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Compromisso de voluntários ajuda a salvar vidas

Cedo pela manhã num dia de muito frio com o céu coberto de nuvens, Isabel Frede bate delicadamente à porta de uma palhota de bloco burro, num bairro pobre, na periferia de Espungabera, enquanto pede licença. A porta atrasa a abrir e ela decide recorrer à janela do quarto de Mário, 13 anos de idade, a quem vem dar assistência domiciliar e ministrar os medicamentos antiretrovirais que ele toma há dois anos. “Eu venho duas vezes, [ao amanhecer e ao anoitecer] todos os dias.

Tenho a responsabilidade de verificar se a pessoa sob meu cuidado tomou a dose correcta no momento certo, acreditando que é muito difícil, sobretudo para crianças, seguir um tratamento tão complicado”, explica Frede, justificando a visita matinal. Ela é uma dos cerca de 350 activistas comunitários que fazem assistência domiciliar a Pessoas Vivendo com HIV/SIDA (PVHS) em Espungabera, na fronteira com o Zimbabwe.

Os activistas, na sua maioria voluntários, prestam assistência domiciliar na educação em saúde, nutrição, higiene pessoal e ambiental. Igualmente prestam apoio psicológico e emocional para reduzir as tensões e stress entre os PVHS. Também lutam pela protecção das Pessoas Vivendo com HIV/SIDA contra a discriminação e auxiliam em programas na área social para aliviar o impacto sócioeconómico em consequência da doença. E ainda ensinam aos parentes dos doentes a controlarem a dosagem dos medicamentos antiretrovirais.

Por exemplo, para crianças a dosagem de xaropes é controlada usando uma seringa. Os activistas sinalizam por um marcador a medida do xarope, para orientar as famílias com baixa escolaridade, seguindo sempre as orientações médicas. “Nós ajudamos as famílias analfabetas e que não conseguem interpretar as receitas a ministrar correctamente, sobretudo no tocante a dosagens e periodicidade para ingerir os comprimidos. Também ajudamos na educação nutricional. Ensinamos por exemplo como preparar legumes, peixe e carne para adultos e crianças”, disse Frede.

Complemento hospitalar Diante das soluções comunitárias, que minimizaram a sobrecarga dos serviços de saúde e a lotação dos hospitais por doentes de SIDA, desde 2003 o Ministério de Saúde (MISAU) tem vindo a capacitar activistas para cuidados domiciliários e a referenciar os doentes a encontrarem estes serviços junto as associações comunitárias. Os activistas são formados para apoiarem os PVHS e suas famílias, em assegurar a aderência aos medicamentos e à profilaxia das infecções oportunistas como TB, e a referir os pacientes a clínicas médicas, quando necessário.

Com o trabalho dos voluntários, o MISAU pretende reduzir o esforço do doente e da sua família na deslocação para centros de saúde e hospitais, os gastos na hospitalização, internamentos desnecessários e a exposição as infecções hospitalares. Os voluntários asseguram que os medicamentos não sejam mal utilizados e são importantes principalmente nas casas onde menores fazem o papel de adultos. Os voluntários mais bem integrados nos programas de cuidados domiciliários transportam medicamentos para os doentes, em coordenação com as unidades sanitárias.

“Os cuidados domiciliários aos PVHS não vêm substituir os serviços de saúde nas comunidades, mas complementam o sistema”, disse Carlos Selemane, médico generalista, afecto aos serviços de saúde e acção social em Mossurize. Selemane entende que nem sempre os PVHS precisam de hospitalização “e o domicílio é o lugar mais adequado para se recuperarem das doenças com maior rapidez e comodidade, já que eles têm o apoio das pessoas queridas que podem prover cuidados, carinho e dedicação”.

Em Moçambique, varias experiências sobre cuidados domiciliários, com a participação comunitária, através das associações de PVHS, igrejas, grupos de mulheres, viúvas e outras, têm demonstrado ser possível fazer um trabalho efectivo em benefícios dos PVHS. Entrega Em 1998 um grupo de mulheres com o apoio da Igreja Católica criou a Kuzvipira (entrega, em língua Shona), a primeira associação a providenciar cuidados domiciliários a PVHS em Espungabera. “Não foi fácil iniciar.

As pessoas davam pouco crédito e confiança ao serviço prestado pelas voluntárias. Algumas pessoas chegaram até a pensar que o registo de doentes que fazíamos para o planeamento das visitas fosse a maneira de como eliminar os possíveis focos do HIV”, recorda Nedi King, responsável pelo projecto de HIV/SIDA na Kuzvipira. Mas o cumprimento dos aspectos éticos de confidencialidade, informação dos aspectos culturais relacionados com HIV/SIDA, privacidade, individualidade e dignidade humana e, acima de tudo, a entrega dos voluntários superaram vários obstáculos.

“As vezes acordo mal disposto e sem vontade de tomar os medicamentos. Mas ela [Frede] faz um sermão e mostra o quão é importante a vida. Eu volto a acreditar num dia melhor” confessa Mário, encostado junto à porta, ainda meio tardo.

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