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Pascoal Mbundi: “Interesses comerciais depravam a arte maconde”

Pascoal Mbundi dedica-se à arte maconde desde a nascença. A sua trajectória artística é a metáfora de superação de obstáculos. Actualmente, possui vários sonhos, mas o principal é a vontade de transmitir a sua herança cultural aos mais novos. Mas faltam-lhe condições para tal.

Se admitirmos que a grandeza de um artista – escultor ou pintor, por exemplo – não se aquilata em função da quantidade de exposições da sua própria produção, mas em virtude do impacto que as obras geram no espaço social, então, por essa via, pode-se afirmar que o pintor e escultor moçambicano, Pascoal Mbundi, possui um espaço de destaque no cenário das artes plásticas moçambicanas.

A par da veia que possui para as artes plásticas, em 1984/5, Mbundi cursou artes visuais na respectiva escola em Maputo, por intermédio de uma bolsa que lhe fora ofertada pelo então director da Escola Aeronáutica ao apreciar o seu traço de desenho. Concluída a formação, o artista nunca mais parou de investigar sobre o ofício para o qual se candidatou desde tenra idade.

O criador, cuja produção artística se confunde com uma busca constante de novas formas de fazer arte, a fim de realizar o que chama de auto-superação, nasceu no mesmo ano em que eclodiu a Luta Armada de Libertação Nacional: 1964. A época marcou profundamente a sua infância, como também a sua maneira de fazer arte.

O artista, que reside no bairro de Maxaquene, algures na cidade de Maputo, é amante da literatura – a sua inesgotável fonte de conhecimentos – mas a sua inspiração encontra-se na natureza. Nas suas obras, os traços de uma guerra por si experimentada na infância – incluindo outros moçambicanos – são fragmentos de uma época peculiar da história nacional que se preserva.

Na verdade, o escultor Mbundi desenvolve uma relação de amor e ódio com a natureza. Vezes incontáveis há, por exemplo, em que para a materialização das suas esculturas o artista se vê impelido a sacrificar o que há de importante no cosmos.

Entretanto, nem o amor que nutre pela natureza ofusca a sua necessidade pela produção artística: “dói-me a alma quando tenho de pegar num tronco e começar a esculpir, porque sinto que o mesmo representa um ser vivo, uma árvore, à beira de ser maltratado”, considera.

Seja como for, porque para Mbundi da árvore que perece ressurge uma outra personagem figurada pelas esculturas, a sua crise é suavizada pelo alívio que existe no protagonismo que é originar uma obra de arte.

Decifrar os mistérios da natureza

Há uma preocupação central na produção artística de Mbundi – a percepção da relação que se estabelece entre os diversos elementos que constituem a natureza, sem excluir as controvérsias humanas que são a fundação de uma sociedade.

É como o artista revela quando diz que “quero compreender a sociedade em que estou inserido”, ao mesmo tempo que elabora uma questão aparentemente leviana. “Porque é que se compara uma mulher a uma flor e que ligação isso tem com o amor?”

De acordo com o escultor, a busca pela compreensão da dinâmica social e a relação com os seres inanimados é um desafio sempre presente na sua acção artística. Aliás, para si, “isso é que é ser um artista”. Por essa razão, “quando leio descubro a minha essência. Encontro a compreensão da sociedade que de outra maneira não seria possível perceber”, refere.

Entretanto, como artista, Pascoal Mbundi afirma que possui muitas dificuldades para enquadrar a sua produção em função de uma determinada temática e numa conjuntura temporal. A sua obra carrega consigo traços de conflito bélico cuja justificação era a necessidade de libertar o povo do jugo colonial.

“Vivi numa época em que por causa da guerra, a sobrevivência das pessoas dependia da capacidade que cada uma possuía de abandonar um lugar para o outro. Praticamente, naquela época éramos nómadas. Provavelmente, é por essa razão que não consigo contornar esses assuntos sempre que pinto ou esculpo formas de arte. De qualquer forma, a paz – um dos bens que aprecio imenso – está presente nos meus objectos artísticos”.

Transmitir o saber

Longe de recusar a evolução, Mbundi entende que, actualmente, os jovens têm a tendência de se desligar (por desconhecimento) dos preceitos básicos da produção artística. É em resultado disso que o artista investe parte do seu tempo a transmitir os seus conhecimentos aos mais novos, sobretudo os que revelam algum pendor para a pintura e a escultura.

“Presentemente, tenho trabalhado com algumas crianças no sentido de ensiná-las a esculpir e a pintar, numa óptica artística. Gostaria de ter mais discípulos, mas, infelizmente, não tenho condições. Não tenho espaço nem fundos para operacionalizar o projecto”.

Depravar a arte maconde

Ainda que se conceba a comercialização das obras de arte como um direito de qualquer criador, Mbundi considera que quando se faz a arte tendo como foco exclusivo o mercado a mesma perde a áurea. É isso que tem contribuído imenso para a depravação dos objectos artísticos.

Ou seja, “a essência da arte fica depravada pelo interesse mercantil. Infelizmente, isso tem acontecido com a escultura maconde nos dias actuais”.

Mbundi diz que “há uma dura ditadura do mercado artístico” que se aproveita da precariedade das condições sociais dos artistas moçambicanos para amputar a sua liberdade e imaginação criativa. Na verdade, a situação de muitos artistas que – por causa de limitações financeiras, como Pascoal Mbundi – apesar de possuírem longos anos de carreira, com uma boa produção, é a inexistência da possibilidade de expor as criações numa galeria de arte.

Refira-se, então, que as mágoas do mestre Mbundi se tornam fecundas sempre que pessoas a quem considera “gente de má-fé” o procuram desesperadas a fim de lhe submeter a entrevistas – que propiciam teses de cursos superiores, fazendo-lhe falsas promessas – de cujos resultados nunca toma conhecimento.

“Há vezes que me surpreendo ao ver as minhas obras na Internet, sem nenhum conhecimento sobre como é que as mesmas foram lá parar. São raros os casos em que isso acontece com o meu consentimento”.

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