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Convite para a leitura: Uma Rosa Xintimana!

No primeiro capítulo de A Rosa Xintimama – uma das mais recentes obras do contista moçambicano, Aldino Muianga – Faztudo Mundlovo, o protagonista, que partira da província de Gaza para a cidade de Lourenço Marques à procura de trabalho, já manifesta a vontade de regressar bem-sucedido. Isso é um passado que nos remete ao presente, instalandonos uma grande dúvida – será que, actualmente, a cidade de Maputo constitui a terra prometida dos moçambicanos?

Em A Rosa Xintimana, uma das obras de Aldino Muianga, recém-editada pela Alcance Editores, o conto “… da chegada de Faztudo a Lourenço Marques e dos envolvimentos com a dona Miquelina, sua patroa…” não podia traçar outros cenários senão um verdadeiro convite para a leitura dos demais seis.

O autor, que nos propõe uma escrita madura, logo no início da obra, cria expectativas nos leitores: qual será o final de Faztudo? Será que o seu amo, o colono, irá descobrir que se envolve em relações eróticas com a sua esposa? Ou será que, ileso, regressará bem-sucedido à terra natal.

Ainda que não nos possamos atardar a argumentar sobre isso, Aldino Muianga, também, escreveu um livro em que não conseguiu abrigar a sua nostalgia em relação à terra dos laurentinos, Lourenço Marques, actual Maputo.

Apartando-se dos problemas do saneamento do meio, das bolsas de loucura que açoitam as suas gentes, da criminalidade, da mendicidade, da prostituição e corrupção – males da cidade de Maputo dos nossos tempos – o contista prenda o leitor com uma descrição da urbe que, se não o atrai para a leitura, no mínimo, desperta para o exercício da cidadania.

Por exemplo, começa ele por referir-se à “largueza daquelas avenidas, a imponência daqueles prédios altos, os jardins sempre verdejantes e floridos, os palácios coloridos do bairro da Polana, o jardim zoológico com animais vivos – de verdade! –, o Museu com aqueles bichos todos que a gente até nem sabe bem se estão vivos ou não, mais a estátua do Mouzinho a dominar a paisagem sobre a baixa da cidade e a baía, montando sobre um cavalo de pedra!”.

Encanta-nos o saudosismo – contida nesta obra – que se mistura com uma crítica sempre presente e necessária em relação à educação que se glorifica nos nossos tempos, muito em particular, quando Aldino sublima o minúsculo grau de escolaridade da sua personagem em detrimento do ensino hodierno. “Faztudo abandonara a escola missionária de Mangundze há muitos anos (…). A sua maior riqueza é a terceira classe rudimentar que, segundo dizem, hoje vale mais do que o segundo ano dos liceus”.

Aliás, segundo a obra de Muianga, naqueles tempos, “a formação religiosa era outra conquista que não lhe permitia descurar das coisas do espírito”.

Com estas qualidades, de Maputo, Faztudo “jurava que não regressaria como partira, de sapatos remendados, calções rotos e a camisa cheia de buracos. Viera ao encontro da sua sorte”.

Afinal, “sabia de muitos conterrâneos que largaram as famílias e a terra, sem nome nem dinheiro, mas hoje eram gente com nome e posição social, bom emprego, casa vistosa de madeira e zinco, e documentos em ordem”, contando maravilhas acerca da cidade.

Na verdade, a dona Miquelina Santos, a esposa do patrão de Faztudo, o senhor Santos, “era uma pessoa precocemente envelhecida; a angústia em pessoa”.

Diz-se que “uma inexplicável infertilidade roubava-lhe a felicidade de ser mãe. Nela é tudo carências: de afecto do marido, sempre ausente em negócios nos armazéns ou em viagens, e da companhia de uma criança a quem podia chamar seu filho”.

Foi nesse sentido que, na ausência do marido, sempre acompanhada por Faztudo, Miquelina Santos começou o seu ritual de aculturação do machangana, até que, finalmente, se envolveu com ele sexualmente.

Mas antes, começou por o considerar “Uma dádiva! Mas o que mais nele me impressiona é a inteligência, o espírito de iniciativa e a lealdade. Sem falar no sotaque que em tudo se assemelha a qualquer um dos nossos. Com um pouco mais de escola passaria por um verdadeiro português!”

A verdade é que, alguns dias depois, com um pouquinho de sedução e assédio, entre Faztudo e Miquelina Santos, “a primeira de muitas outras manhãs que se seguiram, de envolventes e inenarráveis festivais de amor” ocorreu.

A este nível pode-se não ter respondido à questão sobre se Maputo ainda é a terra prometida dos moçambicanos. Uma leitura individual, feita pelo estimado cidadão, pode ser um caminho para chegar a essa verdade. Como se referiu antes, as demais seis crónicas reservam-se para o efeito.

Facto, porém, é que conforme refere Ciro Lopes – que escreveu o prefácio da obra – “Em Rosa Xintimana, Aldino Muianga remete-nos à consideração das raízes antropológicas, históricas e sociais em que se cimentam os valores das tradições e dos comportamentos individuais”.

Muianga expõe-nos – como, com toda a mestria, Ciro Lopes concebeu – “personagens colocadas face a face com os conflitos de um universo hostil, que as manieta e as circunscreve no escasso perímetro dos seus poderes”, nessa “eterna busca pela felicidade de pessoas confrontadas com os ditames da cultura e das tradições”.

Nesse sentido, ler A Rosa Xintimana possui um valor sublime na medida em que um escriba que sabe que “mentir é o mesmo que dizer meias verdades, falar com metade da língua, escrever com metade da caneta”, não contaria outra história senão a que constitui a verdade.

E quando isso acontece – “pela qualidade estética da narrativa e pela profundidade da abordagem do tema, constituindo-se um depoimento social, um documento vivo que palpita nos arquivos das nossas memórias” –, para Ciro Lopes, A Rosa Xintimana torna-se muito mais do que um novo livro do escritor Aldino Muianga. Diríamos nós que se torna um mealheiro cujo tesouro só pode ser explorado por meio da leitura.

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