ao cenário da música moçambicana e é considera pelo repórter do @Verdade a deusa da canção moçambicana?” De facto, se a questão tiver sido formulada desta maneira, há que se reconhecer a sua pertinência.

Provavelmente, o autor destas linhas terá cometido o erro de apresentar a sua interlocutora com algum formalismo. De qualquer modo, ele não é o responsável pela deificação da intérprete. Os moçambicanos sobre quem na composição Moçambique Fillo cantou até convencer, não somente o júri do Ngoma Moçambique, o maior programa musical que se tem no país, podem explicar melhor a sua deificação.

Na verdade, na intimidade, a artista que interpreta a Melhor Canção Moçambicana do ano 2011 chama-se Fillo. Diríamos que a razão da origem desta matéria (aliás, da nossa conversa com a referida cantora) é o facto de Fillo interpretar uma composição musical que carrega muito romantismo em relação ao País da Marrabenta, associada a uma mensagem altamente elaborara como a finalidade de, não somente, projectar a boa imagem de Moçambique no mundo, como também celebrar a vida e o amor no sentido amplo da palavra.

O seu primeiro contacto com o mundo da música, algo que se tornou intenso, é uma história muito longa sobre a qual, rapidamente, nos recorda: “Começo a cantar muito cedo, ainda em tenra idade, graças ao facto de que os meus irmãos mais velhos sempre apreciaram o canto”.

E quando diz muito cedo refere-se aos finais dos anos de 1980 e princípios de 1990, altura em que quase todos os moçambicanos apreciavam (com algum fervor) a música de artistas internacionais como Elvis Presley, Roberto Carlos, Leandro Leonardo, entre outros.

Eles foram os primeiros artistas que, para si, se tornaram referências incontornáveis na cena da música mundial. Por isso, naquela altura, cantar não era nada mais do que imitar aquelas vozes. Fillo interpretava músicas alheias afincadamente (ainda que, sem objectivos de se tornar uma profissional da referida área artística) de tal sorte que a música, muito cedo, se abrigou na sua vida.

Na segunda metade de 1990, a sua família muda de residência, de um bairro para o outro, sendo que no local de destino ela associou-se a um grupo de canto coral da Igreja Metodista. Diga-se de passagem que Fillo é crente da Igreja Católica. Foi nessa formação de canto de louvor que a, até então, potencial cantora ganhou o gosto insaciável pela música, o que em certo grau contribuiu para a evolução da sua voz.

Algum tempo depois, com o surgimento do Fama Show, em 2005, Florinda passa a actuar como corista na referida iniciativa. “Tive algum receio em relação à fama e o glamour que a imprensa televisiva confere aos artistas”, comenta.

De uma ou de outra forma, a familiarização da corista no referido reality show ocorreu rapidamente, aliás, as possibilidade de tal não acontecer eram diminutas: “o pessoal era muito divertido e isso concorreu para a evolução da minha performance artística”, comenta.

Nasceu Moçambique

A par do seu envolvimento com o Fama Show, foram lançadas as bases para que o conceituado intérprete moçambicano, Stewart Sukuma – que presentemente celebra o trigésimo ano do seu percurso artístico-musical – convidasse Fillo para fazer coros nas suas músicas: “assim, a minha vida musical ganhou mais sentido”, reitera acrescentando que “entrei na música sem nenhuma pretensão formal de me tornar uma cantora. Portanto, não sofri muito como os outros artistas que passam por muitas vicissitudes para serem reconhecidos na área”.

A experiência com Stewart Sukuma fez com que Fillo ganhasse, cada vez mais, interesse na arte de cantar o que impactou no surgimento de ideias, cada vez mais, ambiciosas em relação à arte de cantar:

“Falei com Fidélio, um jovem que conheci no movimento Gospel, para me ajudar a compor algumas músicas para registar um trabalho artístico- -musical de forma individual”. Foi assim que, dentre outras composições, nasceu a música ganhadora do Ngoma 2011, “Moçambique”.

Um dado curioso é que a participação de Fillo no Ngoma foi uma ideia original do jovem músico e compositor moçambicano Fidélio. Para si era importante que se tivesse algumas músicas a serem tocadas e promovidas nas Rádios, como forma de projectar a imagem da cantora. Obrou-se, assim, a canção Moçambique que, imediatamente, foi distribuída pelas Rádios da capital até que acabou por ser destinada ao Ngoma Moçambique.

Penosa situação da mulher na música

Entretanto, se o sucesso que, presentemente, Fillo granjeia na área musical pode servir de força motivadora, não somente, para si como também para as demais mulheres com vocação para a arte, a interlocutora não deixa de lamentar em relação a algumas situações penosas que a mulher ainda experimenta na sociedade.

Denuncia que “nós, as mulheres, temos tido muitas dificuldades para ´estar no espaço público´, e a música é um deles. É que, na nossa sociedade, foram produzidos valores que impedem que a mulher se exponha. E aqui, exposição significa que a mulher não pode sair à noite; não deve ir aos espectáculos; é inibida de realizar uma série de actividades que lhe podem possibilitar a conquista do seu espaço na sociedade”.

Ou seja, “a figura da mulher é vista como alguém submisso que deve seguir tudo o que a sociedade idealizou. Trata-se de uma realidade que parte do núcleo familiar. Então, quando se está na música, é preciso ter-se em conta todos esses aspectos. É por essa razão que, em Moçambique, para se ser cantora, é necessário ter-se muita garra”.

Por exemplo, “há mulheres que só pelo simples facto de saírem à noite para um determinado lugar são conotadas com prostitutas”.

De qualquer modo, porque nos dias que correm, as indústrias culturais impelem os artistas – sobretudo os do sexo feminino – a apresentarem-se de forma desnuda, a figura da mulher é tornada vil.

Fillo reconhece que, ao que tudo indica, só assim “a nossa música e/ou espectáculo ser abraçada pelo público”. Ou seja, o meu traje deve ter em conta que pode interferir negativamente na projecção da minha música no público – então, tudo isso representa um conjunto de factores complicados que se devem ter em mente para quem quer ser músico”, diz aconselhando: “As mulheres precisam de ser corajosas se quiserem ser artistas”.

Afinal, o que é ter garras e fazer arte?

Quando colocada, a pergunta teve uma resposta pouco elaborada, mas alimenta alguma reflexão: “ter garra no trabalho que se faz é ser e estar confiante naquilo que pretende realizar e prosseguir até ao fim. Ou seja, não permitir que nada abale ou ofusque a sua intenção, o que significa criar uma ideia e desenvolvê-la até à conclusão”.

E a arte “é a forma como cada pessoa expressa a sua ideia, imaginação, intenção, mas não com base em ideologias científicas. A arte é algo bonito, cuja beleza se pretende mostrar aos outros. Ela representa algo que pode servir para o bem-estar e que, em certo grau, se relaciona com lazer. Cada pessoa tem a sua forma de transmitir a sua arte”, diz.

“A minha preocupação é exactamente esta: porque é que esta subjectividade artística, a compreensão individual sobre a realidade, deve ser harmonizada com os ditames criados pelas indústrias culturais? Porque é que os artistas se devem submeter a tais ideologias, ao invés de serem eles a moldar a sociedade?”.

Florinda considera que existem artistas que não se importam com os estereótipos das indústrias culturais. Afinal, para si, tudo depende da motivação da pessoa em relação à actividade que executa:

“Porque é que o artista pinta, canta, escreve literatura, ou desenvolve alguma actividade que se relaciona com arte? Se a finalidade for ganhar dinheiro e, por essa via, garantir a sua sobrevivência, então terá que se submeter às regras estabelecidas por esse público”.

Em sentido contrário, ou seja, se alguém faz arte porque gosta – e a sua sobrevivência não depende dela – então o artista não precisará de seguir as ideologias das indústrias culturais. A prova disso é o facto de existirem projectos de arte cujos seus mentores não se deixaram orientar pelos caprichos da industrialização dos objectos culturais. Felizmente, ainda que muito poucas, “tais iniciativas são reconhecidas até aos dias que correm”.

Não obstante, “nós que queremos entrar na cena da música em peso, e alcançar o sucesso rapidamente, temos que nos submeter à globalização, ou seja, entrar na lógica dos outros, sob pena de ficarmos para trás”. Infelizmente, “essa doutrina é muito glorificada em Moçambique”.

Uma fantasia com sentido

É neste contexto que, comentando acerca do nudismo entre outras práticas depravadas que rodeiam o campo da música no país, Fillo esboça uma fantasia com um sentido interessante:

“Costumo dizer às pessoa que gostaria de viver nos Estados Unidos. É que naquele país, basta que a pessoa prove que tem domínio e excelência no trabalho que faz para ser bem-sucedida. Não importa o que a pessoa faz e como faz, mas se isso beneficia a sociedade e é bem feito, ela recebe o reconhecimento. Em Moçambique isso não funciona. É preciso que sejamos submissos àquilo que os outros fazem para que possamos ser integrados e reconhecidos na mesma onda”.

Quem é Fillo?

Natural da cidade Maputo, Florinda Pascoal Chambula nasceu em 1984. É filha do casal Virgínia Ramos e Pascoal Chambula. Possui formação na área de pilotagem de navios e, presentemente, trabalha no Instituto Nacional da Marinha (INAMAR).

É leitora assídua das obras da escritora moçambicana Paulina Chiziane, sobre quem considera: “Gosto muito da forma como ela transmite a mensagem. Ela conhece muito bem as nossas culturas. Possui uma forma muito intelectual de falar. Estou à espera do seu novo livro em que fala sobre os curandeiros”.

Além do pessoal do INAMAR, personalidades como Stewart Sukuma, Sizaquiel Matlombe, Mingas, Leila Luís (a sua amiga íntima), bem como o seu núcleo familiar influenciam a sua maneira de ser e estar na música. Presentemente, com o apoio de Fidélio e Filipe, prepara o seu primeiro trabalho discográfico em que além da Marrabenta promete muito outros géneros e estilos musicais como o Gospel, o Fusion e o Afro-Music. .com/JornalVerdade

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts

error: Content is protected !!