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Como nasce uma nação

Sudão do Sul: um ano de amarguras

O Sudão do Sul escolheu o seu hino nacional em estilo democrático: os coros concorrentes apresentaram-se numa sala de concertos a abarrotar, em Juba – a desordenada e suja capital do novo Estado. Os puristas protestaram, dizendo que a melodia vencedora não se ajustava à letra. Ainda assim, a decisão colocou uma primeira pedra no caminho para a soberania.

O que irá seguir-se poderá ser menos divertido. Ligar o novo país à rede invisível do sistema internacional implica obter desde o indicativo telefónico ao sufixo de Internet, criar ligações postais, controlo do tráfego aéreo e direitos aduaneiros.

O serviço diplomático e consular já está a tomar forma. Cerca de cem sudaneses do Sul trabalharam como diplomatas do novo Estado; membros da diáspora já ocupam cargos em muitos países. Mas são precisos mais funcionários. Alguns estrangeiros apressam-se a ajudar. A ONG Independent Diplomat presta serviços de consultoria ao novo Estado. A Áustria disponibilizou cinco vagas na mais antiga escola diplomática do mundo, em Viena.

A primeira tarefa é formal mas vital: obter o reconhecimento diplomático. Conseguir o aval de cerca de 190 países levará tempo – a Estónia, que recuperou a independência em 1991, mantém relações com apenas 170, tendo o Haiti sido aquele que mais recentemente se juntou à lista, em 2010. Mas o reconhecimento dos principais governos do mundo (e a provável ausência de vozes discordantes) permite dar um passo essencial: tornar-se membro das Nações Unidas.

O Sudão do Sul vai percorrer o caminho de Timor-Leste, da Eritreia, da Eslováquia, dos Estados da antiga Jugoslávia e das antigas repúblicas soviéticas, cujo nascimento contou com a bênção dos grandes países.

O processo pouco tem de fascinante: os novos países não obtêm uma certidão de nascimento autenticada nem são recebidos com fanfarras. Em vez disso, a Secção de Terminologia e Referência da Divisão de Documentação das Nações Unidas regista o Estado na coluna “Nomes de países” que lista, em seis línguas, o nome comum e o nome oficial de todos os Estados-membros da ONU.

Os excluídos – como a Abecásia, Kosovo, Chipre do Norte e Sara Ocidental têm de se contentar com um lugar em listas menos importantes, como as que são compiladas pela Divisão de Estatística da ONU, para fins menos políticos.

O registo em Nova Iorque põe em marcha vários mecanismos. Permite ter um lugar na ISO 3166-1, um directório compilado pela Organização Internacional de Normalização, com sede em Genebra. Esta lista converte os nomes dos países em códigos de duas e três letras (como AFG para Afeganistão ou ZWE para Zimbábuè).

Estes códigos ajudarão a colocar o novo Estado no seu lugar na ordem internacional e a designar os seus cidadãos nas bases de dados de imigração, e permitirão que a libra do Sudão do Sul figure nas bolsas internacionais quando o novo país passar a ter existência oficial, em Julho.

Em geral, os grandes domínios de topo nacionais (TDL) utilizados nos endereços na Internet (como “.fr” para a França e “.de” para a Alemanha) correspondem aos códigos de duas letras da ISO. As páginas de Internet do Sudão do Sul poderão vir a ter um sufixo lógico mas sinistro: “.ss”.

Os códigos telefónicos internacionais são atribuídos pela União Internacional das Telecomunicações (UIT), uma agência da ONU que também tem sede em Genebra.

A UIT atribuirá ao Sudão do Sul um indicativo de zona, que substituirá o +249 do Sudão. (A Eritreia, até agora o mais recente país de África, detém o +291 e, por isso, o +292 poderá ser o do Sudão do Sul.) A UIT também distribui os comprimentos de onda de rádio.

O Sudão do Sul não terá no imediato um programa de satélites espaciais, mas o novo país terá lugar no poderoso Registo Internacional das Frequências.

Antes de terem os seus momentos de descontracção no circuito dos cocktails, os novos diplomatas do Sudão do Sul terão de estabelecer laços com uma longa lista de organizações. A Organização da Aviação Civil Internacional não se ocupa apenas de viagens aéreas e, assim, irá ajudar o novo Governo a emitir passaportes de leitura óptica.

A União Postal Universal permitirá que os novos selos de correio do país (ansiosamente aguardados pelos filatelistas) sejam utilizados em cartas para o estrangeiro.

Esta é uma grande barreira para os aspirantes a países fora do redil: o correio da Somalilândia transita quase sempre através da Etiópia; até há pouco tempo, o correio da Palestina tinha de passar por Israel; até 2008, o correio entre Taiwan e a China continental seguia por Hong Kong ou Macau.

O Sudão do Sul não tem costa mas pode muito bem aderir à Organização Marítima Internacional, presentemente muito preocupada com a pirataria em águas das proximidades. Cerca de metade dos Estados interiores de todo o mundo pertencem a este organismo.

Talvez demore algum tempo para se proceder à inclusão do novo país em manuais escolares, enciclopédias e mapas. Algumas bibliotecas que lutam com falta de fundos ainda têm atlas que incluem fósseis como a União Soviética e a República Democrática Alemã. Contudo, ao fim de décadas a lutar pela independência, paciência é o que não falta ao Sudão do Sul.

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