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Direitos humanos continuam a ser violados em Moçambique

Moçambique, apesar de ser signatário de muitas convenções internacionais sobre os direitos humanos, continua na cauda no que diz respeito à sua protecção e promoção, devido, por um lado, à morosidade que se verifica no processo de ratificação de protocolos internacionais considerados cruciais para o efeito e, por outro, ao facto de o Ministério Público, entidade responsável pela garantia da legalidade, não dispor de pessoal nem de condições para responder à demanda das violações que ocorrem.

Visando a melhoria do quadro dos direitos humanos no país, em 2008, o Centro de Integridade Pública (CIP) no seu Relatório de Governação e Integridade em Moçambique (RGIM-2008), recomendava a adesão e ratificação dos pactos e protocolos adicionais ou facultativos relativos a essa matéria, nomeadamente o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, o Protocolo Facultativo do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o Protocolo Adicional à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis e o Protocolo Facultativo da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra Mulher.

Porém, volvidos cinco anos, o cenário continua preocupante e intolerável. As detenções ilegais, o uso abusivo da força e de armas de fogo por parte da Polícia que em alguns casos resultam em mortes e as condições desumanas de algumas cadeias ainda constituem uma grande preocupação, embora sejam situações do domínio tanto das instituições estatais, bem como das da sociedade civil.

Uma análise feita pelo CIP em torno da definição dos mecanismos de garantia das liberdades básicas, do papel da Polícia e dos tribunais, da legislação e adopção de convenções internacionais sobre direitos humanos, divulgado em Dezembro passado aponta que parte significativa das recomendações deixadas em 2008 não foi seguida.

“O Estatuto do Tribunal Penal Internacional (ETPI) não foi ratificado”, aponta, não obstante várias organizações tais como a Ordem dos Advogados de Moçambique e a Liga dos Direitos Humanos, entre outras, terem pressionado no sentido de a Assembleia da República (AR), o órgão legislativo do país, tomasse tal medida.

Ainda durante esse período (2008-2013), o Estado moçambicano ignorou as recomendações relativas à adopção de medidas legislativas que permitam o acesso de entidades independentes, ou seja, organizações da sociedade civil, aos estabelecimentos prisionais e às esquadras da Polícia, com vista a monitorarem a situação dos reclusos. “Nenhuma medida legislativa foi tomada nesse sentido, embora existam algumas medidas administrativas”.

Estado evita responsabilização internacional

O Estado moçambicano, ciente dos graves atropelos aos direitos humanos que os seus agentes comentem e a sua consequente responsabilidade perante esses casos, tem adoptado uma estratégia selectiva no processo de adesão aos instrumentos internacionais que regulam sobre a matéria com vista a não se vincular às normas que implicariam a sua responsabilização directa ou do governo perante as instituições internacionais, em caso de violação desses direitos, constata no documento.

Assim, nos últimos cinco anos, segundo o relatório, Moçambique não fez quase nada em relação ao quadro legal e institucional relativo aos direitos humanos e o Estado continua a “dar primazia aos direitos civis e políticos e aos direitos colectivos e difusos, descurando os direi¬tos económicos e sociais”.

Relativamente à ideia das penas alternativas à prisão, sugerida aquando da revisão do Código Penal, o CIP refere que embora seja importante, essa providência não esgota as medidas legislativas necessárias para efectivar o regime das penas alternativas. Para esta organização, ainda é necessária a introdução de normas legislativas complementares para que sejam aplicadas de forma eficaz e com êxito.

“A Lei Contra a Violência Doméstica (Lei n.º 29/2009, de 29 de Setembro) prevê a aplicação do trabalho a favor da comunidade como pena principal ou como pena de substituição, mas, apesar disso, essas medidas ainda não estão a ser aplicadas”, argumenta.

Falta de recursos humanos

O documento que temos vindo a citar refere que de 2008 a esta parte “houve estagnação quanto à situação dos direitos humanos e liberdades básicas” no país. A falta de recursos humanos e condições de trabalho, por parte do Ministério Público, entidade defensora da legalidade, para acautelar ou reagir contra todos os casos de violação de direitos humanos que ocorrem no país pode estar por detrás da actual situação.

Para fazer face à actual estagnação, o CIP entende ser necessária a colocação de magistrados do Ministério Público e de juízes da instrução (em regime de turnos, durante todo o dia) junto das esquadras de Polícia e outros centros de detenção de modo a evitar privações arbitrárias de liberdade, assim como para reduzir o tempo que separa a detenção da liberdade provisória.

Propõe ainda que decorram formações contínuas dos agentes policiais em matéria relativa aos direitos humanos e liberdades básicas; a incorporação de matérias relativas aos direitos humanos, liberdades básicas e penas alternativas à prisão na formação de magistrados e outros actores judiciários; a assinatura de protocolos de cooperação entre o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ) e organizações da sociedade civil que lutam pela defesa de direitos colectivos e difusos; e a instituição de um regime de “arquivo aberto”, contendo informação relevante sobre a estatística da actividade da Polícia (volume, tipologia e destino dos casos) e dos órgãos judiciários.

Líderes africanos devem defender os direitos humanos

Ainda sobre os direitos humanos, o antigo Chefe de Estado e co-presidente da Conferência Internacional sobre a População e Desenvolvimento, Joaquim Chissano, entende que os líderes do continente africano devem assumir uma posição forte de defesa dos direitos humanos dos cidadãos na nova Agenda para o Desenvolvimento Pós-2015.

Numa carta aberta aos chefes de Estado africanos, o ex- -Presidente moçambicano encoraja os líderes africanos “a tomarem uma posição forte em prol dos direitos humanos fundamentais que garantam as liberdades básicas de todos os seus cidadãos”.

“Peço que os nossos líderes se apoiem nas lições do passado, mas que também prestem atenção às realidades presentes e que olhem para o que o futuro nos oferece, porque esta nova agenda para o desenvolvimento vai afectar a vida de milhões de africanos numa época muito crítica para o continente”, diz na missiva Joaquim Chissano, co-presidente da ICPD, organismo ligado à ONU.

Refira-se que entre os dias 24 e 31 de Janeiro irá decorrer a cimeira da União Africana, em Addis Abeba, na qual os líderes africanos vão adoptar uma posição comum do continente sobre a nova agenda para o desenvolvimento, que irá substituir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, das Nações Unidas, depois de 2015.

O antigo Chefe de Estado de Moçambique alerta ainda para as implicações para as futuras gerações da proposta a ser apresentada este mês pelas lideranças africanas. “A agenda internacional que iremos ajudar a forjar não é só para nós, para o momento, mas para as próximas gerações e para o mundo”, disse.

 

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